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Quem legisla sobre a democracia digital: O Congresso ou o Supremo?

O artigo aborda a falta de ação do Congresso frente à IA e à desinformação, destacando o protagonismo forçado do STF na defesa da democracia.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Atualizado em 29 de outubro de 2025 11:27

Com as eleições de 2026 se aproximando, o Brasil ainda não tem regras claras para o uso da inteligência artificial e o combate à desinformação. Enquanto o Congresso se omite, o Supremo é obrigado a agir - e o país segue sendo governado pelas urgências que o Parlamento evita enfrentar.

As campanhas políticas já utilizam inteligência artificial. Em questão de segundos, ela gera vozes, rostos e discursos. É possível criar um vídeo de um candidato afirmando algo que nunca disse e espalhá-lo milhões de vezes antes que qualquer desmentido chegue ao mesmo público. Trata-se da nova fronteira da manipulação digital. No entanto, a menos de um ano das eleições, o país ainda não decidiu o que fazer com ela.

O Congresso Nacional, que deveria estar no centro desse debate, opta por acompanhar à distância. O assunto é complexo, gera divergências e requer estudo - três motivos suficientes, segundo a lógica parlamentar, para ser postergado por tempo indeterminado. Dessa forma, continuamos sem uma legislação definida sobre a utilização da inteligência artificial em campanhas, sem mecanismos de responsabilização das plataformas e sem critérios para distinguir entre liberdade de expressão e fraude eleitoral.

O mais interessante é que o Congresso que atualmente critica o "ativismo judicial" é o que mais o incentiva. Com cada assunto que o Legislativo se recusa a abordar - desde a regulamentação das redes sociais até os efeitos da inteligência artificial -, o STF e o TSE são forçados a assumir o protagonismo. São eles que precisam estabelecer limites, determinar responsabilidades e salvaguardar a integridade do processo eleitoral. E, quando o fazem, são acusados de "exceder suas atribuições".

Na verdade, o Supremo não invade espaço: preenche o vazio deixado pelo Parlamento. Isso ocorreu, historicamente, em quase todos os assuntos que demandavam coragem política. Quando o Legislativo se cala, o Judiciário deve se pronunciar. E é nesse silêncio que surge a dúvida entre o papel de legislar e o dever de decidir. A questão não está na quantidade excessiva de decisões judiciais, mas na falta de decisões legislativas.

Mais uma vez, o país acompanha um confronto de narrativas entre os Poderes. O Congresso acusa o Supremo de "intervenção". O STF responde com decisões essenciais para prevenir o colapso institucional. Nesse cenário, o eleitor permanece vulnerável, exposto a um ambiente digital que se torna progressivamente mais manipulado, opaco e desregulado.

Com toda a sua estrutura e 594 parlamentares, o Legislativo brasileiro se tornou um gigante que fala muito e age pouco. Enquanto a tecnologia avança rapidamente, o Parlamento progride lentamente. Enquanto o mundo debate o futuro da democracia digital, o Brasil ainda busca compreender o presente. Há falta de gestão, de prioridade - e, principalmente, de vontade política.

As próximas eleições representarão um desafio tanto para os candidatos quanto para as instituições. Caso o Congresso persista em sua omissão, a Justiça Eleitoral retomará sua função de guardiã da democracia, mesmo que isso gere, novamente, acusações de "ativismo".

Ao final, a questão que surge é simples e desconfortável: quem está criando leis sobre a democracia digital - o Congresso ou o Supremo? Se a resposta continuar sendo o Supremo, não por escolha, mas por inércia, o problema não estará na Justiça, mas na política.

Porque o ativismo que representa o maior risco para a democracia brasileira atualmente não é o judicial. Trata-se da omissão legislativa.

Rafael Braga de Moura

Rafael Braga de Moura

Advogado e mestre em Direito, conselheiro estadual da OAB/MG, sócio-diretor da MSL Advocacia e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).

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