Juros subvencionados: Reflexos da conceituação de Poder Público
Decisão do Carf amplia o conceito de Poder Público ao reconhecer que entidades da administração indireta, como o BNDES, podem conceder subvenções para investimento com benefícios fiscais, fortalecendo a segurança jurídica e a efetividade das políticas de fomento econômico.
sexta-feira, 7 de novembro de 2025
Atualizado às 11:09
À luz da reforma tributária e, sobretudo, considerando as recentes alterações e seus respectivos impactos, as subvenções governamentais, em especial aquelas classificadas como subvenções para investimento, configuram relevantes instrumentos de fomento à atividade econômica e à expansão empresarial.
A disciplina legal da matéria esteve prevista no art. 30 da lei 12.973/14, o qual dispõe que não serão computadas, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, as subvenções para investimento concedidas pelo Poder Público, desde que observados os requisitos legais, entre eles a destinação dos valores a empreendimentos econômicos e o registro em reserva de incentivos fiscais.
O tema, contudo, suscitou intenso debate sobre o alcance da expressão "Poder Público". A Receita Federal, tem entendimento para restringir a aplicação do benefício ao afirmar que ele não se aplica a subvenções concedidas por pessoas jurídicas de Direito Privado. Essa posição tem gerado insegurança especialmente no que se refere a entidades que, embora constituídas sob a forma de pessoas jurídicas de Direito Privado, integram a administração indireta e atuam na implementação de políticas estatais de interesse coletivo.
Nesse diapasão, a decisão proferida pelo CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no acórdão 1202-001.489, de novembro de 2024, envolvendo a Fiat Chrysler Automóveis Brasil Ltda. e o BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, é paradigmática e extremamente relevante para as empresas.
No caso em que se discutia a possibilidade de exclusão, para fins de IRPJ e CSLL, de valores relativos a juros subsidiados em financiamentos concedidos pelo BNDES, a Receita Federal glosou a exclusão sob o fundamento de que, por se tratar de empresa pública dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, a instituição não poderia ser considerada como integrante do conceito de Poder Público que era exigido pelo art. 30 da lei 12.973/14.
Ocorre que, seguindo a tese sustentada pelo contribuinte, o Carf, por sua vez, reformou a autuação, reconhecendo que o BNDES, embora formalmente regido pelo Direito Privado, é capitalizado integralmente pela União, integrando assim a Administração Pública indireta e, consequentemente, sujeitando-se ao controle do Tribunal de Contas da União, além de exercer funções de execução de políticas públicas de desenvolvimento econômico.
Nessa linha, o Conselho concluiu que a forma jurídica não pode ser utilizada para afastar sua vinculação ao Poder Público, sob pena de esvaziar a finalidade do benefício fiscal previsto em lei.
A análise desse precedente exige, portanto, a retomada do conceito de entes vinculados ao Poder Público, principalmente através da leitura do decreto-lei 200/1967 que estruturou a Administração Federal em direta e indireta, sendo esta última composta por autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.
Todas essas entidades, embora dotadas de personalidade jurídica própria, foram instituídas por lei, têm por finalidade a execução de objetivos de interesse público e permanecem submetidas a diversos mecanismos de controle estatal. Tal sujeição encontra amparo na própria CF/88, especialmente nos arts. 37 e 71, que consolidam esse vínculo ao submeter tais entidades aos princípios que regem a Administração Pública e à fiscalização exercida pelo Tribunal de Contas da União.
Analisando o entendimento da doutrina administrativa, esta majoritariamente defende que a expressão "Poder Público" não se limita às pessoas jurídicas de Direito Público interno (União, Estados, Distrito Federal, municípios e autarquias), mas alcança também aquelas entidades que, embora personificadas sob a roupagem de Direito Privado, atuam como braços executores da política estatal, chamados de entes instrumentais, caracterizados por possuírem autonomia patrimonial e administrativa, mas permanecerem vinculados aos objetivos públicos que justificaram sua criação.
Do ponto de vista jurisprudencial, o próprio STJ tem reconhecido, em matérias distintas, a condição de empresas públicas e sociedades de economia mista como entes submetidos a controles típicos da Administração Pública, ainda que submetidos a regime híbrido de Direito Privado em certos aspectos. Esse raciocínio reforça que a finalidade institucional e a vinculação à administração indireta prevalecem sobre a forma jurídica quando se trata de avaliar a natureza pública de sua atuação.
Aplicado ao caso das subvenções para investimentos, o raciocínio conduz à conclusão de que o critério decisivo não pode ser a natureza civil da entidade concedente, mas sim sua vinculação ao Estado e sua finalidade de implementar políticas públicas.
Assim, o BNDES, enquanto empresa pública Federal de capital exclusivo da União, cumpre precisamente essa função ao financiar projetos de desenvolvimento econômico e social, razão pela qual não pode ser equiparado a um agente privado comum para fins de tributação.
O precedente do Carf, portanto, representa importante evolução interpretativa ao reconhecer que o conceito de Poder Público abarca também entidades da Administração Pública indireta constituídas sob regime de Direito Privado, reafirmando a primazia da finalidade da norma sobre formalismos que poderiam restringir indevidamente o alcance de incentivos fiscais previstos em lei.
Em termos práticos, o entendimento proporciona maior segurança jurídica às empresas que se beneficiam de financiamentos e incentivos concedidos por entes vinculados ao Poder Público, fortalecendo a confiança na estabilidade das políticas de fomento e se tornando uma oportunidade de redução da carga tributária. Ao mesmo tempo, consolida a visão de que a interpretação da legislação tributária deve ser teleológica e sistemática, preservando a coerência do sistema e a efetividade das políticas públicas que justificam a concessão de subvenções para investimentos.


