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5 fatos surpreendentes sobre a judicialização da saúde no Brasil

A judicialização da saúde no Brasil revela uma crise complexa, com desigualdades marcantes e a necessidade de uma abordagem coletiva para garantir direitos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Atualizado às 10:12

Introdução: Uma curiosidade inicial

Quando pensamos em judicialização da saúde, a imagem que vem à mente é quase sempre a mesma: um paciente precisa de um tratamento caro, o sistema público nega, ele entra na Justiça e um juiz, sensibilizado, concede o direito. É uma história de justiça individual, mas ela esconde a realidade de um sistema sob imensa pressão, tentando uma difícil transição para um modelo mais racional e sustentável. A verdade por trás desse fenômeno é muito mais complexa e cheia de nuances surpreendentes do que a maioria imagina. Este post vai revelar cinco fatos impactantes, extraídos de análises recentes, que são sinais dessa profunda transformação.

1. A escala é astronômica (e cresce em ritmo alarmante)

O impacto da judicialização no sistema de saúde brasileiro é avassalador, tanto em volume quanto em custo. Segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, os gastos do Ministério com ações judicializadas se aproximam de R$ 2 bilhões apenas em 2024. Para dar uma dimensão humana e administrativa a esse valor, o ministro Gilmar Mendes destacou que, em abril do mesmo ano, o país atingiu mais de 61 mil casos de judicialização.

Para dar um contexto histórico, uma pesquisa abrangente do Insper revelou que o número de demandas judiciais de saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017. Esse ritmo é muito superior ao crescimento de 50% do total de processos judiciais no Brasil no mesmo período, mostrando que a saúde se tornou um campo de litígio desproporcionalmente grande.

2. Não existe "A" judicialização, mas várias

Um dos achados mais contraintuitivos da pesquisa do Insper é que a judicialização da saúde não é um fenômeno único e homogêneo no Brasil. Pelo contrário, ela assume formas muito diferentes dependendo da região, refletindo problemas sistêmicos distintos e mostrando por que uma solução única para o país é inviável.

Essa diversidade fica clara ao contrastar realidades opostas. No Pará, por exemplo, grande parte das ações judiciais busca medicamentos que já deveriam ser fornecidos pelo SUS, indicando uma falha primária de gestão e acesso. Já em São Paulo, os processos frequentemente solicitam tratamentos de ponta e novas tecnologias que ainda não foram incorporadas às listas oficiais, refletindo uma demanda por inovação. As diferenças vão além: em São Paulo, o principal tema dos processos é "planos de saúde", enquanto em Minas Gerais, o foco é em "tratamento médico-hospitalar".

Essa variação regional demonstra que as soluções para o problema não podem ser generalizadas. O que funciona para corrigir uma falha de gestão no Norte pode não ter efeito sobre a pressão por novas tecnologias no Sudeste. As causas do problema variam drasticamente, e as respostas também precisam variar.

Tema 1.234, para além da definição de competência (Justiça Federal para casos acima de 210 salários-mínimos anuais), o STF sinalizou uma visão de futuro para a gestão do problema ao determinar a criação de uma "Plataforma Nacional". O objetivo é centralizar todas as informações sobre demandas de medicamentos, criando um sistema único para acompanhamento administrativo e judicial. Essa medida aponta para uma solução sistêmica e de longo prazo, buscando mais eficiência e transparência.

"a judicialização deve ser a exceção e não a regra."

4. Um direito para todos, mas quem realmente acessa a Justiça?

Embora o direito à saúde seja universal, a pesquisa do Insper revelou uma descoberta surpreendente sobre a "regressividade" do fenômeno: o acesso à justiça para garantir esse direito não parece ser igualmente distribuído entre a população, um paradoxo para um sistema em busca de racionalidade.

Os dados mostram uma proporção crescente de casos relacionados à saúde suplementar (planos de saúde), que cobre apenas 25% da população, geralmente com maior poder aquisitivo. Ao mesmo tempo, a participação da Defensoria Pública, que representa a população mais vulnerável, é relativamente pequena, embora relevante.

Isso levanta uma questão desconfortável. A judicialização, que deveria servir como um mecanismo para corrigir falhas, pode, em alguns aspectos, estar aprofundando desigualdades. Aqueles com mais recursos e informação parecem ter mais facilidade para acessar o sistema de justiça, enquanto a maioria que depende exclusivamente do SUS pode não ter a mesma capacidade de litigar.

5. O superpoder subutilizado: A ação coletiva

O último fato surpreendente aponta para uma ferramenta jurídica poderosa, mas incrivelmente subutilizada, que poderia ser um caminho para o amadurecimento do sistema: a ação coletiva. A percepção comum, confirmada pelos dados do Insper, é que a esmagadora maioria dos processos de saúde no Brasil são individuais.

No entanto, a análise revela um dado contraintuitivo: apesar de raras, as ações coletivas estão associadas a uma maior probabilidade de sucesso para o demandante, com um aumento de aproximadamente 7% nas chances de uma decisão favorável.

Isso levanta uma questão fundamental: por que essa ferramenta, que poderia gerar soluções mais estruturais para a política de saúde em vez de resolver apenas casos isolados, é tão pouco utilizada? A preferência por litígios individuais em detrimento de uma abordagem coletiva pode ser um sintoma de um sistema focado em soluções emergenciais. O maior uso de ações coletivas pode ser um caminho para a efetivação do direito à saúde para todos, e não apenas para quem consegue chegar à Justiça.

Conclusão: Um olhar para o futuro

Fica claro que a "judicialização da saúde" não é apenas um problema, mas um sintoma de um sistema em plena transição. De um lado, a pressão de custos e demandas astronômicas e a complexidade de realidades regionais distintas mostram um modelo insustentável. Do outro, as novas regras do STF representam uma tentativa histórica de injetar racionalidade e evidência técnica no processo. No entanto, essa transição ainda esbarra em paradoxos, como o aprofundamento de desigualdades e a subutilização de ferramentas para soluções estruturais.

A análise desses fatos nos deixa com uma pergunta central. Diante de um sistema com regras mais rígidas e demandas tão diversas, o caminho para garantir o direito à saúde para todos passará pela multiplicação de litígios individuais ou por uma reinvenção do diálogo entre Judiciário, gestores e sociedade?

Caio Vinicius Pereira da Silva

VIP Caio Vinicius Pereira da Silva

Caio Vinicius Pereira Pacheco - Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - Formado em Analista Fiscal e Gestão Tributária pelo SENAC - Pesquisador Jurídico - CEA/AMBIMA

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