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Regularizou seu imóvel pela anistia em SP? Cuidado!

A anistia em SP promete regularização, mas cobranças retroativas de IPTU têm frustrado contribuintes. Entenda seus direitos e proteja-se contra práticas ilegais da prefeitura.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Atualizado às 07:25

A lei da anistia de imóveis de São Paulo (lei 17.202/19) surgiu como uma promessa de alívio e segurança para milhares de proprietários. A chance de finalmente regularizar construções, colocar a documentação em dia e, o mais importante, obter o perdão (remissão) de dívidas tributárias decorrentes dessa regularização trouxe uma legítima expectativa de tranquilidade. Contudo, uma reviravolta contraintuitiva está frustrando essa promessa: muitos contribuintes que seguiram todas as regras estão sendo surpreendidos com cobranças retroativas de IPTU, exatamente o que a lei foi criada para evitar. Este artigo revelará, com base em decisões judiciais, os pontos mais importantes que você precisa entender para proteger seus direitos.

1. A promessa da anistia e a surpresa da cobrança

A lei da anistia foi criada com o objetivo claro de incentivar a regularização de edificações na capital paulista. Para estimular a adesão, ofereceu um benefício central: o perdão dos créditos tributários de IPTU anteriores, conforme estabelecido no art. 26 da lei. A ideia era simples: o proprietário regulariza o imóvel e, em troca, a prefeitura perdoa os débitos passados de imposto gerados pela área até então irregular.

Apesar da clareza da legislação, a prefeitura de São Paulo tem emitido cobranças indevidas. O problema não se refere a dívidas antigas e sem relação com o processo, mas especificamente a lançamentos complementares retroativos, calculados sobre a diferença de área que o próprio cidadão declarou voluntariamente. Essa prática não apenas gera um impacto financeiro indevido para quem agiu de boa-fé, confiando na administração pública, mas também cria um ambiente de profunda insegurança jurídica. Conforme apontam as decisões judiciais, essa conduta contraria a finalidade da lei e desestimula que outros proprietários busquem a regularização.

2. O perdão do IPTU é maior do que a prefeitura interpreta

O cerne da disputa está na interpretação do alcance do perdão fiscal. A prefeitura de São Paulo alega que a remissão do IPTU é válida apenas para débitos gerados antes da publicação da lei, em 2019/2020. Por outro lado, o Poder Judiciário, de forma consistente, entende que o perdão abrange todos os débitos existentes até a data da conclusão do processo de regularização do imóvel.

Para esclarecer, o texto da lei é direto e não comporta restrições:

Art. 26. "Ficam remidos os créditos tributários do IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano pretéritos decorrentes dos procedimentos de regularizações previstas nesta Lei".

A análise judicial é cirúrgica: a lei elege como marco para o perdão o procedimento de regularização em si, e não a data em que a norma entrou em vigor. A interpretação da prefeitura impõe uma limitação que não existe no texto legal, um ato que viola frontalmente o princípio da legalidade tributária. Em outras palavras, a administração municipal não pode, por meio de uma decisão administrativa, restringir um direito que a própria legislação concedeu de forma ampla.

3. Suas próprias informações estão sendo usadas para gerar a cobrança

Talvez o aspecto mais surpreendente deste impasse é como as cobranças são geradas. As decisões judiciais, como a proferida no processo 1021255-95.2024.8.26.0053, deixam claro que a prefeitura tem utilizado as declarações e os documentos fornecidos espontaneamente pelo próprio cidadão para efetuar os lançamentos retroativos de IPTU.

A ironia é evidente: o ato de buscar a legalidade, confiando no programa de anistia, é o que está sendo usado como base para a cobrança indevida. Uma das sentenças judiciais classifica essa prática como "inadmissível". Os tribunais têm apontado que essa ação não apenas frustra o propósito da lei, mas também viola a "legítima expectativa do contribuinte" e o princípio da boa-fé, que deveria reger a relação entre o Fisco e o cidadão. A conduta da prefeitura, segundo a Justiça, "indevidamente esvaziou a remissão" de seu significado.

4. A Justiça tem decidido a favor do contribuinte de forma consistente

Felizmente, os proprietários lesados têm encontrado amparo no Judiciário. O TJ/SP tem se posicionado consistentemente a favor dos contribuintes, reforçando que a cobrança retroativa compromete a finalidade da Lei da Anistia e viola a segurança jurídica.

A lógica dos magistrados é irrefutável: não faria sentido a lei estabelecer um prazo longo para a regularização (prorrogado até 2025) se o perdão se aplicasse apenas a débitos anteriores a 2020. Como aponta uma decisão, tal interpretação "retira da lei o caráter de incentivo", pois um cidadão que protocolou seu pedido em 2023, por exemplo, não teria qualquer benefício para os anos de 2020, 2021 e 2022, o que esvazia o propósito do programa.

As vitórias são concretas. Decisões têm ordenado repetidamente o cancelamento de cobranças retroativas de IPTU para exercícios específicos, como o período de 2020 a 2024. Um exemplo claro é o agravo de instrumento 2309416-79.2023.8.26.0000, no qual o recurso do contribuinte foi aceito, a cobrança foi declarada indevida e a execução fiscal foi extinta. O raciocínio judicial tem sido uniforme, como ilustra o seguinte trecho:

"A interpretação da autoridade impetrada de que os créditos tributários passíveis de remissão são somente aqueles anteriores à vigência da lei municipal 17.202/19 é ilegal, vez que impõe limitação ao benefício fiscal previsto em lei, o que não pode ser feito por meio de decisão administrativa, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade tributária."

Conclusão: Proteja seu patrimônio e seus direitos

A lei da anistia é um direito importante, mas sua aplicação pela Prefeitura tem gerado cobranças ilegais que contradizem o espírito da norma. A boa notícia é que, com base nas decisões consistentes do Poder Judiciário, os proprietários têm um forte e claro amparo legal para anular essas cobranças.

Se você recebeu uma notificação de cobrança retroativa de IPTU após aderir ao programa de anistia, a jurisprudência está ao seu lado. Não aceite a cobrança sem contestar. Siga estes passos práticos para proteger seus direitos:

1. Não pague a cobrança. O pagamento pode ser interpretado como concordância com o débito, dificultando uma futura restituição.

2. Reúna a documentação. Tenha em mãos o protocolo de regularização, o certificado de regularização (se já emitido) e as notificações de cobrança recebidas.

3. Procure assessoria jurídica especializada. Um advogado poderá ingressar com uma defesa administrativa ou uma ação judicial para anular o débito, citando os inúmeros precedentes favoráveis do TJ/SP.

A regularização deveria trazer tranquilidade, não uma nova dívida. Aja para garantir que a promessa da lei seja cumprida.

Caio Vinicius Pereira da Silva

VIP Caio Vinicius Pereira da Silva

Caio Vinicius Pereira Pacheco - Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - Formado em Analista Fiscal e Gestão Tributária pelo SENAC - Pesquisador Jurídico - CEA/AMBIMA

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