Tecnologias persuasivas e eleições: Como a perfilização coloca em risco a democracia
O artigo aborda a utilização de propaganda eleitoral endereçada ao eleitor com base em seu perfil psicográfico e como isto coloca em risco a democracia.
sexta-feira, 14 de novembro de 2025
Atualizado às 10:02
1. Introdução
Este artigo pretende discutir as tecnologias persuasivas e as ameaças que elas trazem às eleições e, via de consequência, à democracia.
Por tecnologias persuasivas, pode-se entender a utilização de tecnologias para persuadir um dado indivíduo ou grupo de indivíduos através dos aportes de áreas como psicologia, neurociência e publicidade1.
O conceito original, delimitado por B. J. FOGG, é mais abrangente e compreende: "qualquer sistema interativo desenvolvido para alterar as atitudes ou comportamentos das pessoas"2 (tradução livre).
A utilização de tais ferramentas, por sua vez, nos faz questionar seu potencial frente à democracia e, especialmente, ao processo eleitoral.
Para fins deste artigo, tomaremos como referência a chamada democracia liberal, consistente na possibilidade de eleições livres, justas e igualitárias, proteção dos direitos fundamentais, bem como um Estado que respeita e é restrito pela CF.
Isto se dá porque o pilar central da maioria das democracias ocidentais ocorre pelas eleições (democracia indireta), as quais são a porta de entrada para o exercício das funções administrativas e legislativas.
Havendo máculas no processo eleitoral, frustra-se todo o esforço de manter um ambiente coeso e institucional. Assim, o objetivo deste artigo é apresentar o funcionamento das tecnologias persuasivas e seus riscos nas eleições.
Para isto, os argumentos serão expostos da seguinte forma: i) tecnologias persuasivas e seu potencial de influência no comportamento; ii) eleições e elementos que afetam o processo deliberativo; e iii) considerações finais.
2. Tecnologias persuasivas e seu potencial de influência no comportamento
A utilização da tecnologia para fins de propaganda representa um considerável avanço em relação à mídia de massa, tais como as mensagens veiculadas em televisão, jornais impressos ou rádio.
Isto se dá porque é possível ter acesso a métricas de tempo, atenção e interesse do receptor da mensagem. Noutras palavras, torna-se mensurável se o destinatário efetivamente se interessou pelo conteúdo.
Ao lado disto, iniciaram-se estudos visando analisar a correlação entre traços de personalidade, geralmente, os chamados Big Five em relação a estratégias de persuasão, tais como as elaboradas por CIALDINI.
Sobre os Big Five, importa dizer que são traços de personalidade dos indivíduos, os quais foram testados em diversas culturas e que possuem forte base teórica. Daí o motivo de serem utilizados, no mais das vezes, pelos pesquisadores3.
Eles tratam de cinco elementos, referentes à: i) abertura (estar aberto a novas experiências); ii) conscienciosidade (referente a atividades de organização); iii) extroversão; iv) agradabilidade (atrelada e emoções, inclusive o altruísmo); e v) neuroticismo (geralmente referenciado a emoções negativas)4.
Ao lado disto, os princípios da persuasão de CIALDINI são de aplicação relativamente simples, apresentados na forma de um conjunto de estratégias organizado e com base empírica5.
Os princípios da persuasão são: i) reciprocidade (necessidade de retribuir favores); ii) compromisso/consistência (necessidade de se manter alinhado a uma posição tomada anteriormente); iii) prova social (seguir a maioria em ambientes de dúvida); iv) gosto/semelhança (a persuasão é facilitada quando discutimos com aqueles que pensam como nós ou pessoas de quem temos apreço); v) autoridade (as pessoas tendem a concordar com pessoas que possuem ou aparentam possuir autoridade sobre dada matéria); e vi) escassez (quanto menos disponível, maior a probabilidade de que haja persuasão)6.
Assim, é possível analisar se determinadas estratégias persuasivas são mais ou menos aderentes a determinadas pessoas com traços de personalidade sobressalentes.
Estes perfis comportamentais podem ser inferidos de diversas formas, sendo que o próprio indivíduo torna seu perfil comportamental exposto através de curtidas, comentários e postagens em geral7.
Deste modo, basta a escuta passiva (um monitoramento dos usuários e suas interações) para que se possa construir o perfil e endereçar a ele determinada propaganda.
Isso não implica que a pessoa, ao ver uma publicidade ou propaganda, necessariamente compre o produto ou vote no candidato.
Ainda há muito campo para debate sobre o efetivo aumento das chances de êxito advindas da utilização das tecnologias persuasivas, mas é certo que elas não garantem resultados como a antiga e descartada teoria da "bala mágica", na qual mensagens rápidas apareciam em milésimos de segundos e os consumidores imediatamente passariam a comprar produtos8.
3. Eleições e elementos que afetam o processo deliberativo
As eleições estão entre os fenômenos mais complexos no que diz respeito à análise imparcial. Isto se dá por conta de fatores complexos que vão desde a necessidade de pertencimento grupal9, dissonância cognitiva10 ou ter acesso apenas a uma bolha ou câmara de eco na qual seus pensamentos são reforçados constantemente dada a homofilia11.
Assim, os apoiadores de um dado candidato e/ou posição ideológica podem se sentir parte de um grupo e ter receio de desagradá-lo (pensamento grupal ou tribal), necessidade de continuar com a posição antes adotada, fazendo as operações mentais necessárias para dar consistência interna a seu pensamento (dissonância cognitiva) ou mesmo não ter acesso a outras posições contrárias à sua (bolha).
Dentro deste panorama, a escuta passiva, aliada aos dados pessoais coletados por manifestações dos cidadãos, permite a criação dos perfis comportamentais e o envio de propagandas cuidadosamente endereçadas a tais indivíduos.
Neste traçado, para cada traço de personalidade sobressalente, pode-se ainda acrescentar a possibilidade de customizar a mensagem e a estratégia persuasiva.
Isto reforça o caráter emotivo das eleições e põe em risco a já frágil capacidade do indivíduo de tomar uma decisão política de maneira fria e imparcial (o que resta apenas no plano ideal).
Esboroa-se, por conta disto, todas as teorias referentes à utilização de teorias discursivas, tais como as de HABERMAS e ALEXY, especialmente no que diz respeito à possibilidade de um debate orientado majoritariamente pela razão e excluído o pensamento utilitarista12.
Também se mostram embotadas as clássicas vedações a showmícios, distribuições de bens13, pois sua razão de existir está atrelada a uma realidade que deixou de existir a partir das redes sociais, nas quais os influenciadores podem se manifestar e apresentar seus pontos de vista de maneira muito mais eficiente.
Ao mesmo passo, persiste a vedação à utilização de "meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais" prevista no art. 242 do Código Eleitoral.
Tal dispositivo deve ser visto em conjunto com os avanços promovidos pela resolução 23.610/19 do TSE, na qual inseriu o respeito aos princípios da LGPD e especificamente dispôs sobre a necessidade de informar o titular dos dados sobre o tratamento de dados manifestamente públicos (art. 10, §7º), bem como o dever de informação expressa de que os dados possam ser tratados para propaganda eleitoral (art. 33-A).
Além disto, a mesma resolução trata do microdirecionamento com especial atenção, especificando que, na hipótese de tratamento de dados pessoais sensíveis, há necessidade de consentimento específico (art. 33-B, §§ 1º e 2º).
Nas eleições voltadas à "Presidente da República, Governador, Senador e Prefeito das capitais dos Estados", considerou-se especificamente que poderá ser solicitado RIPD - Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, notadamente quando "envolva o uso de dados pessoais sensíveis ou de tecnologias inovadoras ou emergentes para perfilamento de eleitoras e eleitores com vistas ao microdirecionamento da propaganda eleitoral e da comunicação da campanha" (art. 33-D, §1º, II).
Ainda que tais inserções sejam benéficas, uma regulação maior sobre o conteúdo e vedações a respeito da utilização de tecnologias persuasivas em geral, inclusive com microdirecionamento.
Sobre isto, escrevemos: "entendemos que, ainda que as tecnologias persuasivas sejam apenas uma parte e uma parte de reduzida influência, sua restrição tem como benefício auxiliar na construção de uma disputa eleitoral mais justa e equilibrada através da redução de influências manipulativas na tomada de decisão do eleitor"14.
Considerações finais
Verificados os riscos das tecnologias persuasivas no campo das eleições, o que pode levar a disputas eleitorais injustas e, pior, embasadas apenas em estados emocionais, entendemos que o tratamento de dados pessoais conjugados com princípios de persuasão, deve ser vedado no contexto eleitoral de modo expresso.
Evidentemente, a implementação de tal medida não dará conta de sanar problemas inerentes às democracias ocidentais, tal como a manifesta polarização vivenciada, porém, o reestabelecimento do diálogo respeitoso e a manutenção dos pleitos como esfera de discursos sobre quais rumos devem ser tomados pelo país precisa ser feito, ainda que por pequenos passos.
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1 KOGA, Bruno Yudi Soares, Tecnologias persuasivas, decisões e sua liberdade: como as tecnologias persuasivas afetam suas decisões e tolhem sua liberdade, formando um cabresto digital, 1. ed. Londrina: Thoth, 2024.
2 FOGG, B. J., Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do, San Francisco: Morgan Kaufman Publishers, 2003, p. 1.
3 MCCRAE, Robert R., The Five-Factor Model of Personality: Consensus and Controversy, in: CORR, Philip J.; MATTHEWS, Gerald (Orgs.), The Cambridge Handbook of Personality Psychology, 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2020, p. 131.
4 WEISS, Alexander; DEARY, Ian J., The Trait Approach, in: CORR, Philip J.; MATTHEWS, Gerald (Orgs.), The Cambridge Handbook of Personality Psychology, 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2020; DIGMAN, John M., Personality Structure: Emergence of The Five-Factor Model, Annual Review of Psychology, v. 41, p. 417-440, 1990.
5 CIALDINI, Robert B., Influence: Science and Practice, 5. ed. Harlow: Pearson Education Limited, 2014.
6 Ibid.
7 KOSINSKI, Michal; STILLWELL, David; GRAEPEL, Thore, Private traits and attributes are predictable from digital records of human behavior, PNAS, v. 110, n. 15, p. 5802-5805, 2013.
8 Para uma revisão da literatura sobre o tema, veja-se: KOGA, Tecnologias persuasivas, decisões e sua liberdade: como as tecnologias persuasivas afetam suas decisões e tolhem sua liberdade, formando um cabresto digital.
9 PERLOFF, Richard, The Dynamics of Persuasion: Communication and Attitudes in the 21st Century, 4. ed. Nova York: Routledge, 2010, p. 238.
10 DIAS, Joana Amaral, O cérebro da política, Lisboa: Edições 70, 2014, p. 132 e seguintes.
11 KAPTEIN, Maurits, Persuasion profiling: how the internet knows what makes you tick, Amsterdam: Business Contact Publishers, 2015, p. 63; SORJ, Bernardo et al, Sobrevivendo nas Redes - Guia do Cidadão, s.l.: s.n., 2018, p. 28; SUNSTEIN, Cass R, Choosing not to choose: Understanding the Value of Choice, Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 163.
12 HABERMAS, Jürgen, Moral Consciousness and Communicative Action, Maldon: Polity Press, 2007; ALEXY, Robert, Teoria Discursiva do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 2019.
13 Cf. Arts. 39, §§ 6º e 7º, da Lei das Eleições.
14 KOGA, Tecnologias persuasivas, decisões e sua liberdade: como as tecnologias persuasivas afetam suas decisões e tolhem sua liberdade, formando um cabresto digital, p. 255.


