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O dever de recuperação ambiental em área de lixão

O estudo aborda o dever dos entes públicos de gerir os lixões, destaca medidas de recuperação ambiental e reforça a urgência de práticas eficazes para uma gestão sustentável dos resíduos no Brasil.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Atualizado às 11:44

Introdução

A expansão urbana desordenada e a ausência de planejamento adequado para a destinação final dos resíduos sólidos urbanos resultaram, ao longo das últimas décadas, na proliferação de lixões a céu aberto no território brasileiro. Tais áreas, marcadas por intensa degradação ambiental e risco à saúde pública, permanecem como um dos mais graves passivos ambientais municipais, principalmente para municípios de pequeno e médio porte (BESEN, 2017).

Como proposta de salvaguarda, a lei 12.305, sancionada em 2/8/10, instituiu a PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos e definiu princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes para a gestão integrada e o gerenciamento adequado dos resíduos sólidos no país. Composta por 57 artigos, essa legislação apresenta um marco normativo moderno e abrangente, voltado à sustentabilidade e à responsabilidade compartilhada.

Diante disso, o presente estudo examina as obrigações legais atribuídas aos Entes públicos quanto à destinação final ambientalmente correta dos resíduos produzidos e a importância do Plano de Recuperação de Área Degradada na recuperação das áreas de lixão.

A política nacional de resíduos sólidos em combate às áreas de lixões

A PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela lei 12.305/10, revitalizou as iniciativas públicas voltadas ao combate do descarte incorreto de resíduos domiciliares e de outros tipos de resíduos. Em seu art. 54, a norma determina o fim das práticas inadequadas de destinação final, comumente denominadas lixões.

Tal inovação legislativa emergiu como pedra angular na gestão sustentável de resíduos sólidos, afinal, como orienta Matos, et. al. (2025), no ano de sua promulgação, o país enfrentava a geração de, aproximadamente, 60,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, o que corresponde a uma média de 378 kg por habitante.

Desse total, cerca de 6,5 milhões de toneladas não foram recolhidas, resultando na contaminação de rios, lagos e solos. Além disso, aproximadamente 22,9 milhões de toneladas tiveram destinação inadequada, sendo descartadas em lixões e aterros sem controle ou tratamento ambiental adequado.

Assim, a gestão sustentável dos resíduos sólidos já se tornava medida urgente a época da elaboração da PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos. Vislumbra-se que o objetivo da PNRS, estabelecido no art. 1º da lei 12.305, de 2/8/10, é promover a gestão integrada e eficiente dos resíduos sólidos, conforme a definição do art. 3º, inciso XVI.

Essa gestão abrange desde a caracterização dos resíduos - entendidos como materiais, substâncias, objetos ou bens descartados resultantes das atividades humanas - até as etapas de coleta, transporte, tratamento e disposição final, como disposto no art. 3º, inciso X.

O lixo passou a ser juridicamente classificado como poluente e a prática do depósito à céu aberto, como nos lixões, passou a representar uma forma inadequada e prejudicial de lidar com os resíduos sólidos urbanos. (SIRVINSKAS, 2022)

A legislação define poluição como a degradação da qualidade ambiental provocada por atividades que, direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem negativamente a biota; d) comprometam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; ou e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (FIORILLO, 2023).

Conforme as disposições da Política Nacional de Resíduos Sólidos, especialmente as previstas no art. 17 da lei 12.305/10, são proibidas diversas formas inadequadas de destinação de resíduos sólidos, como o lançamento em corpos hídricos e a queima a céu aberto, sendo esta última permitida apenas em situações emergenciais de caráter sanitário devidamente autorizadas.

Também é vedada a utilização de rejeitos como alimentação ou criação de animais em locais destinados à disposição final de resíduos, bem como a importação de resíduos sólidos perigosos ou potencialmente danosos ao meio ambiente (ANTUNES, 2023).

O art. 54 da mesma lei estabelece que a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deveria ocorrer até 31/12/20, salvo para municípios que apresentassem planos de gestão de resíduos sólidos e mecanismos sustentáveis de cobrança.

O dispositivo ainda define prazos diferenciados para o encerramento dos lixões:

(i) até 2 de agosto de 2021 para capitais e municípios integrantes de regiões metropolitanas;

(ii) até 2022 para municípios com mais de 100 mil habitantes (Censo 2010) ou localizados a menos de 20 km de fronteiras internacionais;

(iii) até 2023 para municípios entre 50 mil e 100 mil habitantes; e

(iv) até 2024 para aqueles com menos de 50 mil habitantes.

Em casos de dificuldades econômicas comprovadas, a legislação admite alternativas técnicas e operacionais, desde que estejam em conformidade com as normas ambientais vigentes (Brasil, 2010).

Além disso, o STJ reconhece que a manutenção das áreas de lixão, sem a devida recuperação da área - com a elaboração de planos de recuperação de área degradada - e em total desrespeito aos prazos indicados no artigo 54 da PNRS, poderá imputar improbidade administrativa ao gestor público, como segue:

  • PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. DEPÓSITO DE RESÍDUOS SÓLIDOS. LIXÃO. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.
  • 1. Trata-se, originariamente, de ação civil pública por atitude omissiva decorrente de manutenção de lixões de funcionamento irregular, com consequente dano ambiental. Pediu-se a condenação do Município ao cumprimento de requisitos mínimos previstos em norma local destinada a minimizar o impacto ambiental na região e à promoção do licenciamento ambiental. A sentença de procedência parcial foi mantida pelo Tribunal de origem.
  • 2. Nenhum regramento ou ato administrativo pode dispensar o licenciamento ambiental e o Estudo Prévio de Impacto Ambiental exigidos pelo legislador. O art. 10 da lei 10 da lei 6.938/1961 dispõe, de maneira peremptória, que "a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental". Lixões representam a antítese da proposição civilizatória da cidade sustentável. Concretiza cabal e objetivo atestado não só de incompetência e de desleixo com a saúde pública e o meio ambiente, mas também de improbidade administrativa do Prefeito. 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1.252.372/MG, relator ministro Herman Benjamin, 2ª turma, julgado em 5/4/16, DJe de 30/10/19.)

Vê-se, portanto, a relevância do fim das áreas de lixão no território nacional, cabendo àqueles lixões já existentes o encerramento e a recuperação da área degradada, conforme sistemática apresentada em capítulos seguintes.

Conceito de recuperação de área degradada em perímetro de lixão

O dano ambiental, de natureza coletiva e difusa, impõe ao poluidor o dever de recuperar o ambiente degradado, na medida do possível, o que a doutrina e a legislação chamam de reparação integral ou retorno ao status quo ante. (LOMOLINO, 2020).

A reparação ambiental constitui imperativo jurídico e ecológico na contemporaneidade, fundamentando-se no direito constitucional de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Nesse sentido, o teor do Compromisso Empresarial de Reciclagem (CEMPRE, 2018) no tema de recuperação de áreas degradadas por lixões, enfatiza a gravidade da disposição inadequada de resíduos sólidos urbanos e a importância do marco legal para a recuperação dessas áreas, como corolário do dever de reparação ambiental:

  • "os lixões a céu aberto, pela sua característica de acúmulo desorganizado de resíduos sem impermeabilização e controle dos líquidos percolados, apresentam um elevado potencial de contaminação do solo e das águas subterrâneas. Esses locais podem conter uma variedade de contaminantes, incluindo metais pesados, compostos orgânicos e inorgânicos, bem como micro organismos patogênicos. A disposição inadequada dos resíduos nesses lixões pode ter um impacto significativamente negativo no meio ambiente, liberando gases como o metano, que é altamente inflamável, durante a decomposição dos resíduos orgânicos. Esses produtos da decomposição representam riscos substanciais, contribuindo para a poluição do solo, da água e do ar, e agravando problemas ambientais e de saúde pública. Além disso, a decomposição também dá origem ao chorume, que pode se infiltrar no solo e contaminar as águas subterrâneas."

Em decorrência, portanto, do marco legal do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, todos os municípios que manejavam em seus territórios áreas de lixão tiveram que se adequar a normativa nacional, a fim de atender ao dever de restauração e reparação ambiental, tendo sido relevante o papel do Ministério Público na fiscalização da correta aplicação da normativa, com a lavratura de TAC's e/ou a propositura de ações civis públicas para induzir ou forçar a adequação de municípios refratários.

A reparação ambiental de áreas de lixão, conforme o Manual de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos (IBAM, 2001), passou a ser precedida de um PRAD - Plano de Recuperação de Área Degradada, o qual deve se ater aos seguintes pontos essenciais:

1. A remoção de todo o lixo depositado, conferindo-lhe destinação adequada;

2. O revestimento do fundo, com a implementação de camada de impermeabilização;

3. Drenagem de percolado e gases, idealmente com drenos de chorume e construção de poços para drenagem de gás;

4. Disposição, cobertura e revegetação da área degradada;

5. Por fim, a execução de uma ou mais lagoas de chorume com o monitoramento contínuo da área.

Embora seja reconhecida a onerosidade dessa medida, Lomolino et al. (2020) indica que o PRAD - Plano de Recuperação de Área Degradada é estudo indispensável para o manejo de áreas de lixões, sob o risco de poluição de toda a bacia hidrográfica, através da infiltração de poluentes em águas subterrâneas próximas às áreas nas quais o lixão esteve exposto.

Conclusão

O exame aprofundado da PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela lei Federal 12.305/10, e sua intersecção com o imperativo de recuperação ambiental das áreas previamente utilizadas como lixões, demonstra que a legislação brasileira estabeleceu um marco regulatório robusto e inflexível no que tange à responsabilidade dos entes públicos pela gestão adequada dos resíduos sólidos.

A PNRS não apenas determinou o encerramento definitivo das práticas de disposição inadequada, mas igualmente impôs a transformação dessas áreas de passivo ambiental em locais seguros e recuperados, uma obrigação que transcende a mera desativação e exige uma intervenção técnica e jurídica profunda por parte dos órgãos públicos responsáveis.

A exigência do PRAD - Plano de Recuperação de Área Degradada surge como o instrumento técnico-operacional concreto para materializar o princípio da reparação integral do dano ecológico, que, pela sua natureza difusa e coletiva, demanda a recomposição do meio ambiente ao seu status quo ante ou, na impossibilidade técnica, a máxima mitigação dos prejuízos causados.

Ademais, a dimensão da PNRS vai além da técnica ambiental, inserindo-se na esfera da probidade administrativa, conforme sublinhado pela jurisprudência do STJ, cuja orientação reconhece a manutenção de lixões após os prazos estabelecidos pelo art. 54 como um ato de improbidade. Este entendimento reforça o caráter imperativo e não discricionário da obrigação de adequação, transformando o descumprimento dos marcos temporais em matéria de responsabilização pessoal do gestor público, que deve zelar pela destinação ambientalmente adequada dos rejeitos e pela recuperação das áreas contaminadas.

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ANTUNES, Paulo de B. Direito Ambiental. Barueri-SP: Grupo GEN, 2023.

BESEN, G. R.; FREITAS, L.; JACOBI, P. R. (orgs.). Política nacional de resíduos sólidos:implementação e monitoramento de resíduos urbanos. São Paulo: IEE USP - OPNRS, 2017.

CEMPRE. Lixo Municipal: manual de gerenciamento integrado. 4. ed. São Paulo: Versão Eletrônica, 2018.

DIAS FILHO, E.; GONÇALVES, A. L. F.; OLIVEIRA, A. de C.; ANDRADE, G. H. A. de; MOTA, J. C. M.; STECKELBERG, T. B.; GONÇALVES JÚNIOR, M.; MATOS, K. M. de B. POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS: ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE JURÍDICA DOS GESTORES PÚBLICOS MUNICIPAIS GOIANOS PELO DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DO ENCERRAMENTO DOS LIXÕES CONFORME DECRETO ESTADUAL Nº 10.367/2023 DO ESTADO DE GOIÁS. Revista Contemporânea, [S. l.], v. 5, n. 2, p. e7391, 2025. DOI: 10.56083/RCV5N2-014. Disponível em: https://ojs.revistacontemporanea.com/ojs/index.php/home/article/view/7391. Acesso em: 23 out. 2025.

FIORILLO, Celso Antonio P. Curso de direito ambiental brasileiro. [São Paulo-SP]: Editora Saraiva, 2023.

IBAM, Manual de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. 2001. Disponível em: https://www.ibam.org.br/temas/residuos-solidos/. Acesso em 17 de out. 2025.

LOMOLINO, A. L. G. et al. Uma alternativa aos lixões irregulares: O plano de recuperação de área degradada (PRAD) da área do lixão do município de Estrela do Sul-MG. Observatorium: Revista Eletrônica de Geografia, Uberlândia, v. 11, n. 3, p. 34-49, set. 2020.

SIRVINSKAS, Luís P. Manual de direito ambiental. [São Paulo-SP]: Editora Saraiva, 2022.

Leonardo Saar Melo

Leonardo Saar Melo

Procurador Municipal. Mestrando em Gestão Ambiental e Sustentabilidade pela UFScar. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduado em Direito Administrativo e Gestão Pública.

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