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A nova consulta sui generis da Justiça Eleitoral

Como essa inovação busca aprimorar a transparência e a participação cidadã, além de facilitar o acesso à informação pelo eleitor, contribuindo para um processo eleitoral mais democrático e ágil.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Atualizado em 31 de outubro de 2025 16:43

1. Da função consultiva da Justiça Eleitoral

A função consultiva é uma das atribuições mais peculiares da Justiça Eleitoral e encontra amparo nos arts. 23, XII, e 30, VIII, do Código Eleitoral. Por meio dela, o TSE e os TREs se manifestam, sem caráter jurisdicional, sobre questões apresentadas em tese, isto é, de forma abstrata e impessoal.

1.1. Requisitos da consulta

a) Legitimidade ativa: Restrita à autoridade federal ou a órgão nacional de partido político, no caso do TSE, e à autoridade pública ou diretório estadual, no âmbito dos TREs;
b) Objeto: Não pode versar sobre caso concreto;
c) Momento: Não pode ser formulada após o início do processo eleitoral. O TSE já decidiu:

"Iniciado o processo eleitoral, não se conhece de consulta, porquanto seu objeto poderá ser apreciado pela Justiça Eleitoral, em caso concreto." (Ac. de 26.8.2014, CTA nº 0600320-60, rel. Min. Luciana Lóssio).

d) Efeito: Não tem caráter vinculante;
e) Competência: Promotores e juízes eleitorais não respondem consultas; estas são dirigidas ao TSE (art. 23, XII, CE) ou ao TRE (art. 30, VIII, CE).

2. Do RDE: Requerimento de Declaração de Elegibilidade

A LC 219, de 29/9/25, instituiu no direito brasileiro o RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade, acrescentando o § 16 ao art. 11 da lei 9.504/1997, in verbis:

"O pré-candidato que demonstrar dúvida razoável sobre a sua capacidade eleitoral passiva, ou o partido político a que estiver filiado, poderão dirigir à Justiça Eleitoral Requerimento de Declaração de Elegibilidade (RDE) a qualquer tempo, e a postulação poderá ser impugnada em cinco dias por qualquer partido político com órgão de direção em atividade na circunscrição."

O legislador criou uma modalidade inédita de provocação jurisdicional, uma consulta sui generis, distinta da consulta comum/tradicional.

3. Questões relevantes e problemáticas

A inovação legislativa suscita indagações doutrinárias e processuais:

  • A dúvida relevante pode abranger apenas hipóteses de elegibilidade ou também situações de inelegibilidade e registrabilidade?
  • Quem possui legitimidade ativa para propor o requerimento?
  • Qual deve ser a causa de pedir e o órgão competente?
  • Em qual momento o requerimento pode ser apresentado?
  • Quem pode impugnar e qual o prazo?
  • Qual o rito processual aplicável?
  • A decisão terá efeito vinculante ou meramente opinativo
  • O Ministério Público eleitoral opina na consulta sui generis?
  • Cabe recurso da consulta?

O presente estudo busca sistematizar essas questões à luz do direito eleitoral e constitucional vigente.

4. Capacidade eleitoral ativa e passiva

A capacidade eleitoral ativa (jus sufragii ou jus singuli) é o direito de votar, assegurado pelo art. 14 da Constituição Federal.

A capacidade eleitoral passiva (jus honorum) é o direito de ser votado, condicionado ao cumprimento das condições de elegibilidade, registrabilidade e à ausência de inelegibilidade.

Logo, a capacidade eleitoral passiva se estrutura em três requisitos:

a) Condições de elegibilidade;

b) Condições de registrabilidade;

c) Ausência de inelegibilidade.

5. Conceitos correlatos

  • Elegibilidade: Aptidão jurídica para ser candidato (art. 14, § 3º, CF);
  • Registrabilidade: Cumprimento das exigências documentais do art. 11, §1º, da lei 9.504/1997 e resoluções do TSE;
  • Inelegibilidade: Restrição jurídica que impede o exercício da capacidade eleitoral passiva (LC 64/1990 e CF).

Pensamos que embora a lei denomine o instrumento de RDE, o exame da capacidade eleitoral passiva pode envolver também dúvidas sobre registrabilidade e inelegibilidade. Assim, derivam outras duas variações:

a) RDR: Requerimento de Declaração de Registrabilidade, quando houver dúvida sobre a regularidade documental do pré-candidato.

b) RDAI: Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade, quando houver dúvida quanto à incidência de causas impeditivas.

6. Legitimidade ativa do RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade, RDE/RDR - Requerimento de Declaração de Registrabilidade, RDAI  - Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade:

Podem propor o requerimento o pré-candidato ou o partido político ao qual estiver filiado.

7. Causa de pedir do RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade, RDE/RDR - Requerimento de Declaração de Registrabilidade, RDAI - Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade

Deve haver dúvida razoável e objetivamente demonstrável sobre a capacidade eleitoral passiva do interessado.

8. Competência do RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade, RDE/RDR - Requerimento de Declaração de Registrabilidade, RDAI - Requerimento de Declaração de Ausência de Inelegibilidade

A competência é da Justiça Eleitoral do local em que o registro será futuramente requerido:

a) Eleições municipais: Juiz(a) eleitoral da zona correspondente;

b) Eleições estaduais e federais: TRE;

c) Eleições presidenciais: TSE.

9. Prazo e impugnação

  • Momento: O RDE/RDR/ RDAI pode ser apresentado a qualquer tempo, inclusive em ano eleitoral;
  • Impugnação: Qualquer partido político com órgão ativo na circunscrição poderá impugnar o requerimento no prazo de cinco dias, contados da publicação.

10. Rito processual sugerido para o RDE/RDR/RDAI

A lei é silente quanto ao procedimento. Por analogia e em respeito ao princípio do contraditório e da publicidade, propõe-se o seguinte rito:

a) Protocolo do requerimento;
b) Publicação do edital;
c) Manifestação do Ministério Público Eleitoral (art. 127, caput, CF);
d) Decisão judicial;
e) Publicação da decisão.

11. Natureza e efeito da decisão no RDE/RDR/RDAI

A decisão que acolher o RDE, RDR ou RDAI deve gerar certidão declaratória, que poderá ser anexada futuramente ao RRC - Requerimento de Registro de Candidatura. Entendo que, ao contrário da consulta comum, tal decisão possui efeito vinculante para o mesmo pleito e circunscrição, impedindo rediscussão da matéria já apreciada.

12. Recursos cabíveis no RDE/RDR/RDAI

Da decisão caberá recurso inominado, no prazo de três dias, conforme art. 265 do Código Eleitoral e art. 96, §8º, da lei 9.504/1997. São legitimados:

  • O pré-candidato sucumbente;
  • Partidos políticos da circunscrição;
  • O Ministério Público Eleitoral.

O recurso permite reexame amplo de fato e de direito pela instância superior.

13. Síntese da diferença entre a consulta comum e a nova consulta sui generis

Elemento

Consulta comum

Consulta sui generis (RDE/RDR/RDAI)

Legitimidade

Autoridades e órgãos partidários nacionais/estaduais

Pré-candidato ou partido político

Objeto

Questão abstrata e impessoal

Caso concreto (capacidade eleitoral passiva)

Momento

Antes do período eleitoral

A qualquer tempo

Efeito

Não vinculante

Vinculante para o pleito específico

Competência

TSE/TRE

Juiz eleitoral, TRE ou TSE, conforme o cargo.

14. Conclusão:

O RDE, o RDE/RDR e o RDAI, inauguram um novo paradigma na Justiça Eleitoral, funcionando como uma consulta qualificada e vinculante voltada à prevenção de litígios sobre capacidade eleitoral passiva.

É uma inovação que, embora ainda demande consolidação doutrinária e jurisprudencial, reforça a segurança jurídica e a previsibilidade no processo eleitoral brasileiro.

Francisco Dirceu Barros

Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco. Mestre em Direito. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Professor na pós-graduação de Prevenção e Segurança Pública.

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