Omissões na relação completa de franqueados e ex-franqueados e suas consequências
Identifique as formas mais comuns de tentativa de omitir as informações obrigatórias exigidas pela lei 13.966/19 e como isso impacta na tomada de decisão informada do candidato a franqueado.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
Atualizado às 11:27
A lei 13.966/19 impõe ao franqueador a apresentação da relação completa de todos os franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores da rede e, também, dos que se desligaram nos últimos 24 (vinte quatro) meses, com os respectivos nomes, endereços e telefones.
Esclarecemos, de antemão, que preconizamos uma interpretação extensiva do conceito de ex-franqueado, que deve compreender, inclusive, aqueles que ultrapassaram a fase de dispensa de pagamentos e subscrição de qualquer instrumento jurídico com o franqueador, ainda que sem efetiva instalação da unidade franqueada.
O conceito de ex-franqueado, portanto, deve abarcar os intitulados "promitentes franqueados", porquanto incabível prescrever diferenciação não avalizada pela lei de regência. Essa figura, inclusive, tem sido cada vez mais frequente, decorrentes de distratos/rompimentos contratuais pautados, notadamente, em falta de acervo informacional idôneo no âmbito da Circular.
Apesar da compreensão doutrinária e jurisprudencial no sentido de que aqueles desligamentos fora do biênio podem ser omitidos pelo franqueador, advogamos que a disponibilidade da lista completa e exaustiva ao candidato, além de imperativo decorrente do dever de informação, amparado pela lealdade e alicerçada na boa-fé insculpida no art. 422 do CC, é dever inerente à apresentação do histórico resumido do negócio franqueado e norma de ordem pública que não se sujeita à convalidação nem admite renúncia.
Portanto, sendo a COF - Circular de Oferta de Franquia instrumento informacional à disposição do candidato, deve o franqueador apresentar a listagem de todos os seus franqueados e ex-franqueados, independentemente do biênio estatuído em lei, que cria, apenas, o dever legal de expor, de modo apartado, a lista completa de franqueados e ex-franqueados mais recentemente desligados do seu sistema de franquia.
O marco temporal, assim, não deve ser utilizado com finalidade escusa e potencializadora de omissões que podem impactar na tomada de decisão consciente e informada pelo candidato.
A interpretação, a prevalecer, possibilita aos franqueadores mal-intencionados com um histórico massivo de desligamentos, a pausa estratégica por curto período com vistas a retornar ao mercado com um número artificial de ex-franqueados.
Esse cenário, inclusive, tem se tornado cada vez mais frequente, sendo, por isso, crucial que o franqueador disponibilize o número total de desligamentos de sua rede desde o início de sua atuação no mercado até mesmo para que o candidato tenha compreensão exata acerca do compromisso deste ator econômico com o seu franqueado ao longo do tempo. Em última análise, com a perenidade da parceria firmada através da relação de franquia.
É necessário ponderar que a lista traduz informação nevrálgica e indispensável para garantir uma decisão informada quando da adesão do candidato ao modelo de franquia apresentado na Circular.
O alto índice de desligamentos pode reforçar a fragilidade e baixo potencial de aceitação do modelo de negócio ao mercado. Mais que isso, pode indicar que o modelo de negócio sequer é replicável ou viável economicamente.
Ou seja, na maior parte das vezes, a lista exaustiva de ex-franqueados permite conclusão acerca de um eventual contexto de utilização fraudulenta do sistema de franquia.
Com isso em vista, é de bom tom que se reforce os três elementos que constituem o mínimo informacional exigido por lei: nome, endereço e telefone, além da forma de sua disponibilização.
É oportuno, também, o destaque de que a lista de franqueados e ex-franqueados deve ser apresentada de forma separada. O escopo do dispositivo, a propósito, é permitir que o candidato possa ter um panorama acerca daqueles que aderiram e, também, desistiram do sistema de franquia sob análise.
Dessa forma, a apresentação de lista única não atende à exigência legal. Diversamente, constitui modo abusivo de burlá-la. É certo que, em muitos casos, a utilização de "lista única" tem por escopo omitir os índices de franqueados e ex-franqueados.
Ou seja, determinados franqueadores, com número massivo de desligamentos, tendem a se utilizar da tática de lista única para não despertar a desconfiança do candidato. Ao assim procederem, omitem, por incompletude, a elevada rotatividade de sua rede.
O artifício, inclusive, voltado à prática de ilícito informacional por omissão, traduz razão bastante para o decreto de anulabilidade de eventual instrumento firmado com fulcro nesta base de informação, porquanto configurado vício de consentimento previsto no art. 147 do CC, que versa sobre o silêncio intencional.
O vício de consentimento pautado em silêncio intencional tem espaço, também, na incompletude da informação, quando omitidos um ou mais dos elementos informacionais exigidos pelo dispositivo em comento.
A menção ao nome completo de franqueados e ex-franqueados, associado ao seu endereço atualizado e, ainda, contato telefônico de uso corrente substantivam ferramentas indispensáveis para que o candidato a franqueado possa, de fato, aferir a veracidade e própria completude das informações dispostas na Circular.
Se, por omissão do franqueador, o candidato se vê impossibilitado de provocar franqueados e ex-franqueados com o intuito de obter informações claras e concretas acerca do contido na Circular, observa-se que há prejuízo informacional relevante, depondo, assim, contra o caráter protetivo e piso informacional exigido pela lei de franquias.
Fala-se, portanto, em prejuízo informacional in re ipsa, sem que seja necessário perquirir acerca do eventual impacto concreto desta omissão dolosa no contexto da tomada de decisão do franqueado porquanto violada norma de ordem pública e respaldada pelo dever de boa-fé e lealdade na esfera pré-contratual. Bem por isso, temos por dispensada a arguição em prazo razoável ou demonstração de efetivo prejuízo.
A propósito, tem sido lugar-comum o silêncio intencional do franqueador quanto ao particular.
Com cada vez mais frequência, temos identificado Circulares que remetem apenas à Cidade/UF do franqueado ou ex-franqueado, sem detalhamento quanto ao efetivo endereço deste ou de sua operação franqueada, além de omissão quanto a um contato telefônico efetivamente válido, sem prejuízo dos casos em que o franqueador se limita a disponibilizar e-mails ou contatos telefônicos institucionais com o claro propósito de ter o controle total do acesso à informação requerida e, também, transmitida por seus eventuais franqueados.
A questão é ainda mais grave no contexto de franquias "home office" ou que se colocam no mercado com o atrativo de não exigir estabelecimentos físicos.
A omissão ou incompletude da lista, nestes casos, é de potencializada gravidade, visto que torna ainda mais dificultosa a tarefa do candidato na busca por informações quando de suas diligências independentes, com o elevado risco de adquirir um modelo de negócio que, muitas vezes, já se mostrou inviável dentro do próprio território pretendido.
Outro contexto bastante comum na fase preliminar da relação de franquia diz respeito à indicação de uma lista própria de franqueados pelo agente de expansão (pessoa responsável pela entrega da COF e transação negocial) e, mais raramente, ex-franqueados à disposição do candidato.
Essa lista, quando constituída apenas por franqueados que gozam da confiança do franqueador, ou, ainda, franqueados recém-ingressos e que, portanto, não puderam colocar à prova o modelo de negócio adquirido em sua extensão, pode constituir ardil doloso com capacidade de impactar na tomada de decisão do candidato.
Em casos mais graves, a jurisprudência aponta para a existência de cenário em que são disponibilizados contatos de "falsos" franqueados, partícipes da cadeia de vendas de franquia, com o intuito de "quebrar objeções", reforçar "gatilhos mentais" e acelerar o processo de venda de determinado modelo de negócio.
Nestas situações, que demandam análise na esfera criminal (art. 299, CP e art. 171, CP), os falsos franqueados corroboram as informações transmitidas pela equipe de venda e reforçam a sustentada atratividade do modelo e condições de pagamento ofertadas para o acesso à franquia, viciando o consentimento daquele que, crendo estar diante de um efetivo integrante da rede, firma o contrato de franquia ou dispensa pagamentos com base neste cenário artificialmente criado.
Fora deste âmbito, é ainda imperativo que se destaque que a forma de disponibilização desta listagem deve ser, como preconiza a Lei, objetiva e acessível.
Objetiva é a lista disponibilizada de modo completo, contendo todos os caracteres exigidos pela Lei, com distinção entre franqueados e ex-franqueados. Além disso, a objetividade deve ser aferida a partir do grau de transparência do franqueador.
Informações como o efetivo número de desligamentos recentes (até 24 meses) e remotos (além de 24 meses), data dos desligamentos, declínio sumário das razões das desistências, eventual índice de judicialização envolvendo ex-franqueados, índice de mortalidade da rede, índice de maturidade da franquia (tempo médio de operação dos franqueados ativos), embora não exigidos de forma expressa pela lei, compõem um acervo mínimo de extrema relevância para a tomada de decisão do candidato, porquanto demonstram, com clareza, o grau de viabilidade e atratividade do modelo de franquia levado a efeito pelo franqueador.
Por sua vez, a acessibilidade está associada, sobretudo, ao canal de disponibilização destas informações. A jurisprudência já conta com precedentes que indicam a impropriedade de Circulares que, quanto ao ponto, destacam que a lista estaria disponível, apenas, "mediante solicitação" ou, ainda, "na sede do franqueador", ou, ainda, em um anexo que, na realidade, se afigura inexistente.
Mais recentemente, o uso de links editáveis e sob domínio exclusivo do franqueador tem sido utilizado como estratégia para desviar a atenção do candidato quanto ao real cenário da rede de franquia.
Para além dos casos em que a Circular traz a informação inverídica de que a rede "não conta com ex-franqueados", a disponibilização de lista fora da Circular, isto é, através de links externos, muitas vezes com direcionamento a páginas virtuais de difícil visualização e que não permitem o armazenamento (download) das informações ali contidas, não atende ao critério de acessibilidade exigido pela Lei.
Soma-se a isso o fato de que os links disponibilizados gozam de instabilidade e, portanto, podem não estar à inteira disposição do candidato ao tempo da sua tomada de decisão. De modo mais grave, essa lista, já fora do ambiente da Circular, pode não dispor das informações essenciais aqui elencadas: nome completo, endereço e telefone dos franqueados e ex-franqueados.
Estamos diante, portanto, da potencialização dolosa da desinformação, o que caracteriza nulidade evidente.
A compilação de referidas informações, de modo incompleto e através de canal eletrônico, desatende aos critérios de clareza e acessibilidade estabelecidos por lei e, descumprindo importante dever de transparência, priva o candidato do acesso ao rol mínimo de informações obrigatórias exigidas.
A rigor, o franqueador, ao valer-se de links externos em meio ao emaranhado de informações constantes da Circular deixa de fornecer, no corpo do documento, as informações de que trata a lei de franquias.
A disponibilização por meio de link, assim, não cumpre a exigência legal, que determina que as informações devem constar na Circular, podendo levar à declaração de nulidade do contrato de franquia.
Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência dominante, que tem imposto decreto de nulidade em situações como esta, indicando não tolerar cenário em que o franqueador pretende ocultar eventual existência de desligamento ou insatisfação de outros franqueados, bem como a real situação de sua franquia.
Omissões desta natureza podem, assim, ter, como dito, por propósito omitir a própria inviabilidade do modelo de negócio proposto pelo franqueador, tendo por objetivo não despertar nos potenciais candidatos dúvida razoável quanto à, por exemplo, exequibilidade das projeções financeiras responsáveis por sua eventual vinculação ao sistema.
Em outras palavras, as veiculações de informações incompletas ou a sua omissão deliberada pode assumir o propósito de esconder uma falha estrutural no modelo de franquia proposto, daí a importância que deve ser reserva a esta informação e, sobretudo, o cuidado ao analisar o motivo desta omissão.
Com isso, conclui-se que a lista de franqueados e ex-franqueados substantiva exigência legal que não pode ser renegada pelo franqueador à vista do propósito da lei e, ainda, consequências deletérias decorrentes de sua dolosa omissão.
A aplicação do decreto de nulidade pautada nesta omissão deve, portanto, ser rigorosa, de forma a desincentivar a violação planejada do dispositivo legal para a manutenção de modelos de negócio que carregam consigo uma clara afronta à função social do contrato, depondo contra os postulados da transparência e boa-fé contratuais.


