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A autocomposição analisada a partir da duração razoável do processo

A autocomposição pode agilizar processos judiciais, mas sua eficácia ainda enfrenta desafios práticos, gerando dúvida sobre sua real contribuição para a celeridade processual.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Atualizado às 10:48

A autocomposição é a ferramenta utilizada em prol das partes presentes em uma lide de modo que possam chegar a um acordo consensual, respeitando-se o princípio da autonomia da vontade das partes. 

A doutrina brasileira entende a autocomposição como uma solução de conflito pelo consentimento espontâneo de uma das partes em sacrificar seu interesse em prol do interesse de outrem. 

Vale destacar que o princípio da autonomia da vontade das partes é um princípio jurídico típico da legislação civil brasileira que efetiva a liberdade dos indivíduos em tomarem decisões de acordo com seus próprios interesses. 

Veja-se que esse método de resolução de conflitos foi criado como uma alternativa para resolver demandas frequentes no sistema judiciário brasileiro, tais como o longo período de duração de um processo, os gastos excessivos com o processo e resultados que trazem insatisfação aos envolvidos. 

Sob essa perspectiva, a autocomposição surge como um meio de resolver tais problemas existentes, sendo que, na visão de Tartuce (2018, p. 30): 

"a autocomposição é regida pela vontade das pessoas - que são livres para preencher o conteúdo da norma como bem entenderem, necessariamente não por aplicação direta das previsões legais ao caso concreto. O Direito positivo e a ordem jurídica atuam restabelecidos e são de forma indireta na autocomposição, na medida em que a permitem e que lhe dão certas balizas."

De modo geral, a autocomposição remonta a ideia do sacrifício de interesses próprios, podendo ser de forma parcial ou total, por uma das partes ou ambas. No entanto, destaca-se que isto não significa que alguma das partes precise sacrificar direitos que possui, apenas que precisa ser flexível quanto aos seus interesses, para chegar a um consenso e, assim, resolver de forma mais rápida e eficaz sua demanda. 

Para tanto, existem três formas de se promover a autocomposição: por meio da transação, da renúncia ou pela aceitação.  

Posto isto, é possível sublinhar que por meio da autocomposição, e suas espécies, os próprios sujeitos envolvidos na lide podem construir uma solução para o conflito, com observância a cooperação, economia processual e a pacificação social. 

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro, ao incentivar essas formas de resolução alternativa do conflito, caminha no sentido de tornar o processo mais célere, acessível e efetivo, priorizando a solução dialogada em detrimento da imposição judicial.

O princípio da duração razoável do processo, encontrado no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que assegurem a celeridade de sua tramitação. Tal garantia fundamental está diretamente relacionada à efetividade da tutela jurisdicional e à busca por soluções menos onerosas e mais rápidas no âmbito dos conflitos. Nesse cenário, o instituto da autocomposição se destaca como um meio alternativo e eficaz de resolução de litígios.

A reforma do CPC de 2015 incentivou fortemente a utilização da autocomposição, ao prever a realização de audiências de conciliação ou mediação como fase inicial do processo (art. 334, CPC), além de valorizar a cultura da cooperação entre as partes.

A aplicação do princípio da duração razoável do processo na autocomposição reflete um novo paradigma no exercício da jurisdição: a transição de um modelo puramente adjudicatório para um modelo cooperativo, dialógico e eficiente. Nesse contexto, o Judiciário não apenas garante o direito de acesso à Justiça, mas também estimula a resolução autônoma dos conflitos, contribuindo para a redução da sobrecarga processual e para a concretização de soluções mais satisfatórias às partes.

Além disso, ao priorizar o consenso e a autonomia da vontade, a autocomposição promove o protagonismo dos jurisdicionados e respeita os princípios da dignidade da pessoa humana e da eficiência administrativa, ambos pilares da Constituição Federal.

A duração razoável do processo não deve ser compreendida unicamente sob o aspecto temporal, mas também sob a ótica da efetividade. Um processo rápido, porém ineficaz, frustra os anseios sociais por justiça. A autocomposição, ao conjugar agilidade com adequação e voluntariedade, revela-se um instrumento não apenas de celeridade, mas de concretização de justiça social.

Segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 72), "o princípio da duração razoável do processo deve ser lido à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de modo que o tempo do processo não pode comprometer a utilidade do provimento final". A autocomposição, portanto, se compatibiliza com esse conceito, eis que busca entregar soluções eficazes dentro de um tempo mais apropriado às necessidades das partes envolvidas.

Cabe ressaltar que a ideia da autocomposição envolve uma questão de política pública, uma vez que o próprio CPC estabelece que os tribunais devem criar centros judiciários de solução consensual de conflitos (CEJUSC), assim como a resolução 125 do CNJ, em seu art. 8°, §1°, como forma a estimular a utilização da autocomposição. Confira: 

Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

§ 1º A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do CNJ.

§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Art. 8º Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou Cejuscs), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela emenda 2, de 8/3/16) § 1º As sessões de conciliação e mediação pré-processuais deverão ser realizadas nos Centros, podendo, as sessões de conciliação e mediação judiciais, excepcionalmente, serem realizadas nos próprios Juízos, Juizados ou Varas designadas, desde que o sejam por conciliadores e mediadores cadastrados pelo tribunal (inciso VII do art. 7º) e supervisionados pelo juiz coordenador do centro (art. 9°). (Redação dada pela emenda 2, de 08.03.16 (resolução 125, de 29 de novembro de 2010). 

Assim sendo, a legislação brasileira consagra a importância de se mitigar o ideário socialmente difundido que os conflitos existentes na sociedade só podem ser resolvidos mediante uma sentença proferida por juiz, haja vista que a utilização da autocomposição além de atenuar a grande demanda do judiciário brasileiro atualmente, pode viabilizar as partes uma solução mais eficiente em um curto período de tempo. 

Isto posto, conclui-se que a ideia da utilização da autocomposição, aplicada sob o prisma do princípio da duração razoável do processo, configura um importante avanço na consolidação de um sistema jurídico mais eficiente e cooperativo, capaz de promover a pacificação social, desafogar o Poder Judiciário e contribuir para a efetividade da tutela dos direitos sociais. 

Todavia, necessário se faz observar que na teoria a essência da autocomposição visa trazer apenas vantagens ao judiciário; contudo, muitas vezes, na prática tal mudança de paradigma pode não ocorrer de uma hora para outra desencadeando outras dificuldades, tais como orçamentária, de pessoal, treinamento, capacitação, culturais, institucionais, interpessoais, dentre outras. (Keppen, 2023, p.325)

Insta salientar que, apesar de a autocomposição ser uma alternativa para se chegar a uma resolução da lide de forma célere e satisfatória para ambas as partes, primando pela aplicabilidade do princípio da razoável duração do processo; deve-se refletir se tal procedimento não se tornou mais um procedimento do Poder Legislativo, o qual caracterizaria um outro tipo de obstáculo no percurso do judiciário brasileiro. Ou seja, é um mecanismo criado pelo legislador com o objetivo principal de acelerar o processo ou mais uma etapa que acaba por prolongar a demanda? 

Veja-se que o CPC preleciona em seu art. 334 que o juiz deverá designar uma audiência de conciliação ou mediação quando a petição inicial estiver com os requisitos preenchidos; sendo que, conforme consta dos incisos do §4°, só não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição. Portanto, havendo o interesse de pelo menos uma das partes, a audiência deverá acontecer e ambas as partes deverão comparecer.

No entanto, pela literalidade do artigo acima mencionado, a audiência de conciliação ou mediação só não será realizada se ambas as partes manifestarem o desinteresse. Ocorre que, ponderando-se sobre a importância da manifestação da vontade das partes para o legislador, bem como a intenção da autocomposição de tornar a demanda mais célere e eficaz, caso uma das partes não possua a intenção de uma tentativa de acordo, a designação dessa audiência, diferentemente de seu propósito, não acarretaria em um atraso no andamento do processo?

Deve-se concluir que a obrigatoriedade de participar de uma audiência de conciliação ou mediação, por vezes, acaba não alcançando o objetivo esperado, haja vista que o judiciário não se atenta aos verdadeiros interesses dos litigantes. 

Para mais, relevante se faz pontuar alguns outros desafios enfrentados pela utilização da autocomposição, quais sejam os conciliadores e mediadores estão devidamente capacitados para a condução dos procedimentos autocompositivos? Houve estruturação dos CEJUSCs a nível nacional para oferecer ao jurisdicionado um serviço de qualidade? Os índices de êxito da autocomposição refletem um efetivo comprometimento com a resolução consensual das controvérsias ou essa disposição é mera formalidade normativa a ser cumprida?

Veja-se que a realidade da autocomposição aplicada ao judiciário brasileiro é desafiadora, fazendo-se imprescindível uma mudança na forma de pensar dos litigantes, a nível nacional, para modificar a visão da necessidade de um conflituosa, para resolver as lides de forma mais célere e pacífica, através da técnica da autocomposição. 

Nesse sentido, alguns autores brasileiros se posicionam no sentido de que a obtenção da justiça só será alcançada por meio de métodos apropriados, com a finalidade de resguardar relações que podem se desgastar em virtude da morosidade observada em processos comuns. Nessa linha, a autocomposição se mostra a principal alternativa para a resolução de conflitos de uma maneira justa.

Ocorre que, apesar dos desafios mencionados, a autocomposição ainda se mostra, atualmente, como uma alternativa mais eficaz à resolução de conflitos, uma vez que o índice de resolução com acordo é relativamente alto, visto que incentiva as partes conflitantes resolverem suas diferenças sem precisar da jurisdição estatal.

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Referências

DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodvim, 2020.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 3: Teoria das Obrigações. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. Vol. 3. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2018.

RAMBO, Samara. HAAS, Adriane. A importância da autocomposição e os desafios enfrentados no processo de resolução de conflitos. Gralha Azul Periódico Científico da EJUD, Paraná. ED. 23, 2024.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. - 4. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

TJDFT. 2025. Estatísticas do Poder Judiciário. Disponível em: justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 61. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

Bruna Rocha

VIP Bruna Rocha

Formada pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pelo Gran Centro Universitário. Cursando Pós-Graduação em Direito Digital e LGPD pela PUC/RS.

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