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TJ/SP: Restrição imposta por edital de concurso deve ter previsão legal

Nada é mais democrático e garante mais a igualdade do que a lei em sentido estrito, advinda da vontade do legislador, representante do povo e eleito por voto direto, secreto, universal e periódico.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Atualizado às 10:25

Em decisão recente, o TJ/SP reafirmou o que a CF/88 já prevê há 37 anos: "A restrição imposta por edital de concurso deve ter previsão legal. A Administração não pode criar novos requisitos ou impedimentos não previstos em lei."

Em ação proposta por servidor público que teve a inscrição impedida, em concurso de promoção, em razão de cláusula editalícia que vedava a participação de quem tivesse participado da seleção anterior, o acórdão que julgou a apelação decidiu o que era constitucionalmente inevitável: o edital do concurso público não pode criar uma regra não prevista na lei de regência.

Pergunta-se, então: Por que ainda existem decisões judiciais que permitem as restrições impostas pelos editais dos certames? É pergunta sem resposta definitiva, contudo, com a conclusão fatal de que a relativização dos direitos e garantias fundamentais, diante de impasses com a Administração Pública, nunca foi abolida de fato.

Formalmente ainda vigora, no Brasil, a regra de que para ocupar uma das vagas disponíveis nos quadros do Poder Público, todos os cidadãos interessados devem poder concorrer a elas em total condições de igualdade. A coisa pública é do "povo"; e, portanto, todo o "povo" tem direito de concorrer às suas vagas, sem espaço para favoritismos ou distinções discriminatórias - de quaisquer tipos.

O problema jurídico objeto de ponderação aqui é específico e bastante recorrente, embora passe desapercebido pelos estudiosos do Direito Administrativo constitucional, não envolvidos diretamente com esse assunto.

Editais de concursos, em todos os entes federativos, não raras vezes (nada raras), introduzem exigências inéditas ou desdobram critérios de previsões legais, criando obstáculos à real igualdade de condições entre os candidatos capacitados para as funções do cargo. Criam-se requisitos que excluem da concorrência aqueles que a própria lei não exclui.

Sob as mais variadas roupagens, a Administração Pública inova nas exigências feitas no edital, violando a reserva legal e descumprindo a hierarquia das normas ao transformar um "requisito" editalício em obstáculo ao alcance do genuíno objetivo dos concursos públicos, que é preencher os cargos da Administração Pública através de aferição isonômica da capacidade dos concorrentes.

A prática, decorrente do juízo de valor do agente público, quebra a isonomia absoluta, sob os mais variados pretextos, sempre justificando-os no interesse público. A invocação do "interesse público" e da "razoabilidade" pela Administração revela-se, na prática, justificativa pretextual para intimidar o julgador de maneira velada, mas é incapaz de suportar confronto objetivo entre hipótese e dados verificáveis.

Mas não há interesse público maior, na República Federativa do Brasil, do que a absoluta igualdade entre os cidadãos.

Mesmo antes de seu primeiro artigo, a Carta de 1988 já inicia seu texto consagrando a igualdade como objetivo político supremo da nação. O preâmbulo registra, como finalidade da Assembleia Constituinte, romper com quase 50 anos de privilégios e exclusões.

Mas quando se trata de ações judiciais questionando restrições normativas não previstas em lei, que quebram a isonomia entre os candidatos, a "razoabilidade" e a "teoria do interesse público" vêm ganhando autoridade maior do que a igualdade de todos perante a lei, para justificar a distinção vedada pelo caput do nosso art. 5º. Ou seja, a igualdade que fundamenta a República Federativa do Brasil e o nosso Estado Democrático de Direito fica em segundo plano.

Os casos são simples e eloquentes. O candidato prepara-se por anos para conquistar o cargo, cumpre os requisitos legais, mas se depara com obstáculo criado especialmente pelo edital.

Quando a Administração introduz exigência que considera "mais adequada" segundo a convicção de seus agentes, não prevista em lei em sentido estrito, instala-se um critério discricionário que o ordenamento constitucional não autoriza. Configura-se o arbítrio que tira do povo, detentor do poder, nos termos da Constituição.

No direito não é dado se utilizar de generalizações, mas quanto a essa há uma unanimidade, quando se olha de fora e sem paixões: nada é mais democrático e garante mais a igualdade do que a lei em sentido estrito, advinda da vontade do legislador que representa o povo. Só as previsões expressas e claras, da lei, podem garantir que haverá absoluta igualdade nos concursos públicos da União, Estados, DF e municípios.

Não se pode substituir essa vontade, expressa, por nova exigência proveniente da entidade pública, mesmo que se alegue benefício à coletividade. Não há maior benefício à coletividade do que a absoluta igualdade entre os cidadãos. E quem decide o que é melhor para si é a própria coletividade, através de processo legislativo legítimo.

Ou seja, segundo a CF/88, decidir o que é exigível para o exercício do cargo público compete ao povo, através da lei, e não do agente público, através da caneta. Caso contrário, abre-se espaço a favoritismos e discriminações, não aceitas pelo nosso ordenamento jurídico.

Para validar a regra do preâmbulo e do parágrafo único do art. 1º da CF, soma-se o art. 84, IV, que reforça que o poder regulamentar do Poder Executivo destina-se a assegurar a fiel execução das leis, por meio de decretos ou até outras normas infralegais, mas sem poder de inovação com novos requisitos que alterem os direitos inicialmente garantidos na norma originária.

Súmulas e teses vinculantes não faltam para mostrar que não se admite essa inovação em editais. Mas, por serem especificadas as situações que lhes deram causa, a Administração Pública aproveita o "espaço" para fantasiar a pessoalidade de discricionariedade - discricionariedade essa que, em todos os casos, deve ser exceção.

O que a CF/88 definiu é que a regulamentação, pela Administração Pública, em atos típicos do Poder Executivo, como os editais de concursos públicos, não pode inovar o âmbito de exigências que o legislador estabeleceu, mas apenas garantir a fiel execução da lei.

Parafraseando o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, "A igualdade de todos perante a lei e a submissão de todos somente à lei constituem os dois cânones fundamentais dos Estados de Direito. A nossa Constituição consagrou tais princípios em termos inequívocos ao declarar que 'todos são iguais perante a lei' (art. 5º, caput) e que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, II)."

Somente a norma em sentido estrito assegura a imparcialidade ex ante, porquanto o legislador, legitimado democraticamente, fixa regras gerais que não podem ser dirigidas a interesses particulares, enquanto normas ad hoc faltam com a impessoalidade, a legitimidade democrática e a estabilidade normativa necessária à efetiva segurança jurídica.

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TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1023961-17.2025.8.26.0053; Relator (a): Aliende Ribeiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 07/07/2025; Data de Registro: 07/07/2025

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 109.

Marcela Barretta

VIP Marcela Barretta

Advogada sócia-proprietária do escritório que leva seu nome. Pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Administrativo, especialista em direito dos servidores públicos e concursos públicos.

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