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O preço da longevidade: A exclusão dos idosos dos planos de saúde

Este artigo traz à tona debates sobre a proteção do consumidor idoso no âmbito dos contratos de planos de saúde.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Atualizado às 09:39

1. Introdução

O envelhecimento populacional brasileiro traz à tona debates sobre a proteção do consumidor idoso no âmbito dos contratos de planos de saúde. Entre os principais conflitos está o reajuste por faixa etária, que frequentemente eleva de forma significativa as mensalidades após o beneficiário completar 60 anos, tornando a manutenção do plano inviável.

A controvérsia gira em torno da compatibilidade entre os critérios atuariais legítimos e a vedação à discriminação por idade estabelecida no art. 15, §3º, do Estatuto do Idoso (lei 10.741/03). A questão ganha contornos constitucionais ao envolver os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da função social do contrato, contrapostos à liberdade contratual e ao equilíbrio econômico-financeiro do sistema de saúde suplementar.

2. Fundamento legal do reajuste por faixa etária

A lei 9.656/1998, que regula os planos de saúde, admite reajustes por faixa etária desde que:

  • Estejam previstos expressamente no contrato;
  • Obedeçam às normas da ANS; e
  • Respeitem critérios de razoabilidade e equilíbrio atuarial.

A RN 63/03 da ANS fixou dez faixas etárias, sendo a última a partir dos 59 anos. Isso significa que nenhum reajuste adicional pode ser aplicado após essa idade, justamente para evitar a discriminação de idosos.

Assim, qualquer aumento aplicado após os 60 anos viola:

  • O art. 15, §3º, do Estatuto do Idoso, que proíbe a discriminação de preços em razão da idade;
  • O art. 51, IV, do CDC, que considera nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; e
  • O art. 6º, IV, do CDC, que assegura a proteção contra práticas abusivas.

3. Entendimento jurisprudencial

O STJ consolidou sua posição no Tema repetitivo 952, segundo o qual:

"É válida a cláusula de reajuste por faixa etária nos planos de saúde, desde que observados os seguintes requisitos: (i) previsão contratual clara; (ii) observância das normas da ANS; e (iii) ausência de percentuais desarrazoados ou discriminatórios."

No entanto, o STJ tem reiteradamente considerado abusivo o reajuste que onere excessivamente o idoso ou impeça a continuidade do contrato.

Exemplo:

REsp 1.568.244/RJ (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, j. 10/8/16) - o Tribunal reconheceu que reajustes muito elevados configuram prática abusiva, especialmente quando aplicados na última faixa etária.

O STF, por sua vez, ao julgar o Tema 1.016 da repercussão geral (RE 630.852/RS, j. 8/23), confirmou a constitucionalidade do reajuste por faixa etária, mas ressaltou que a aplicação concreta deve ser controlada pelo Judiciário para evitar discriminações e abusos.

Portanto, o entendimento atual é de que:

  • O reajuste é possível, mas não pode inviabilizar o acesso ao plano;
  • A última faixa deve ser a partir dos 59 anos - vedado novo aumento aos 60;
  • E o percentual deve ser atuarialmente justificado e proporcional.

4. Da exclusão indireta da pessoa idosa

O aumento pela faixa etária, maquiado com uma legalidade aparente, torna, na grande maioria das vezes, o plano financeiramente insustentável, comprometendo a renda do idoso e colocando em risco a continuidade de sua cobertura assistencial. 

Embora tal majoração encontre respaldo formal na RN 63/03 da ANS, sua aplicação prática revela-se abusiva e desarrazoada na grande maioria das vezes, pois impõe aumento excessivo e desproporcional em relação às demais faixas etárias, sem qualquer justificativo atuarial transparente que demonstre a real necessidade do percentual aplicado.

Na prática, tal medida revela uma tentativa de antecipar um aumento desarrazoado - quando o consumidor faz 59 anos, o índice de reajuste é elevadíssimo - impondo ao consumidor um ônus financeiro insustentável justamente no momento da vida em que mais depende da assistência à saúde.

Este aumento atinge principalmente a pessoa idosa que se encontra em situação de extrema vulnerabilidade, tanto econômica quanto fisicamente. A idade avançada impõe cuidados médicos constantes e dependência direta de serviços de saúde, tornando o plano instrumento vital para a preservação de sua vida, dignidade e integridade física.

A majoração imposta, muitas vezes de maneira desarrazoada, não apenas desrespeita a boa-fé contratual, mas representa um ataque direto ao direito fundamental à saúde, sobretudo diante da hipervulnerabilidade do consumidor idoso. 

O reajuste abusivo não é mera questão financeira: trata-se de uma exclusão indireta, que expõe o idoso vulnerável a risco grave, negando-lhe o acesso a cuidados essenciais e contrariando expressamente as proteções asseguradas pelo Estatuto do Idoso (lei 10.741/03), que veda qualquer forma de discriminação por idade.

Impor ao idoso a dolorosa escolha entre arcar com um custo impagável ou abrir mão de sua assistência à saúde constitui afronta direta ao princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de situação angustiante, que gera sofrimento físico e emocional, vulnerabilizando ainda mais aquele que, pela própria idade, já se encontra em condição de fragilidade e dependência.

5. Abusividade e critérios de controle judicial

A verificação da abusividade é casuística, mas o Judiciário utiliza critérios como:

  1. Comparação percentual entre faixas etárias;
  2. Prova atuarial apresentada pela operadora;
  3. Impacto econômico no valor final da mensalidade; e
  4. Compatibilidade com a renda média do consumidor idoso.

Nos casos em que o reajuste ultrapassa 50% ou mais do valor anterior, sem justificativa técnica, os tribunais têm determinado:

  • A anulação do aumento;
  • A restituição dos valores pagos a maior; e
  • A manutenção do contrato sem o reajuste abusivo.

Exemplo: TJ/SP, apelação cível 1023458-27.2019.8.26.0100 - reconheceu abusividade de reajuste de 70% aos 61 anos e determinou restituição simples das diferenças.

6. Considerações finais

O reajuste por faixa etária é instrumento legítimo de sustentabilidade dos planos de saúde, mas encontra limites intransponíveis na proteção do idoso e na função social do contrato.

A elevação excessiva das mensalidades após os 60 anos contraria o ordenamento jurídico, fere o Estatuto do Idoso e viola o princípio da dignidade da pessoa humana.

Cabe ao Poder Judiciário exercer controle rigoroso sobre a proporcionalidade dos aumentos, assegurando o equilíbrio entre a liberdade econômica das operadoras e o Direito fundamental à saúde e à continuidade da cobertura assistencial.

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BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

STJ. Recurso Especial nº 1.568.244/RJ. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. 2ª Seção. Julgado em 10 ago. 2016.

STF. Recurso Extraordinário nº 630.852/RS. Tema 1.016 da Repercussão Geral. Julgado em 23 ago. 2023.

ANS. Resolução Normativa nº 63, de 22 de dezembro de 2003.

Tacito Alexandre de Carvalho e Silva

VIP Tacito Alexandre de Carvalho e Silva

Advogado. Pós graduado em Processo Civil. Pós graduado em Direito Médico pelo instituto Albert Einstein. Professor de Processo Civil (Faculdade São Paulo). Procurador M 2009/2016. Vereador 2021/2024.

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