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O mercado livre de gás natural no Brasil e sua evolução no Rio de Janeiro

Os desafios regulatórios para a migração dos usuários ao mercado livre de gás e as regras de transição necessárias para garantir o equilíbrio do mercado e das concessões vigentes no Estado do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Atualizado em 19 de novembro de 2025 11:15

Como é cediço, a Constituição Federal atribuiu aos Estados a competência para explorar, diretamente ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, consoante o disposto em seu art. 25, §2º, sendo historicamente as concessionárias quem possuíam o monopólio neste setor.

O primeiro avanço para viabilizar a abertura do mercado de gás para novos agentes se deu com a lei do gás (lei 11.909/09, revogada pela lei 14.134/21), quando foi permitido o acesso a outros ofertantes e instituídas as figuras do consumidor livre, autoprodutor e auto importador.

Os avanços significativos se deram apenas em 2015, quando a Petrobras iniciou seu processo de desinvestimento no setor de gás natural, o que motivou o Governo Federal a lançar a iniciativa Gás Para Crescer.

Nesse âmbito, o CNPE - Conselho Nacional de Política Energética editou a resolução 16/19, estabelecendo diretrizes e aperfeiçoamentos de políticas energéticas voltadas à promoção da livre concorrência no mercado de gás e princípios da transição para um mercado de gás concorrencial, como o respeito aos contratos vigentes, recomendando, ainda, a celebração de eventuais aditivos aos contratos de concessão.

Assim, os Estados, competentes para explorar diretamente ou mediante concessão o serviço local de gás canalizado, passaram a implementar e regulamentar suas respectivas transições para o mercado livre de gás natural, encerrando o monopólio sobre a distribuição do insumo, desde que atendidos os regramentos particulares.

A evolução deste tema se deu de forma diferente nos Estados, por depender de regulamentações locais e está sendo monitorada por diversos agentes interessados, que elaboraram o RELIVRE - Ranking do Mercado Livre de Gás que mede o avanço das normas regulatórias em que, até a última atualização (agosto/2025), o Rio de Janeiro ocupava a 4ª posição, atrás dos Estados do Espírito Santo, Sergipe e Alagoas.

No Rio de Janeiro, o contrato de concessão já previa a possibilidade de aquisição pelo cliente de gás diretamente do produtor ao invés das Concessionárias CEG/Naturgy e CEG RIO, desde que aquele apresentasse um consumo mínimo de 100.000 m3/dia.

A Agenersa, na qualidade de órgão regulador e fiscalizador do serviço de distribuição do gás canalizado, iniciou a análise do procedimento e regras para possibilitar a migração das indústrias para o mercado livre do gás por meio do processo regulatório E-22/007.300/2019 e editou a deliberação 4.068/20, definindo que o consumo de 10.000m3/dia deveria ser um patamar mínimo para o consumidor adquirir gás de qualquer produtor, possuindo, contudo, uma contradição ao mencionar, na mesma Deliberação, o consumo mínimo de 100.000m3/dia.

Para eliminar a contradição, a Agenersa editou a deliberação 4.142/20, alterando a de 4.068/20, fixando o mínimo de 10.000m3/dia. No entanto, o tema carecia de maior aperfeiçoamento por ter desconsiderado os princípios básicos da transição, em especial o respeito aos contratos vigentes.

Paralelamente, o Congresso Nacional editou a lei 14.131/21 (nova lei de gás), aperfeiçoando os dispositivos sobre as atividades de transporte de gás natural e incentivando a ampliação do mercado livre, bem como reforçou que os Estados devem regulamentar a implementação deste tema em seus territórios, além de definir conceitos importantes, como o de "consumidor cativo", que adquire gás da distribuidora local e o de "consumidor livre", que consome gás de diversos agentes, nos termos da legislação estadual.

Em razão das dificuldades em efetivar a migração pela ausência de um contrato padrão de uso do sistema que seria operado pela distribuidora local e redução na tarifa para o sistema de distribuição, foi instaurado o processo regulatório SEI-480002/000528/2023, que passou a concentrar a regulamentação da matéria no Estado do Rio de Janeiro.

Assim, a Agenersa homologou a minuta padrão de um CUSD - Contrato de Uso do Sistema de Distribuição, a ser celebrado entre os consumidores livres e as concessionárias, possibilitando a utilização da tubulação existente para a compra de gás de outros fornecedores e editou a deliberação 4.717/24, estipulando que o consumidor interessado em ingressar no mercado livre de gás deve comunicar a Concessionária com antecedência mínima de 100 dias, além de recomendar que fossem feitos termos aditivos aos contratos celebrados entre as concessionárias e a Petrobras para reduzir a quantidade diária contratada, ante a diminuição do volume de gás revendido pelas Concessionárias em razão das migrações de clientes para o mercado livre de gás.

Diante das dificuldades expostas pelas concessionárias de que a implementação imediata na forma acima geraria um descompasso com os volumes já contratados junto à Petrobras até 2034, e que o custo adicional pelo excedente não comercializado seria repassado aos consumidores por meio de tarifas impraticáveis, de forma prudente e responsável, o conselheiro relator Vladimir Paschoal Macedo  determinou, em 6/10/2025, que não deve ser feita qualquer migração imediata antes que seja resolvida a questão da redução dos volumes contratados pelas Concessionárias junto à Petrobrás.

Portanto, apesar de a legislação ter avançado para permitir a abertura do mercado de gás e a livre concorrência, os Estados, em especial o Rio de Janeiro, ainda precisam finalizar regras da migração, a fim de evitar o desequilíbrio econômico a ponto de inviabilizar a concessão de um serviço essencial e impedir que o consumidor seja onerado com o pagamento de tarifas impraticáveis para a continuidade da prestação do serviço.

Paulo Cesar Salomão Filho

Paulo Cesar Salomão Filho

Sócio do escritório Salomão Advogados.

Deborah Bento

Deborah Bento

Advogada do Salomão Advogados, especialista em direito processual civil, contratual e arbitragem.

Bruno Pitaluga

Bruno Pitaluga

Advogado do Salomão Advogados, atuante na área contenciosa cível estratégica e de arbitragem, especialmente no setor de energia.

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