Gestão da jornada de trabalho: Como proteger seu bar ou restaurante de passivos trabalhistas
Administrar horários e escalas em estabelecimentos alimentícios protege contra litígios, melhora a produtividade e garante estabilidade financeira.
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Atualizado em 29 de outubro de 2025 11:44
No Brasil, bares e restaurantes estão entre os setores com maior número de ações trabalhistas, e grande parte dessas demandas decorre de falhas na gestão da jornada de trabalho. Administrar um estabelecimento desse porte significa lidar com clientes exigentes, equipes numerosas, alta rotatividade e picos de movimento que raramente seguem horários previsíveis. Nesse cenário, gerir a jornada de forma estratégica vai muito além do cumprimento da lei - é também assegurar previsibilidade financeira, continuidade operacional e equipes mais engajadas e produtivas.
Empresas que tratam o tema com rigor e visão de longo prazo criam ambientes mais estáveis, evitam litígios e fortalecem sua reputação no mercado. Ainda assim, a falta de atenção às regras específicas da legislação trabalhista continua sendo uma das principais causas de prejuízos que poderiam ser evitados.
O art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, estabelece uma jornada de trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Em estabelecimentos de alimentação e entretenimento, que frequentemente funcionam em horários noturnos, finais de semana e feriados, é essencial compreender e aplicar corretamente as normas legais, adaptando-as à realidade do negócio.
1. Medidas estruturais para otimizar a jornada e evitar horas extras
A forma mais simples e imediata de evitar o pagamento de horas extras, prevista no art. 59, § 6º, da CLT, é a compensação dentro do próprio mês de referência. Nesse modelo, eventuais horas excedentes em um dia podem ser compensadas com a correspondente redução da jornada em outro dia dentro do mesmo mês, sem que seja necessário pagar adicional de horas extras.
Essa compensação pode ser ajustada por acordo tácito - ou seja, sem a necessidade de contrato formal escrito - desde que haja concordância entre empregador e empregado e que a prática seja registrada no controle de jornada. É uma solução prática para demandas sazonais e picos de movimento, especialmente útil para bares e restaurantes que enfrentam variações de clientela ao longo das semanas.
Além de reduzir custos, esse método mantém a flexibilidade na gestão de escalas e evita a formalização de instrumentos mais complexos, sendo um ponto de partida estratégico antes de adotar mecanismos como banco de horas ou regime de tempo parcial.
O banco de horas, previsto no art. 59, §2º e seguintes da CLT, é outro recurso importante. Ele permite compensar horas excedentes com folgas em outros dias, no prazo de até um ano (por acordo ou convenção coletiva) ou até seis meses (por acordo individual escrito). Essa prática oferece flexibilidade para lidar com variações de demanda, desde que acompanhada de registro fiel da jornada, comunicação clara com a equipe e cumprimento dos prazos de compensação.
Outra possibilidade é a jornada fracionada, que consiste em dividir a carga horária diária em dois ou mais períodos, com intervalos entre eles. Assim, é possível alocar recursos humanos apenas nos horários de pico, reduzindo custos e aumentando a capacidade de atendimento sem ampliar a jornada total. Além de otimizar a operação, esse formato proporciona mais flexibilidade para conciliar a vida profissional e pessoal dos colaboradores, fortalecendo o engajamento.
Ainda, o art. 58-A da CLT prevê a contratação em regime de tempo parcial, com jornada de até 30 horas semanais, sem possibilidade de horas extras, ou até 26 horas semanais, com até 6 horas extras. Essa modalidade é útil para cobrir períodos de maior movimento, como almoço e jantar, sem custos adicionais de sobrejornada. Além de reduzir despesas fixas, permite ampliar o quadro de funcionários de forma planejada e alinhada à legislação.
A adoção da escala 12x36, prevista no art. 59-A da CLT, possibilita 12 horas contínuas de trabalho seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso. Sua adoção depende de acordo individual escrito, convenção ou acordo coletivo, reforçando a importância de formalizar corretamente o ajuste, assegurando que atenda tanto às necessidades operacionais quanto às exigências legais.
Quando aplicadas de forma planejada, essas alternativas funcionam como instrumentos de flexibilidade operacional, permitindo que a empresa se adapte rapidamente às variações de demanda sem comprometer a rentabilidade, sendo certo que a escolha de cada medida deve considerar o contexto específico de cada empresa e ser previamente validada pelo departamento jurídico ou por advogado especializado, garantindo segurança jurídica e efetividade na implementação.
2. Regras complementares que impactam custos e passivos
O trabalho noturno urbano - realizado entre 22h e 5h - deve ser remunerado com adicional mínimo de 20% sobre a hora diurna, além da contagem diferenciada da hora de trabalho (reduzida para 52 minutos e 30 segundos), nos termos do art. 73 da CLT. Esses dois elementos são cumulativos e visam compensar o desgaste físico e social inerente à atividade noturna. Cumprir essa obrigação reforça a justiça remuneratória e ajuda a reduzir a rotatividade, especialmente entre profissionais experientes.
Outro ponto essencial é o respeito aos intervalos intrajornada (para refeição e descanso) e interjornada (entre jornadas). Essa observância reduz afastamentos por fadiga, melhora a qualidade do atendimento e aumenta a segurança no ambiente de trabalho.
3. Gestão planejada das horas extras
A realização de horas extras é comum no setor devido à imprevisibilidade da demanda. O art. 59, §1º, da CLT determina que o trabalho extraordinário deve ser remunerado com, no mínimo, 50% de acréscimo sobre a hora normal. No entanto, acordos ou convenções coletivas podem prever compensação de horas, evitando o pagamento do adicional. O planejamento prévio das horas extras é fundamental para controlar custos e manter uma relação de confiança com a equipe.
4. Ferramentas de controle e prevenção
Estabelecimentos com mais de 20 empregados devem manter controle de jornada, conforme art. 74, §2º, da CLT. Esse controle pode ser manual, mecânico ou eletrônico, desde que registre fielmente os horários praticados. Mais que exigência legal, trata-se de ferramenta estratégica para gestão e prevenção de litígios.
Um sistema de controle eficiente deve ser visto como investimento: além de servir como prova em eventuais ações, auxilia na gestão de escalas, evita horas extras desnecessárias e gera dados para decisões estratégicas. A ausência de controle ou o uso de registros "britânicos" pode levar à inversão do ônus da prova e ao reconhecimento judicial de jornadas alegadas pelos empregados.
Para garantir a efetividade, recomenda-se evitar registros artificiais, adotar tecnologias como marcação biométrica ou aplicativos com geolocalização e registrar corretamente os intervalos. Também é essencial capacitar gerentes e supervisores para a correta aplicação das normas e, sempre que possível, negociar instrumentos coletivos junto ao sindicato para ajustar escalas e compensações à realidade do negócio.
5. Conclusão estratégica
Em um setor marcado por jornadas atípicas, alta rotatividade e intensa demanda, a gestão eficiente da jornada de trabalho não é apenas uma exigência legal - é uma alavanca de competitividade e proteção do negócio. Negligenciar pontos como controle de ponto, escalas e compensações pode gerar passivos significativos e comprometer a saúde financeira da empresa.
Por outro lado, a adoção de boas práticas, a capacitação de lideranças e o alinhamento contratual fortalecem a sustentabilidade, reduzem litígios e promovem relações de trabalho mais equilibradas e transparentes. No cenário atual, em que a fiscalização se intensifica e a judicialização avança, administrar a jornada com precisão é garantir a solidez financeira e a reputação do empreendimento.
Nathalia Saib de Paula
Advogada no escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados. É pós-graduada em Direito Civil e em Direito Individual e Processual do Trabalho.



