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Cripto-resoluções do Banco Central: O bom, o ruim e o questionável

Resoluções do BCB inauguram um marco regulatório robusto para ativos virtuais no Brasil, com avanços claros, custos elevados e pontos que levantam dúvidas sobre autonomia, liberdade e inovação.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Atualizado às 11:00

As resoluções BCB 519, 520 e 521 de 2025, publicadas em 10/11/25, encerram um processo regulatório longo e previsível, iniciado nas consultas públicas BCB 109, 110 e 111. Embora tenham demorado a ser publicadas, as normas foram bem recebidas por grande parte das exchanges que, há anos, operam em uma zona cinzenta regulatória e que, diante das particularidades e da dimensão do mercado brasileiro, não podiam simplesmente ignorar o país.

Por outro lado, despertam resistência entre parte dos usuários mais vinculados à filosofia original de descentralização do ecossistema, que enxergam na regulação estatal um possível retrocesso em termos de autonomia e soberania sobre os próprios ativos.

Cabe a nós, contudo, afastar leituras apaixonadas ou politizadas e compreender que o novo marco regulatório apresenta pontos positivos, negativos e outros que se revelam questionáveis, e é justamente com esse propósito que buscamos auxiliar o leitor a desenvolver uma análise técnica, equilibrada e desprovida de ruído ideológico.

Entre os aspectos positivos, o novo marco introduz avanços normativos e conceituais relevantes, ao definir de forma clara as categorias de prestadoras de serviços de ativos virtuais, como intermediária, custodiante e corretora, suprindo lacunas deixadas pela lei 14.478 de 2022. O conjunto regulatório consolida parâmetros sólidos de governança, de segregação patrimonial e de mitigação de conflitos de interesse, além de implementar de maneira expressa a travel rule, reforçar a exigência de segregação patrimonial e estabelecer diretrizes de prova de reservas, elementos presentes nas jurisdições mais maduras no tratamento dos ativos virtuais.

A exigência de governança mínima, qualificação técnica dos administradores e verificação rigorosa de reputação também é positiva. Dessa forma, a regulamentação filtra aventureiros e operadores improvisados, reduzindo o espaço para golpes e "pirâmides" que sempre se esconderam atrás do rótulo de investimento ativos virtuais, o que, consequentemente, eleva o padrão do setor e tende a dissipar o estigma de que "cripto é uma terra sem lei", tornando fraudes cada vez mais raras ou facilmente identificáveis pelo usuário comum.

Entre os aspectos mais reprováveis, destaca-se a exigência de patrimônio líquido mínimo significativamente superior ao adotado por jurisdições mais evoluídas, o que desincentiva a inovação, inviabiliza a atuação de pequenos e médios operadores e induz artificialmente movimentos de consolidação no mercado. Soma-se a isso o aumento substancial dos custos regulatórios decorrentes das novas exigências de compliance, governança, infraestrutura tecnológica e mecanismos de supervisão, que passam a demandar estruturas robustas e onerosas, desproporcionais à realidade de negócios emergentes ou em fase inicial.

Na prática, cria-se um ambiente normativo que favorece as grandes corretoras globais e as instituições financeiras tradicionais, que já dispõem de capital, equipes de conformidade e arcabouço tecnológico suficientes para absorver tais custos, consolidando uma vantagem competitiva significativa na oferta de serviços com ativos virtuais.

Sob a ótica questionável, a exigência de identificação dos titulares de carteiras autocustodiantes representa uma intervenção que atinge diretamente um dos pilares essenciais da soberania financeira na era digital. A autocustódia não é um capricho tecnológico, mas, além de um direito fundamental constitucionalmente garantido, a expressão mais clara da autonomia individual sobre o próprio patrimônio, permitindo que o usuário detenha e controle seus ativos sem depender de intermediários.

O problema se intensifica quando se considera o histórico recente de vulnerabilidades institucionais do próprio Banco Central, marcado por ataques cibernéticos e vazamentos de dados sensíveis. A perspectiva de que essas informações possam ser compartilhadas com a Receita Federal e integradas a sistemas de constrição patrimonial como o Criptojud, cuja expansão tende a incorporar mecanismos cada vez mais intrusivos, revela um cenário de alto risco ao usuário.

Além disso, o Banco Central inaugurou um marco regulatório que abre espaço para que a Receita Federal edite atos complementares disciplinando a incidência de IOF sobre operações com ativos virtuais equiparadas a câmbio. A partir desse novo enquadramento, a lógica tributária aplicável às operações cambiais passa a se estender, de forma direta, às transações com ativos virtuais. Em termos práticos, o ambiente normativo já foi estruturado e o movimento seguinte depende apenas da iniciativa da Receita Federal.

O novo arcabouço regulatório inequivocamente inaugura uma fase mais madura para o mercado brasileiro de ativos virtuais. O equilíbrio entre proteção, inovação e liberdade econômica ainda está longe de ser alcançado e dependerá da forma como as normas serão aplicadas, interpretadas e eventualmente revisadas nos próximos anos. O desafio agora é assegurar que a busca por estabilidade e segurança jurídica não inviabilize o dinamismo tecnológico que caracteriza o setor e que o Brasil consiga construir um ambiente que proteja o usuário sem sufocar a inovação, preservando os fundamentos de autonomia e soberania que tornaram o ecossistema relevante em escala global.

Pedro J. T. C. Torres

VIP Pedro J. T. C. Torres

Mestre em Blockchain e Ativos Virtuais. Sócio do Sydow e Torres Advogados Associados.

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