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Justiça condenada Cielo a arcar com prejuízo de chargeback

O chargeback, embora seja um mecanismo de proteção ao consumidor, sua aplicação indiscriminada, especialmente em casos de fraude, tem gerado prejuízos significativos para os comerciantes.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Atualizado às 15:04

O caso: Chargebacks suspeitos e retenção unilateral

A ação foi movida por uma EPP - Empresa de Pequeno Porte do ramo de segurança eletrônica contra a credenciadora CIELO S.A., após migrar seus serviços de pagamento online. Em um curto período, a empresa autora foi surpreendida por 17 contestações de compra, totalizando R$ 19.131,75 em reembolsos, além do bloqueio de repasse de R$ 3.384,98 referentes a outras 6 vendas.

A tese central da petição inicial era a de que a credenciadora havia aprovado as transações e, posteriormente, efetuado os chargebacks de forma unilateral e arbitrária, sem sequer oportunizar à lojista a apresentação de provas de envio e entrega das mercadorias, violando o princípio do contraditório e da ampla defesa. A autora argumentou que as vendas só eram enviadas após a aprovação da ré, que se incumbiu da segurança das operações.

A decisão judicial: Risco da atividade e ônus da prova

A sentença proferida pela 24ª Unidade do Juizado Especial Cível da Comarca de Fortaleza/CE, no processo 3000575-57.2025.8.06.0221, julgou parcialmente procedentes os pedidos da autora, condenando a credenciadora a repassar o valor total de R$ 22.516,73 (referente aos reembolsos e bloqueios).

A magistrada, embora tenha afastado a aplicação do CDC por entender que a autora não figurava como destinatária final do serviço (Teoria Finalista Mitigada), baseou sua decisão na responsabilidade objetiva da credenciadora e na falha na comprovação das alegações de fraude.

1. Afastamento do CDC e a questão da hipossuficiência

A defesa da credenciadora argumentou pela inaplicabilidade do CDC, tese acolhida pela juíza. No entanto, o afastamento da legislação consumerista não impediu a responsabilização da ré. A sentença utilizou o CC e a jurisprudência consolidada para fundamentar a decisão:

"Assim, a promovida falhou em cumprir o ônus da prova previsto no art.373, inciso II, do CPC, limitando-se a alegações desprovidas de suporte fático-probatório adequado. [...] Desse modo, a promovida não logrou êxito em contraditar e comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da autora, a fim de justificar sua não responsabilização acerca da retenção indevida e reembolso, pelo que os valores devem ser creditados à demandante."

2. O risco do negócio e a falha no contraditório

O ponto crucial da condenação reside na falha da credenciadora em comprovar a legitimidade dos chargebacks e, principalmente, na sua conduta de reter e reembolsar valores sem dar à lojista a chance de defesa.

A sentença alinhou-se ao entendimento de diversos tribunais, como o TJ/SP, que consideram o risco de fraude e chargeback como inerente à atividade da credenciadora, que lucra com a intermediação dos pagamentos. Ao assumir a responsabilidade pela aprovação das transações, a credenciadora assume o risco do negócio.

A retenção unilateral, sem a devida notificação e oportunidade de defesa, configura uma violação da boa-fé objetiva e do dever de informação, transferindo indevidamente o risco da atividade para o lojista.

Conclusão e implicações para o mercado

A sentença em análise serve como um importante precedente para lojistas e advogados que lidam com a problemática do chargeback indevido. Ela reforça que:

  1. O risco é da credenciadora: O risco de fraude em transações eletrônicas é intrínseco à atividade das credenciadoras de pagamento, que devem arcar com os prejuízos quando não conseguem comprovar a participação do lojista na fraude ou a legitimidade da contestação.
  2. O contraditório é essencial: A retenção ou o reembolso de valores por chargeback sem a prévia notificação e a oportunidade de defesa ao lojista configura ato ilícito e violação da boa-fé contratual.
  3. Ônus da prova: Cabe à credenciadora, como parte que detém o controle das informações e do sistema de segurança, comprovar a regularidade do chargeback e a ausência de sua responsabilidade.

Em um mercado cada vez mais digital, decisões como esta são cruciais para equilibrar a relação entre credenciadoras e lojistas, garantindo que o ônus da fraude não recaia de forma automática e injusta sobre o comerciante que agiu de boa-fé.

Gustavo Henrique de Oliveira Tigre

VIP Gustavo Henrique de Oliveira Tigre

Advogado Especialista em Direito Digital e Direito do Consumidor | Referência na proteção de E-commerces e Marketplaces

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