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Cláusulas de tax trigger e o Simples Nacional na reforma tributária

A reforma tributária não acabou com o Simples Nacional, mas o transformou em regime de escolha estratégica com forte impacto comercial.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Atualizado às 14:40

I. Introdução

A regulamentação do IVA dual pela LC 214/25 preserva o Simples Nacional, mas introduz a opção por regime híbrido de apuração do IBS e da CBS, alterando radicalmente a geração de créditos tributários em operações B2B. A referida mudança, cria assimetrias de competitividade e imprevisibilidade de custos, especialmente em contratos de fornecimento de médio e longo prazo.

Os regimes tradicional e híbrido, as vantagens e desvantagens em vendas para consumidores finais (B2C) e para pessoas jurídicas (B2B), os impactos no creditamento dos clientes e a indispensabilidade de cláusulas de tax trigger como instrumento de proteção contratual e preservação do equilíbrio econômico-financeiro são temas deste breve apontamento.

A transição para o IVA dual brasileiro, CBS Federal e IBS estadual/municipal, além do Distrito Federal, não será neutra para milhões de empresas optantes pelo Simples Nacional. A LC 214/25 manteve o regime simplificado, mas inseriu uma escolha estratégica que muda tudo nas relações comerciais entre empresas: a possibilidade de opção (irretratável por período definido) por regime híbrido, no qual o IBS e a CBS são apurados fora do DAS, pelo regime regular de não cumulatividade plena, enquanto os demais tributos permanecem no Simples.

A citada opção, aparentemente técnica, tem impacto comercial brutal. Clientes pessoa jurídica que apuram IBS e CBS no regime normal dependem de fornecedores que gerem créditos integrais para manter sua própria neutralidade fiscal. Um fornecedor no Simples tradicional entrega crédito presumido ou reduzido; um fornecedor híbrido entrega crédito pleno.

Some-se a isso o calendário da transição. Alíquotas simbólicas em 2026 (0,9% CBS e 0,1% IBS), substituição gradual até 2033 e o mecanismo de ajuste automático das alíquotas de referência (art. 19 da LC 214/25), revelam um ambiente de incerteza que torna contratos celebrados até 2025 potencialmente desequilibrados. É exatamente nesse ponto que as cláusulas de tax trigger deixam de ser "boas práticas" e passam a ser questão de sobrevivência contratual.

Os dois caminhos possíveis para o Simples Nacional a partir de 2026:

No regime tradicional, tudo permanece como hoje: recolhimento unificado via DAS, alíquotas por faixa de receita e apuração presumida do IBS e da CBS. O adquirente pessoa jurídica apropria crédito apenas sobre o valor efetivamente recolhido no DAS, o que, na prática, representa uma fração pequena da alíquota padrão projetada.

No regime híbrido, a empresa "sai" do Simples exclusivamente para IBS e CBS, apurando-os no regime regular: crédito físico pleno, obrigações acessórias completas. Em troca, gera crédito integral para o cliente PJ, mantendo, porém, o Simples para IRPJ, CSLL, CPP e, quando couber, parte do ICMS/ISS.

A escolha não é neutra e varia conforme o público-alvo. Em vendas para consumidor final (B2C), o regime tradicional continua sendo a melhor opção. Não há exigência de creditamento pelo adquirente, a burocracia permanece mínima e a carga tributária costuma ser mais baixa. Migrar para o híbrido seria pagar mais complexidade sem ganho correspondente.

Em vendas para pessoas jurídicas (B2B), a lógica se inverte. O cliente PJ no regime regular verá seu custo efetivo majorado se comprar de fornecedor no Simples tradicional, pois o crédito será presumido e muito inferior ao esperado. A tendência é que os adquirentes de produtos/serviços que não estejam no Simples Nacional e que necessitem tomar crédito em suas aquisições escolham empresas que já tributam CBS/IBS, e aí reside a grande análise que o empresário deve ter para a tomada de decisão estratégica, pois os tomadores de serviço ou compradores de produtos priorizarão fornecedores que gerem crédito pleno. Permanecer no regime tradicional pode significar perda de contratos ou pressão por descontos compensatórios que corroem a margem, a menos que o empresário venda apenas ao consumidor final.

Dois exemplos ajudam a visualizar. Imagine um salão de beleza que atende exclusivamente o consumidor final (B2C) que vai ao local para cortar cabelo: nesse caso, a permanência no modelo tradicional do Simples tende a ser mais vantajosa, porque o cliente não se beneficia de créditos e valoriza mais o preço final e a simplicidade. Em sentido diverso, considere um escritório de advocacia que presta serviços para empresas (B2B): neste cenário, o regime híbrido tende a ser mais adequado, pois permite o creditamento integral de IBS e CBS pelo cliente corporativo, ainda que com maior complexidade operacional. Convém registrar, ainda, que, em ramos de atividade com poucos insumos ou despesas que gerem crédito, a adoção do híbrido pode elevar a carga tributária efetiva em vez de reduzi-la.

O efeito cascata no creditamento e o risco contratual. Contratos celebrados até 2025 não previram essa dicotomia. Preços foram fixados ou indexados considerando o Simples "clássico". A opção pelo híbrido (ou a pressão do mercado para tanto) ou eventuais ajustes nas alíquotas de referência podem alterar substancialmente a carga tributária líquida, configurando alteração imprevisível das circunstâncias econômicas do contrato.

É imperativo inserir, imediatamente, cláusulas de tax trigger em todos os contratos B2B que envolvam fornecedores no Simples Nacional. A cláusula deve ser clara, objetiva e bidirecional, prevendo tanto aumentos quanto reduções de preço.

Conclusão

A reforma tributária não acabou com o Simples Nacional, mas o transformou em regime de escolha estratégica com forte impacto comercial. Em relações B2B, gerar crédito pleno de IBS e CBS torna-se condição de atratividade no mercado. Empresas que não avaliarem a migração para o regime híbrido quando for o caso, correm risco real de perder clientes, margem ou ambos. A transição começa em 2027: quem agir agora transforma risco em oportunidade.

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BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.

BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025.

BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (com alterações posteriores).

Paulo Roberto Pires Ferreira

VIP Paulo Roberto Pires Ferreira

pós-graduado em Direito Imobiliário Escola Brasileira de Direito (EBRADI); MBA em Direito Tributário e MBA em Direito Empresarial, ambos pela FGV-Rio; pós graduado em Direito do Consumidor PUC-Rio.

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