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Blindagem patrimonial: Quando o escudo vira armadilha jurídica

A decisão do TJ/SP revela o que poucos dizem: A blindagem patrimonial mal feita não protege, expõe. Criar uma holding sem planejamento pode custar caro e até o próprio patrimônio.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Atualizado às 09:02

A blindagem patrimonial se tornou uma expressão sedutora no meio empresarial. Em meio a crises econômicas, cobranças e execuções, muitos empresários buscam mecanismos para proteger o que construíram ao longo dos anos. É nesse cenário que surgem inúmeros "especialistas" prometendo soluções milagrosas: bastaria abrir uma holding familiar para afastar dívidas, credores e até obrigações judiciais. Mas cuidado com esses vendedores de blindagem patrimonial, o que eles não dizem é que, quando mal estruturada ou usada com desvio de finalidade, a holding pode deixar de ser escudo e se transformar em porta de entrada para o confisco judicial do patrimônio.

Recentemente, o TJ/SP reafirmou essa realidade ao negar provimento a um recurso em que o executado havia transferido imóveis avaliados em cerca de R$ 4 milhões para uma holding recém-criada, por valores abaixo do mercado, e, em seguida, cedido gratuitamente suas cotas à ex-esposa. A 15ª Câmara de Direito Privado, sob relatoria do desembargador Vicentini Barroso, concluiu que a manobra caracterizou blindagem patrimonial fraudulenta, determinando a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, nos termos do art. 50 do CC. Segundo o acórdão, a empresa foi constituída "com a evidente finalidade de blindagem patrimonial em prejuízo dos credores".

O caso ilustra com precisão o limite entre o planejamento patrimonial legítimo e a blindagem ilícita. O empresário tem todo o direito de organizar seus bens, reduzir riscos e planejar a sucessão, o que não pode é utilizar a estrutura societária para fraudar credores ou mascarar a titularidade real dos bens. Quando há transferência de ativos por valores irrisórios, cessão gratuita de cotas ou confusão patrimonial evidente, a Justiça entende que a empresa é mera extensão da pessoa física, e, nesse momento, a "blindagem" desmorona.

Além disso, mais grave ainda é o fato de que muitos empreendedores acreditam estar seguros, confiando em estruturas padronizadas vendidas como "soluções prontas", sem análise contábil, sem propósito econômico real e sem respaldo jurídico consistente. Essas "blindagens de prateleira" são o principal alvo do Judiciário, que tem reiteradamente afastado a personalidade jurídica de holdings criadas apenas para ocultar bens pessoais.

Dessa forma, o verdadeiro planejamento patrimonial exige transparência, documentação regular e governança. Envolve avaliação patrimonial justa, registros contábeis corretos, contratos sociais bem redigidos e acordos de sócios que prevejam, inclusive, a cláusula de falecimento e a forma de transmissão de cotas. Quando essas práticas são observadas, a holding cumpre seu papel de proteger o patrimônio e facilitar a sucessão empresarial. Quando são ignoradas, a estrutura se torna vulnerável, e o empresário, exposto.

Portanto, o julgamento do TJ/SP reforça uma mensagem simples, mas contundente: blindagem não é esconder bens, é estruturá-los com responsabilidade e dentro da lei. Quem busca atalhos ou confia em soluções fáceis acaba entregando ao Judiciário a prova da própria fraude. Enquanto quem investe em planejamento societário sério, com assessoria jurídica e contábil qualificada, garante não apenas proteção patrimonial, mas também segurança jurídica e longevidade para o negócio.

Em um tempo em que o marketing promete "imunidade patrimonial", a decisão do Tribunal paulista serve de lembrete: o que protege o empresário não é a blindagem, é a legalidade.

Kelly Viana

VIP Kelly Viana

Advogada e CEO do KASV Advocacia Empresarial, escritório comprometido em desenvolver estratégias jurídicas inovadoras e seguras para potencializar o crescimento de negócios e reduzir riscos legais.

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