MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. STJ equilibra o direito real de habitação: entre a dignidade humana e a função social

STJ equilibra o direito real de habitação: entre a dignidade humana e a função social

O STJ reconhece que o direito real de habitação deve proteger quem é vulnerável, mas pode ser limitado quando perde sua função social, equilibrando dignidade e Justiça sucessória.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Atualizado às 10:40

O STJ vem consolidando uma leitura cada vez mais constitucional do direito real de habitação, previsto no art. 1.831 do CC.

Nas decisões recentes dos REsp 2.212.991/AL e REsp 2.151.939/RJ, ambos relatados pela ministra Nancy Andrighi, a Corte demonstrou dois movimentos complementares: um de expansão humanitária e outro de limitação funcional do instituto.

1. A expansão humanitária: Moradia como direito existencial

No julgamento do REsp 2.212.991/AL, o STJ ampliou o alcance do direito de habitação, reconhecendo sua aplicação a herdeiros em situação de vulnerabilidade - como pessoas com deficiência, idosos ou dependentes econômicos do falecido.

A relatora Nancy Andrighi destacou que o direito de moradia tem função social e humanitária, devendo ser compreendido como instrumento de inclusão e dignidade, e não como simples privilégio sucessório.

Ao interpretar o art. 1.831 à luz dos valores constitucionais, a Corte reforçou que a moradia é elemento essencial da existência digna, e que a proteção jurídica deve alcançar quem efetivamente dela necessita, ainda que não seja cônjuge sobrevivente.

Esse entendimento marca uma virada de chave no Direito Civil contemporâneo: o patrimônio deixa de ser visto apenas sob a ótica da herança e passa a servir à proteção da vida e da vulnerabilidade.

2. A limitação funcional: Quando o direito deixa de proteger

Por outro lado, no REsp 2.151.939/RJ, também relatado pela ministra Nancy Andrighi, o STJ reconheceu que o direito de habitação não é absoluto.

Ele pode - e deve - ser relativizado quando sua manutenção representar distorção da finalidade social da propriedade.

No caso, o cônjuge sobrevivente possuía condição financeira estável e outros imóveis disponíveis, enquanto o bem em questão era o único patrimônio partilhável entre os herdeiros.

Permitir o uso vitalício do imóvel, portanto, bloquearia a partilha e prejudicaria o equilíbrio sucessório.

A ministra ressaltou que "a função social da propriedade impõe que o direito de habitação cumpra sua finalidade de proteção, não de perpetuação de privilégios patrimoniais".

Assim, o STJ estabeleceu um critério de proporcionalidade: o direito subsiste enquanto cumprir sua função protetiva, cessando quando se transformar em obstáculo à justiça distributiva entre os herdeiros.

3. O ponto de equilíbrio: Dignidade e função social em harmonia

A leitura conjunta dos dois julgados revela uma complementaridade de princípios. O STJ não retrocede nem avança de forma aleatória - aprimora o equilíbrio entre o direito individual e o interesse coletivo.

  • No REsp 2.212.991/AL, a Corte humaniza o direito de habitação, ampliando-o para quem depende dele para viver com dignidade;
  • No REsp 2.151.939/RJ, o Tribunal racionaliza sua aplicação, coibindo o uso indevido do instituto por quem já possui condições de moradia.

Ambos os precedentes reafirmam a diretriz do Direito Civil constitucionalizado: a propriedade e a herança não podem ser analisadas isoladamente, mas subordinadas à função social e à solidariedade familiar.

4. Conclusão

As recentes decisões do STJ representam um amadurecimento da jurisprudência sobre o direito real de habitação.

Mais do que definir quem pode morar no imóvel, o Tribunal traça critérios de justiça e razoabilidade:

  • Proteger quem é vulnerável, garantindo dignidade e moradia;
  • Limitar o direito quando ele deixa de cumprir sua função social e gera desequilíbrio sucessório.

Em síntese, o STJ coloca o direito de habitação no eixo da Constituição, transformando-o em um instrumento de equidade: nem privilégio, nem formalidade - mas proteção humanitária com responsabilidade patrimonial.

Alessandro Junqueira de Souza Peixoto

VIP Alessandro Junqueira de Souza Peixoto

Advogado Especialista em Direito Imobiliário, Família e Sucessões, com 7 anos de experiência jurídica! Graduado pela PUC-GO. Pós-Graduado em Direito Imobiliário, Empresarial e Tributário Empresarial.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca