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CONAR atualiza as regras de combate ao Greenwashing

A atualização do Código ético do CONAR reforça seu papel em tornar a publicidade mais ética e transparente, ampliando regras sobre alegações ambientais e cobrando coerência entre discurso e prática.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Atualizado às 09:37

Em 2023, publiquei o artigo "Greenwashing" e a autorregulamentação publicitária"1, no qual analisei o papel do CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária na construção de um ambiente ético para a comunicação das empresas em temas de sustentabilidade. À época, destaquei o então Anexo "U" do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que representou um importante marco na consolidação de critérios técnicos e éticos sobre alegações ambientais e apelos de sustentabilidade.

Dois anos depois e as vésperas da COP30, que será realizada no Brasil, o tema ganha novo fôlego: o CONAR atualizou novamente o seu Código, com regras mais rígidas e detalhadas para combater o "greenwashing" - prática de comunicação enganosa ou exagerada sobre supostos compromissos ambientais. As novas disposições, aprovadas em 24/10/25 e em vigor desde novembro, modernizam o tratamento da publicidade temática no Brasil e ampliam a proteção ao consumidor e à prática de concorrência desleal.

O contexto da revisão do Código de Autorregulamentação publicitária (reforço à transparência e à veracidade).

A crescente valorização de práticas empresariais sustentáveis pelos consumidores tem impulsionado um movimento global de revisão das normas éticas aplicáveis à publicidade. No Brasil, o CONAR vem se destacando por sua postura proativa na atualização do seu Código, acompanhando tendências internacionais e alinhando-se às diretrizes de organismos como a WFA - World Federation of Advertisers e a ABA - Associação Brasileira de Anunciantes, que em conjunto editaram o "Guia Global sobre Claims de Sustentabilidade em Marketing e Comunicação"2.

No cenário internacional, diversas autoridades concorrenciais e de defesa do consumidor (como a Comissão Europeia e a Federal Trade Commission dos EUA) também vêm apertando o cerco contra alegações ambientais vagas, desprovidas de comprovação técnica ou que gerem percepção enganosa sobre o impacto real de produtos e marcas.

A principal alteração do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária envolveu a revisão do art. 36 e de seu respectivo Anexo "U" - Apelos de Sustentabilidade/Responsabilidade Socioambiental. As modificações foram elaboradas por um grupo de trabalho com representantes das entidades fundadoras do Conselho e participantes do Conar, do Pacto Global da ONU - Rede Brasil e especialistas da área, tendo também como base o Código de Publicidade da ICC - Câmara Internacional de Comércio.

O art. 36 passou a incorporar referências diretas a temas como biodiversidade, mudanças climáticas e destinação de resíduos, ampliando a abrangência ética das comunicações ambientais. Além disso, foram criados dois dispositivos complementares:

a) Art. 36-A - Incentiva o uso de atributos socioambientais positivos na publicidade, desde que pautados em informações verificáveis e respeitando os princípios do Código Ético e da legislação3.

b) Art. 36-B - Estabelece os princípios gerais para publicidade com afirmações socioambientais, impondo rigor técnico na utilização de termos científicos, evitando generalizações e declarações vagas.

Essas inovações consolidam o entendimento de que a comunicação verde deve ser precisa, mensurável e verificável, reforçando a responsabilidade do anunciante pela integridade das informações veiculadas.

O Anexo "U" foi integralmente revisado, ganhando um preâmbulo explicativo e novas definições operacionais. O objetivo central foi fortalecer a clareza, rastreabilidade e coerência das alegações ambientais. Entre as principais mudanças:

  • e comprovação: passou a ser obrigatória a existência de documentação técnica ou certificações reconhecidas que embasem qualquer claim ambiental.
  • a termos genéricos: só poderão ser utilizadas com especificação do alcance e dos limites da alegação.
  • em metas e compromissos: anúncios que mencionem metas ambientais deverão informar prazos, planos e fontes verificáveis, permitindo que o consumidor acompanhe a evolução dos compromissos.
  • sobre mudanças climáticas e resíduos: novas seções específicas tratam de emissões, compensações de carbono e gestão de resíduos (reciclável, compostável, degradável), exigindo a indicação do ciclo de vida ou sistema correspondente.
  • com a atividade empresarial: reforço ao princípio da pertinência, garantindo que a mensagem ambiental tenha relação lógica com o setor de atuação da empresa e com seus produtos ou serviços.

Essas atualizações tornam o Anexo "U" uma referência nacional de boas práticas, em harmonia com os parâmetros internacionais de combate ao "greenwashing".

As novas diretrizes têm reflexos diretos no comportamento dos anunciantes e das agências de criação, que deverão reforçar o cuidado nas campanhas, adotando dados verificáveis e disponíveis para a defesa sobre qualquer representação. Além disso, as alterações parecem indicar um maior rigor probatório do Conselho, o que tende a reduzir o espaço para discursos genéricos de sustentabilidade sem base técnica.

A afirmação falsa poderia ser caracterizada como prática de concorrência desleal?

É certo que este tipo de conduta pode lesar o consumidor mais desavisado, além de impactar na imagem/reputação da empresa infratora, mas, é possível irmos mais além e caracterizarmos o comportamento como prática de concorrência desleal, extrapolando assim a discussão ética, através da autorregulamentação publicitária?

A concorrência desleal está prevista em capítulo específico na lei 9.279/96, que dispõe sobre propriedade industrial no Brasil. O art. 195 traz diversas possibilidades de práticas que podem caracterizar a concorrência desleal. Para o que aqui debatemos, nos interessa o que dispõe o inciso I:

"Comete crime de concorrência desleal aquele que publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem".

Para que o ilícito se caracterize, é necessário que aquela determinada afirmação seja realmente falsa e, não apenas isso, que prejudique o concorrente e garanta uma vantagem para o autor da comunicação.

Há um imponderável de cunho técnico que deve ser levado em consideração, nesta análise, como por exemplo, uma indústria que afirma para o mercado que é "carbono neutro"4, o que neste caso ocorre sob duas formas principais:

  1. redução direta de emissões - como usar energia renovável, melhorar a eficiência energética ou alterar processos industriais; ou
  2. compensação de emissões - por meio de investimentos em projetos ambientais, como reflorestamento, preservação de florestas ou tecnologias de captura de carbono;

Algumas indústrias, de fato, investem razoavelmente para que consigam atingir este objetivo e merecem comunicar o feito, mas, certamente outras fazem comunicação semelhante, sem que tenham experimentado o mesmo grau de investimento ou, em determinados casos, simplesmente apenas comunicam, sem que tenham dado qualquer passo na direção da verdade.

Neste caso hipotético, parece possível afirmar que a indústria que comunicou falsamente, não cometeu apenas infração ética (que já seria penalizada pelas regras do CONAR) mas foi além e prejudicou seu concorrente, que investiu e se viu prejudicado em ver o retorno daquele investimento, num mesmo espaço territorial e concorrencial.

Nota-se que as normas de concorrência desleal, embora previstas como prática de crime, podem reverter ao prejudicado uma indenização, que será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido, segundo o que dispõe o art. 207 da mesma lei 9.279/96.

As regras de autorregulação publicitária funcionam muito bem no Brasil e ajudam a diminuir a pressão dos inúmeros casos que são levados ao assoberbado Poder Judiciário, diariamente, no entanto, cabe ao lesado decidir se a infração concorrencial será tratada apenas no campo ético ou com maior rigor, envolvendo a discussão sobre eventual indenização.

Conclusão

A recente atualização do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária reforça o protagonismo do CONAR na consolidação de um ambiente comunicacional mais ético, técnico e transparente, em especial quando se trata de alegações socioambientais. Ao ampliar o escopo do art. 36 e revisar integralmente o Anexo "U", o Conselho não apenas moderniza os parâmetros de veracidade e comprovação de claims ambientais, mas também sinaliza um avanço na responsabilização dos agentes de mercado quanto à coerência entre discurso e prática sustentável.

Todavia, o combate ao "greenwashing" não se limita ao campo da ética publicitária. Em determinados contextos, como quando há afirmação comprovadamente falsa capaz de gerar vantagem concorrencial indevida, a conduta pode extrapolar o âmbito da autorregulamentação e configurar prática de concorrência desleal, conforme o art. 195, inciso I, da lei 9.279/1996. Nesses casos, o prejuízo não é apenas ao consumidor, mas também ao mercado como um todo, que passa a operar sob assimetria de informações e desvalorização dos investimentos legítimos em sustentabilidade.

A convergência entre autorregulação e normas concorrenciais evidencia uma nova etapa de maturidade institucional, em que ética, transparência e responsabilidade se tornam elementos centrais da comunicação empresarial. O desafio, daqui para frente, será transformar o rigor normativo em efetiva mudança cultural - garantindo que a publicidade verde deixe de ser mero recurso estético e se converta em expressão autêntica do compromisso empresarial com o desenvolvimento sustentável.

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1 https://www.migalhas.com.br/depeso/385294/greenwashing-e-a-auto-regulamentacao-publicitaria

2 https://twosides.org.br/wp-content/uploads/sites/15/2023/02/Guia-Global-sobre-Claims-de-Sustentabilidade-em-Marketing-e-Comunicacao-impressao-ok.pdf

3 Em especial, o artigo 6º, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, que assegura o direito à informação adequada e clara, e com o artigo 37, §1º, que veda publicidade enganosa ou abusiva.

4 Carbono neutro refere-se ao equilíbrio entre a quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida por uma atividade, produto ou organização e a quantidade que é compensada ou removida da atmosfera, assim, ser carbono neutro significa que todas as emissões de carbono geradas são contrabalançadas por ações que removem ou evitam a emissão de CO2 na mesma proporção, resultando em impacto líquido zero sobre o clima.

Luiz Ricardo Marinello

VIP Luiz Ricardo Marinello

Mestre em Direito pela PUC/SP, coordenador da Comissão de Estudos de Bioeconomia e Sustentabilidade da ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) e sócio de Marinello Advogados.

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