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Anulação da consolidação da propriedade fiduciária: Como? E agora?

Análise da anulação da consolidação da propriedade fiduciária, seus efeitos jurídicos, a jurisprudência do STJ e propostas para evitar litígios no direito imobiliário.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Atualizado às 09:56

1. Introdução

A alienação fiduciária de bem imóvel, introduzida pela lei 9.514/1997, representa um dos pilares do mercado de crédito imobiliário no Brasil, oferecendo um mecanismo de execução de garantia extrajudicial que se destaca pela celeridade1. Por meio deste instituto, o devedor (fiduciante) transfere ao credor (fiduciário) a propriedade resolúvel de um imóvel como garantia de um financiamento. Em caso de inadimplemento, o credor pode consolidar a propriedade em seu nome e, subsequentemente, promover o leilão do bem para a satisfação do seu crédito2.

Embora eficiente, a execução da garantia fiduciária é um procedimento formal que exige a observância estrita de requisitos legais, cuja inobservância pode acarretar a nulidade da consolidação da propriedade. Dentre estes requisitos, a intimação pessoal do devedor para purgar a mora é condição essencial de validade, representando uma manifestação do princípio do devido processo legal na esfera das relações privadas2.

Ocorre que um número crescente de demandas judiciais tem questionado a regularidade desses procedimentos, resultando na anulação da consolidação da propriedade por vícios formais, notadamente a ausência de intimação válida. Tal cenário suscita questões de alta complexidade jurídica e de grande impacto prático:

  • Uma vez anulada a consolidação, o contrato de financiamento é automaticamente reativado?
  • Qual o status jurídico das partes e do imóvel após a decisão anulatória?
  • Como deve ser calculado o saldo devedor, especialmente em relação aos encargos moratórios incidentes durante o período em que o contrato esteve extrajudicialmente rescindido?
  • Qual o destino de eventuais leilões realizados e dos direitos de terceiros arrematantes de boa-fé?
  • De quem é a responsabilidade pelos danos decorrentes de erros no procedimento?

O presente artigo dedica-se a analisar essas questões sob uma ótica acadêmica e normativa, direcionando-se a advogados, magistrados, registradores e demais profissionais do direito. Serão examinados os fundamentos legais do instituto, as principais hipóteses de nulidade, os efeitos jurídicos da anulação, a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores e as responsabilidades civis do credor e do oficial de registro. Ao final, serão propostas medidas preventivas e de aprimoramento legislativo para mitigar a litigiosidade e conferir maior segurança jurídica ao sistema.

2. O procedimento de consolidação da propriedade na lei 9.514/1997

A alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, disciplinada pelos arts. 22 a 33 da lei 9.514/1997, consiste em um negócio jurídico no qual o devedor fiduciante, ao contratar um financiamento, transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do imóvel objeto da garantia. A propriedade plena retorna ao patrimônio do devedor com a quitação integral da dívida. Contudo, em caso de inadimplemento, a lei faculta ao credor um procedimento extrajudicial para consolidar a propriedade em seu nome e, assim, promover a alienação do bem para satisfazer seu crédito.

O rito de execução da garantia está detalhado no art. 26 da referida lei. Uma vez vencida a dívida e não paga, o credor deve requerer ao oficial do registro de Imóveis competente a intimação do devedor para, no prazo de 15 dias, purgar a mora. A purgação da mora compreende o pagamento das prestações vencidas e das que se vencerem até a data do pagamento, acrescidas de juros, multas, encargos contratuais e legais (como tributos e despesas de condomínio), além das despesas de cobrança e intimação3.

A lei determina que a intimação seja realizada pessoalmente ao fiduciante, seu representante legal ou procurador, pelo oficial do registro de imóveis, que pode delegar a diligência a um oficial de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio do devedor. A intimação por correspondência com AR - aviso de recebimento também é admitida4. Apenas em último caso, se houver suspeita de ocultação, poderá ser feita a intimação por hora certa, ou  se o devedor se encontrar em local incerto e não sabido, a lei autoriza a intimação por edital, publicado por três dias em jornal de grande circulação5.

Decorrido o prazo de 15 dias sem a purgação da mora, o oficial do registro certificará o fato e, mediante o pagamento do ITBI - Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e, se for o caso, do laudêmio, averbará na matrícula do imóvel a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário em até 30 dias contados do final do prazo para purgação da mora6.

Em maio de 2025, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu um novo parâmetro para o procedimento de execução extrajudicial na alienação fiduciária de imóveis residenciais. A partir de provocação formulada pela ABRADEB - Associação Brasileira de Defesa de Consumidores Bancários, o CNJ determinou que os Cartórios de Registro de Imóveis passem a incluir, nas intimações destinadas à constituição em mora do devedor fiduciante, referência expressa à possibilidade de regularização do débito em até 45 dias, quando se tratar de financiamento habitacional. A medida harmoniza-se com os §§1º e 2º do art. 26-A da lei 9.514/19977.

Uma vez consolidada a propriedade, o credor tem o prazo de 60 dias para promover o leilão público do imóvel, conforme estabelece o art. 27 da lei8.

É fundamental destacar que o procedimento extrajudicial prevê duas intimações essenciais ao devedor:

  1. Intimação para purgação da mora: Antes da consolidação, para que o devedor possa quitar o débito e manter o contrato ativo.
  2. Intimação sobre os leilões: Após a consolidação, para que o devedor tenha ciência das datas, horários e locais dos leilões, o que lhe permite exercer o direito de preferência na arrematação do bem.9 10

A observância rigorosa de cada uma dessas etapas é imperativa para a validade do procedimento. Como adverte a doutrina, qualquer desvio ou vício formal pode comprometer a regularidade da execução extrajudicial, abrindo margem para a sua anulação judicial e a consequente responsabilização dos envolvidos11.

Leia o artigo na íntegra.

__________

1 BRASIL. Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 nov. 1997.

2 PATAH, Priscila A. Consolidação da propriedade fiduciária imobiliária: importância da conciliação extrajudicial como instrumento de prevenção de conflitos. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário de Araraquara - UNIARA, Araraquara, 2023.

3 Lei 9.514/1997, art. 26, § 1º.

4 Lei 9.514/1997, art. 26, § 3º.

5 Lei 9.514/1997, art. 26, § 4º.

6 Lei 9.514/1997, art. 26, § 7º.

7 https://cnbsp.org.br/2025/09/01/artigo-a-possibilidade-de-purga-da-mora-em-ate-45-dias-nos-financiamentos-habitacionais-o-novo-entendimento-do-cnj-a-luz-do-art-26-a-da-lei-9-514-97-por-nathalia-welter/

8 Lei 9.514/1997, art. 27

9 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.447.687/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 21/8/2014, DJe 8/9/2014.

10 Lei 9.514/1997, art. 27, § 2º-B.

11 BESSA, Mateus C. B. A. Alienação fiduciária de bem imóvel: questões processuais. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.

Rafael Paiva Nunes

VIP Rafael Paiva Nunes

Sócio da Paiva Nunes Direito Imobiliário, advogado no Brasil e em Portugal, atua em Direito Imobiliário, é dirigente no IBRADIM e ANACON. Especialista e Obras Retomadas e Multipropriedade/time-share.

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