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Rejeição de contas e eleições: O que pode impedir uma candidatura?

Ficha limpa: Entenda a inelegibilidade por contas rejeitadas.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Atualizado às 13:50

Entra eleição, sai eleição e um tema continua tomando conta da pauta da Justiça Eleitoral quando o assunto é registro de candidatura: a inelegibilidade por contas rejeitadas.

A nomenclatura faz referência ao dispositivo alínea g inciso I do art. 1º da LC 64/90, que tem origem na redação dada pela LC 135/10, nominada de lei da ficha limpa.

O dispositivo prevê - na literalidade - que são inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da CF/88, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Contudo, a verificação sobre a existência de inelegibilidade nesta hipótese, de contas rejeitadas, passa por etapas e camadas.

Primeiro é preciso saber se são contas de governo ou de gestão. Segundo, saber quem figura como ordenador da despesa objeto da prestação de contas. Terceiro, saber se estão presentes todas as condições exigidas pelo art. 1º, I, g da LC 64/90. Quarto, saber há necessidade de submissão destas contas prestadas ao Poder Legislativo. Quinto, saber se já houve transcurso do prazo de inelegibilidade consequente da decisão de rejeição.

Da redação do art. 1º, I, g da LC 64/90, observamos uma sequência de condicionantes cumulativas necessárias para que haja tal inelegibilidade por contas rejeitadas.

Dividindo em partes o dispositivo, constatamos que a inelegibilidade está condicionada à coexistência das seguintes questões:

  • de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas;
  • insanável;
  • de ato doloso de improbidade administrativa;
  • irrecorrível do órgão competente;
  • máximo de 08 (oito) contados da decisão irrecorrível.

O artigo também prevê a não incidência desta modalidade de inelegibilidade se a decisão de rejeição das contas houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

A inelegibilidade persistirá até as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão de rejeição das contas. Cabe, neste ponto, observar que a decisão de reprovação das contas prestadas deve estar consolidada e sem recurso administrativo com efeito suspensivo pendente de julgamento.

No âmbito de nossos tribunais de contas, tomando-se por base o regimento interno do Tribunal de Contas da União, como regra, temos os seguintes recursos:

  1. Recurso de reconsideração;
  2. Pedido de reexame;
  3. Embargos de declaração;
  4. Recurso de revisão;
  5. Agravo.

Deste rol de recursos, há previsão de efeito suspensivo automático, com a interposição, somente para o recurso de reconsideração, que é cabível contra a decisão definitiva em processo de prestação ou tomada de contas, inclusive especial, para apreciação do colegiado que houver proferido a decisão recorrida, podendo ser formulado uma só vez e por escrito, pela parte ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de quinze dias.

Os demais recursos regimentalmente previstos nos Tribunais de Contas não possuem efeito suspensivo inerente. Contudo, não se descarta a possibilidade de concessão excepcional quando presentes razões para tanto, como no caso de nulidades graves e constatáveis de plano que violem o devido processo legal, que é regra absoluta e direito fundamental. Como exemplo, podemos mencionar os casos em que houver nulidade de citação da parte interessada, nulidade na intimação da parte ou de seu advogado da pauta de julgamento processo de prestação ou tomada de contas e a nulidade na intimação do acórdão que julgou as contas prestadas ou tomadas.

Outra particularidade a ser analisada nesta modalidade de inelegibilidade, diz respeito à competência e aos efeitos do julgamento das prestações de contas e tomadas de contas.

Em nosso sistema de gestão pública temos prestações de contas de governo, de gestão e de convênios.

As prestações de contas de governo são as dos chefes do Poder Executivo relacionadas à comprovação da aplicação dos índices constitucionais de saúde, educação, previdência, repasses do legislativo e limite de gasto com pessoal imposto pela lei de responsabilidade fiscal.

As contas de gestão, são prestadas por todos que ordenem despesas na Administração Pública, tais como pagamento de folha de pessoal, de contratos de aquisições, fornecimentos de bens e serviços e contratos de execução de obra.

Finalmente, as prestações de contas de convênios se referem às transferências extraordinárias de recursos repassados de um ente para outro através de convênios, visando uma finalidade pontual e específica. Se destinam a comprovar a correta aplicação dos valores repassados e o cumprimento da finalidade do objeto. Como exemplo, convênios entre Estados e municípios para construção de escolas e hospitais.

Nas prestações de contas de governo, as decisões dos tribunais de contas terão natureza de parecer, com recomendação ao Legislativo de aprovação ou de rejeição das contas prestadas. Estes pareceres são remetidos ao Poder Legislativo competente que instaurará processo administrativo, assegurando a ciência e manifestação pelos interessados e, ao final, levará ao plenário a deliberação sobre o acolhimento ou rejeição do parecer do respectivo tribunal de contas. Os pareceres emitidos pelos tribunais de contas, nestas hipóteses, somente podem ser rejeitados por decisão de 2/3 do Legislativo.

A inelegibilidade dos gestores do Poder Executivo, por contas de governo, somente incidirá após deliberação do Poder Legislativo, que decidirá pela manutenção ou rejeição do parecer do tribunal de contas que atuou no controle e análise das contas. Portanto, não incide a inelegibilidade da alínea g apenas com a emissão de parecer de tribunal de contas sobre contas de governo.

A alínea g estabelece, ainda, a atuação e competência dos tribunais de contas - como disposto no inciso II do art. 71 da CF/88 - no controle das contas de todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição. Assim, nas contas de ordenadores de despesas, nominadas de contas de gestão, a deliberação do respectivo tribunal de contas terá natureza de decisão e não dependerá de submissão ao Poder Legislativo.

Outro ponto que tem gerado debate, diz respeito ao trecho da alínea g que dispõe que a inelegibilidade existirá quando a decisão de rejeição das contas prestadas ocorra por "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa".

Afinal, como avaliar um ato doloso de improbidade administrativa no âmbito de um processo de registro de candidatura na Justiça Eleitoral, que não tem competência para julgar e rever decisões sobre improbidade administrativa da Justiça Comum ou dos tribunais de contas?

É certo que a Justiça Eleitoral não revisará decisões de tribunais de contas e, muito menos, as da justiça comum definindo a existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa nas contas julgadas e desaprovadas que impliquem na inelegibilidade discutida em sede de registro de candidatura. Todavia, em casos absolutamente claros em que a situação fática consolidada por si configure ato improbo, pode a justiça eleitoral indeferir o registro de candidatura pretendido.

Como exemplo, citamos julgados do TSE com casos de improbidade administrativa patente:

Conforme jurisprudência desta Corte Superior, configura ato doloso de improbidade administrativa a conduta de gestor público consistente na omissão de prestar contas referentes a convênio cujo objeto não foi executado, ensejando a rejeição das contas pelo órgão competente e a imputação de débito ao agente público.

(TSE - AgR 060016468 ITAIÇABA - CE. Relator(a): Ministro André Mendonça. Julgamento: 7/11/24. Publicação: 7/11/24)

Outros exemplos:

7. A inércia do gestor em reduzir o déficit público, apesar da emissão de alertas da Corte de Contas, evidencia o descumprimento deliberado de suas obrigações legais, consubstanciando ato doloso específico.

8. Conforme a jurisprudência deste Tribunal Superior, a ocorrência de déficit de execução financeira e orçamentária é irregularidade insanável apto a configurar ato de improbidade administrativa. Precedentes.9. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE - Agravo Regimental no Recurso Ordinário Eleitoral nº060032968, Acórdão, Relator(a) Min. Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 25/04/2023.)

6. Configura ato doloso de improbidade administrativa previsto no art. 10 da Lei n. 8.429/1992, com as alterações conferidas pela Lei n. 14.230/2021, a deliberada omissão do dever de recolher contribuições previdenciárias ao INSS. 7. Preenchidos os requisitos para a incidência da alínea g, impõe-se o indeferimento do registro de candidatura pelo período de duração da inelegibilidade. 8. Recurso eleitoral a que se nega provimento.

(TSE - Recurso Ordinário Eleitoral nº060093654, Acórdão, Relator(a) Min. Cármen Lúcia, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 27/02/2023.)

Tem sido cada vez mais frequente a delegação integral de ordenação de despesas por parte de prefeitos e prefeitas ao seu quadro de secretariado, através de leis específicas que tornam as secretarias como unidades autônomas de gestão e orçamentária. Neste formato de autonomia orçamentária e de gestão, a ordenação das despesas é de autoria exclusiva dos titulares das respectivas pastas, sem vinculação direta com titulares do Poder Executivo.

No entanto, quando prefeitos e prefeitas atuarem como ordenadores de despesas, estes deverão prestar contas regularmente aos tribunais de contas, que analisarão estas contas à luz do que ficou decidido pelo STF na ADPF 982:

"(I) Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário;

(II) Compete aos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal de 1988, o julgamento das contas de Prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas;

(III) A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por Prefeitos ordenadores de despesa, se restringe à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais, preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990".

Assim, quando constatadas irregularidades nas contas de gestão, prestadas por prefeitos e prefeitas, ordenadores destas despesas, os tribunais de contas poderão imputar débito e aplicar sanções, que terão força decisória e executiva sem necessidade de submissão ao Legislativo, prevalecendo as consequências pecuniárias da decisão. Não obstante, a inelegibilidade de prefeitos e prefeitas segue condicionada à deliberação do Poder Legislativo.

Neste cenário, as decisões de tribunais de contas que rejeitarem contas de gestão de prefeitos e prefeitas e imputarem a estes multa e/ou ordem de devolução de recursos, tornam-nos apenas devedores, mas não inelegíveis de plano.

Outro ponto relevante é a não incidência desta modalidade de inelegibilidade aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa.

Bastante oportuno, o trecho de julgado do TSE, que bem sintetiza o entendimento sobre a inelegibilidade por contas rejeitadas ou, como dito, inelegibilidade da alínea g:

2. Consoante o art. 1º, I, g, da LC 64/90, são inelegíveis "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes [...]".

3. Ao interpretar tal dispositivo, esta Corte Superior fixou o entendimento de que nem toda conta desaprovada gera a referida causa de inelegibilidade. Com efeito, cabe à Justiça Eleitoral verificar a presença de elementos mínimos que revelem má-fé, desvio de recursos (em benefício próprio ou de terceiros), dano ao erário, nota de improbidade ou grave afronta a princípios, isto é, circunstâncias que evidenciem lesão dolosa ao patrimônio público ou prejuízo à gestão da coisa pública. Precedentes.

(TSE - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 060007714, Acórdão, Relator(a) Ministro Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16/10/23.)

Em conclusão, não basta a simples existência de decisão de tribunal de contas decidindo pela rejeição/reprovação de contas prestadas por gestores para que incida a inelegibilidade da tão batida lei da ficha limpa, é condição que coexistam todos os requisitos listados na alínea g inciso I do art. 1º da LC 64/90.

Marcones Santos

VIP Marcones Santos

Mestre em direitos fundamentais pela Unama Pós-graduado em direito processual civil pelo IDP Pós-graduado em direito eleitoral pelo IDP Advogado desde 2004 Professor

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