Brasil assina o MLI e dá passo decisivo para modernizar sua rede de tratados tributários
O país avança em padrões internacionais de tributação, reforçando transparência, combate a abusos e atualização de acordos bilaterais.
quarta-feira, 26 de novembro de 2025
Atualizado em 27 de novembro de 2025 13:00
O Brasil assinou, em 20 de outubro de 2025, a Convenção Multilateral da OCDE para Implementar Medidas Relacionadas a Tratados Tributários a fim de Prevenir a Erosão da Base e a Transferência de Lucros - o MLI - Multilateral Instrument. Trata-se de um marco relevante na trajetória de alinhamento do país às práticas internacionais de tributação e transparência fiscal, que reforça a adesão brasileira ao padrão do Projeto BEPS - Base Erosion and Profit Shifting, coordenado pela OCDE e pelo G20.
A assinatura, porém, ainda não implica efeitos imediatos: o MLI não está em vigor para o Brasil. Falta a etapa de ratificação pelo Congresso Nacional e o depósito do instrumento de ratificação junto à OCDE. Somente após esse depósito o MLI entrará em vigor para o Brasil e passará a produzir efeitos sobre os acordos de bitributação por ele abrangidos, nos prazos previstos na própria Convenção.
O MLI é um instrumento inovador, pois, em vez de renegociar um a um os acordos de bitributação (ADTs) que o Brasil indicou como passíveis de atualização, poderá atualizá-los de forma simultânea, incorporando os compromissos mínimos do Projeto BEPS - sobretudo no combate a práticas de elisão e abuso de tratados. Em termos práticos, o MLI funciona como uma "camada de atualização" sobre os tratados existentes, substituindo, modificando ou complementando cláusulas específicas, conforme as opções e reservas declaradas pelos países signatários.
Na assinatura, o Brasil apresentou uma lista provisória de reservas e notificações, sinalizando as principais escolhas que nortearão a aplicação do MLI à sua rede de tratados. Entre elas, estão:
- Indicação do PPT - Principal Purpose Test como regra geral antiabuso - mecanismo que nega benefícios de tratado quando uma das principais finalidades da operação for obter vantagem tributária indevida;
- Possibilidade de aplicar a LOB - Limitation on Benefits simplificada, prevista no art. 7(6) do MLI, como salvaguarda adicional contra o chamado treaty shopping;
- Atualização do preâmbulo dos tratados, reforçando que seu objetivo é evitar a dupla tributação sem criar oportunidades de dupla não tributação ou de evasão fiscal;
- Indicação da "Opção C" do art. 5, relativa ao método para eliminar a dupla tributação, alinhando a prática brasileira à diretriz de coordenação de créditos tributários entre países.
Essas medidas representam uma mudança estrutural, pois o Brasil aprofunda o alinhamento de seus tratados ao padrão OCDE, reforçando a integridade da rede de ADTs e reduzindo vulnerabilidades exploradas por planejamentos tributários agressivos.
Enquanto o MLI não for ratificado, os tratados brasileiros continuam a ser aplicados em sua forma atual. Isso significa que as controvérsias sobre a natureza de rendimentos - como pagamentos por serviços técnicos e assistência técnica, muitas vezes enquadrados como royalties - continuam sujeitas aos textos vigentes e à interpretação judicial consolidada.
A entrada em vigor do MLI, contudo, trará efeitos graduais, conforme as regras de vigência previstas no art. 35 da Convenção e de acordo com a data em que cada tratado se tornar abrangido. A partir desse momento, os tratados cobertos (os chamados Covered Tax Agreements) passam a ser interpretados e aplicados em conjunto com o MLI, na medida em que houver coincidência de notificações entre as partes e ressalvadas as reservas declaradas pelo Brasil.
Um exemplo prático está na definição de residência de pessoas jurídicas. O Brasil fez reserva ao art. 4 do MLI, de modo que os tratados que já preveem solução por procedimento amigável (MAP) para casos de dupla residência continuarão inalterados. Nos acordos em que o art. 4 efetivamente se aplicar, o tradicional critério da "direção efetiva" tende a ser substituído por uma análise caso a caso entre as administrações tributárias envolvidas - um avanço em relação à cooperação, mas também um potencial aumento de complexidade para o contribuinte.
A assinatura do MLI deve ser interpretada dentro do contexto mais amplo da adesão brasileira à OCDE. Desde 2018, os novos tratados firmados pelo Brasil - tais como, com Singapura, Reino Unido (pendente aprovação do Congresso Nacional) e Emirados Árabes Unidos - já incorporam cláusulas alinhadas ao BEPS, incluindo o PPT e, em alguns casos, o LOB. O MLI permitirá estender essa padronização à rede mais antiga de acordos, consolidando um novo paradigma de política tributária internacional.
Além do impacto jurídico, a assinatura envia um sinal político de credibilidade internacional. O Brasil demonstra disposição de harmonizar suas práticas com o consenso global, o que reforça a confiança de investidores e parceiros comerciais.
Ainda assim, a implementação efetiva dependerá de um debate técnico no Congresso, que precisará avaliar as reservas e escolhas feitas pelo país, garantindo segurança jurídica na transição.
Com a assinatura do MLI, o Brasil entra em uma nova fase da sua diplomacia tributária. O próximo passo será o envio do texto ao Legislativo, seguido da promulgação e do depósito junto à OCDE. Somente então os efeitos poderão ser projetados sobre os ADTs brasileiros aplicáveis.
Enquanto isso, empresas e consultores devem acompanhar atentamente a evolução do processo, sobretudo para antecipar os impactos potenciais sobre retenções na fonte, regras de estabelecimento permanente e aplicação de benefícios de tratado. A adoção do PPT, por exemplo, exigirá uma análise mais substancial das operações e da sua finalidade econômica - deslocando o foco do form over substance para o propósito e a coerência tributária das estruturas internacionais.
Felipe Cerrutti Balsimelli
Associado da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.
Gustavo Melo Alcântara
Associado da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.



