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Análise jurídica: da possibilidade do condomínio edilício adquirir bem imóvel

Condomínio edilício pode comprar imóveis? O artigo desvenda a capacidade patrimonial funcional, requisitos legais e a virada do TJ/SP que viabiliza aquisições em favor do interesse comum.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Atualizado às 09:26

I. Introdução

O presente estudo versa sobre a possibilidade jurídica do Condomínio Edilício adquirir bens imóveis em seu nome, em que pese não faça parte do rol de pessoas jurídicas de direito privado previsto no art. 44 do Código Civil, o que, em tese, não lhe garantiria personalidade jurídica para adquirir bens.

Em breve síntese, a controvérsia decorre da natureza despersonalizada do condomínio edilício e da leitura tradicional que vedava a titularidade de bens em seu nome; contudo, a prática e o sistema revelam-lhe personalidade funcional: o condomínio pode estar em juízo (art. 75, XI, CPC), arrecadar e gerir recursos (arts. 1.348 e seguintes do CC) e, em hipóteses específicas, adquirir imóveis - por exemplo, para satisfação de crédito condominial em hasta pública (art. 63, § 3º, lei 4.591/64).

A partir desses vetores normativos e da orientação jurisprudencial mais recente, admite-se a aquisição de bens imóveis pelo condomínio edilício desde que cumprido determinados requisitos.

Assim, a questão central que se coloca é saber em que medida o condomínio edilício, embora destituído de personalidade jurídica plena, pode exercer capacidade patrimonial funcional, especialmente para a aquisição de bens imóveis destinados ao uso comum ou à complementação de sua estrutura.

A resposta exige análise do entendimento jurisprudencial consolidado pelo Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), o qual, em recentes decisões, reconheceu a viabilidade jurídica da aquisição desde que o ato atenda à finalidade coletiva, ao interesse dos condôminos e às formalidades legais e registrais pertinentes. Nesse contexto, passa-se ao exame da orientação jurisprudencial atual e dos requisitos que legitimam tal prática.

I. Da possibilidade de condomínio edilício de adquirir bens imóveis segundo o atualmente entendimento do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Durante um longo período, predominou o entendimento de que o condomínio edilício, apesar de ser uma organização coletiva de condôminos com objetivos e interesses comuns, não possuía personalidade jurídica própria, o que, por conseguinte, lhe impediria de realizar a aquisição de bens imóveis. A interpretação jurídica tradicional sustentava que o condomínio não podia ser considerado sujeito de direitos como uma pessoa jurídica, pois ele não se encaixava nas figuras jurídicas de associações ou sociedades previstas no Código Civil.

No entanto, com o tempo e a evolução da jurisprudência, especialmente no TJ/SP, esse entendimento foi sendo gradualmente ajustado. Em decisões mais recentes, o Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP reconheceu que, embora o condomínio edilício não tenha personalidade jurídica plena, há situações excepcionais nas quais ele pode adquirir bens imóveis, desde que respeitados certos requisitos e observadas as finalidades legais e específicas dessa aquisição.

Um dos marcos dessa evolução foi a consolidação do entendimento de que, em determinadas circunstâncias, o condomínio edilício pode adquirir bens imóveis, desde que o negócio jurídico se relacione com a atividade-fim do condomínio e se tenha o benefício coletivo de todos os condôminos.

A jurisprudência, especificamente, passou a aceitar a aquisição de bens, como imóveis, em situações excepcionais previstas no art. 63, § 3º da lei 4.591/64. Isso ocorre, por exemplo, no caso da inadimplência de condôminos, onde o condomínio tem o direito de adquirir unidades autônomas em hasta pública para garantir o cumprimento das obrigações financeiras dos condôminos faltosos.

Outro ponto relevante que passou a ser amplamente reconhecido pela jurisprudência é a possibilidade de o condomínio adquirir imóveis para ampliação de áreas essenciais à sua operação, como o aumento de vagas de estacionamento ou a expansão de áreas de lazer, sempre com a aprovação unânime dos condôminos presentes em assembleia. O foco principal da jurisprudência é garantir que a aquisição do imóvel seja realmente benéfica ao conjunto de condôminos, visando ao interesse coletivo e atendendo à necessidade do próprio condomínio.

Ementa - Registro de imóveis. Escritura pública de venda e compra. Aquisição de bens imóveis para ampliação das vagas de estacionamento. Negócio jurídico relacionado à atividade-fim do condomínio. Aprovação unânime dos condôminos presentes em assembleia. Proveito coletivo evidenciado. Risco de sanção administrativa. Inconveniente prático da exigência de consentimento de todos os condôminos. Instrumentalidade registral. Ausência de personalidade jurídica que não constitui óbice, in concreto, ao registro. Pertinência do assento pretendido. Dúvida improcedente. Recurso provido. (TJ/SP - Apelação 0019910-77.2012.8.26.0071).

Em consonância com essa nova orientação, o condomínio edilício pode, sim, adquirir bens imóveis, desde que o procedimento siga os requisitos estabelecidos, como:

  • Aprovação unânime em assembleia de todos os condôminos presentes;
  • Benefício direto para todos os condôminos, como no caso de ampliação de áreas comuns; e
  • Relacionamento da aquisição com a atividade-fim do condomínio, como o aumento da área de garagem ou a construção de novas instalações essenciais à funcionalidade do empreendimento.

O atual entendimento sobre a matéria demonstra que o Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP tem flexibilizado a aplicação das normas a partir da necessidade de adaptabilidade dos cartórios às realidades práticas e necessidades contemporâneas dos condomínios edilícios.

Vale destacar que a flexibilidade na interpretação das normas visa garantir a continuidade das operações do condomínio e assegurar o cumprimento das necessidades coletivas, como a criação de novas vagas de estacionamento, que são essenciais para o bom funcionamento do condomínio e para a manutenção do patrimônio coletivo.

II. Da conclusão

Diante da evolução jurisprudencial e da interpretação atual do Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP, é juridicamente possível que o Condomínio Edilício Fernandes Otero III adquira bens imóveis, desde que observados requisitos específicos:

  • Aprovação unânime dos condôminos em assembleia;
  • Comprovação de benefício direto e coletivo, como ampliação de áreas comuns (ex.: estacionamento);
  • Vinculação da aquisição à atividade-fim do condomínio, conforme previsto no art. 63, § 3º da lei 4.591/64.

Portanto, é viável juridicamente formalizar transferência de propriedade em favor de condomínio edilício (seja por compra e venda, doação e etc), desde que cumpridos os requisitos legais e assembleares, garantindo segurança jurídica e benefício coletivo aos condôminos.

Thyago Garcia

VIP Thyago Garcia

Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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