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Entre o símbolo e a eficácia no combate às facções

Apesar da firme retórica no combate ao crime, a medida carrega traços de simbolismo punitiva.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Atualizado às 13:50

Apresentado recentemente na Câmara dos Deputados e agora em análise, o PL 5.582/25 - apelidado de "PL Antifacções" - marca mais uma tentativa do governo federal de reforçar o aparato jurídico contra o crime organizado.

Com esse objetivo, a proposta altera diversas legislações já existentes, criando novas tipificações e instrumentos coercitivos, com uma ambição clara: enfraquecer facções criminosas que exercem poder paralelo em territórios urbanos e dentro do sistema prisional.

Contudo, sob um prisma técnico e desapaixonado, o texto legislativo parece repetir uma lógica já conhecida - a de respostas predominantemente simbólicas, ancoradas em endurecimento penal e conceitos jurídicos imprecisos. 

Além disso, a experiência nacional e internacional nos mostra que o recrudescimento de penas, isoladamente, raramente produz os efeitos esperados no enfrentamento a estruturas complexas e enraizadas como as facções.

Sob esse viés, o ponto central do projeto é a criação do crime de "domínio de localidades" - ou "controle territorial" -, incluído na lei antiterrorismo (lei 13.260/16), definindo como conduta terrorista o exercício de poder paralelo por facções, milícias ou grupos paramilitares alcançando atos como bloqueio de vias, restrição à circulação de bens e sabotagem de infraestruturas, com penas que podem chegar a 40 anos de reclusão, além da punição de atos preparatórios.

Apesar da firme retórica no combate ao crime, a medida carrega traços de simbolismo punitivo, vez que experiências históricas - dos Estados Unidos pós-proibição à Itália das campanhas antimáfia - indicam que o aumento de penas, sem o necessário investimento em inteligência, prevenção e políticas sociais, pouco altera o cenário criminal. 

Por outro lado, a adoção de conceitos vagos tambémé controversa, com termos que carecem de definição precisa, abrindo espaço para interpretações elásticas, e nos remetendo a experiências problemáticas, como a antiga lei de segurança nacional, em que formulações genéricas serviram de pretexto para arbitrariedades.

Sob essa perspectiva, a ampliação da intervenção judicial sobre empresas suspeitas de ligação com facções, autorizando o bloqueio de bens, o sequestro de ativos e a suspensão de atividades empresariais com base em "indícios" de envolvimento criminoso é um exemplo dessa perigosa indefinição.

Isso porque o texto não define o padrão mínimo de convicção necessário para essas medidas. Na prática, isso pode resultar na paralisação de negócios inteiros - inclusive de empresas coagidas por facções -, com repercussões diretas sobre empregos e cadeias de abastecimento locais.

No mesmo sentido, a previsão de intervenção em pessoas jurídicas controladas por terceiros, quando houver "comprovação de uso para a prática de infrações no âmbito de facção criminosa", ao não estabelecer parâmetros objetivos para uma medida tão gravosa abre, mais uma vez, margem para arbitrariedades e violação de preceitos constitucionais.

Outrossim, talvez a inovação mais controversa seja a autorização para "infiltração" ou "permanência encoberta" de colaboradores em organizações criminosas. 

Isso porque, diferentemente da infiltração policial - restrita por lei a agentes capacitados -, o projeto permite que delatores civis se mantenham dentro das facções para coletar provas, elevando o risco à integridade desses colaboradores e inserindo o acordo em um contexto de possíveis falhas operacionais e graves dilemas éticos.

Em síntese, o PL Antifacções traduz a persistência de uma política criminal de caráter simbólico, que reforça a face repressiva do Estado sem atacar as causas estruturais da criminalidade organizada - a desigualdade, a ausência de políticas públicas eficazes e as brechas de corrupção institucional. 

Portanto, caberá ao Congresso Nacional, ao revisar e votar o texto, a oportunidade de aprimorar a proposta, equilibrando o necessário enfrentamento às facções com as garantias constitucionais que sustentam o Estado de Direito.

Leonardo Tajaribe Jr.

VIP Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).

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