Tokenizar é simples. Gerar valor e liquidez é o desafio
Tokenização só produz valor quando atende demandas reais. Projetos vazios criam tokens, não mercados. O desafio é transformar tecnologia em utilidade.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado às 09:03
Tokenização é a palavra do momento. Está em congressos, entrevistas, na televisão, nas redes sociais e em uma quantidade crescente de projetos. Fala-se dela como se fosse a nova fronteira das finanças e da economia informática. De certo modo é. Afinal, essa tecnologia representa um avanço genuíno na forma como concebemos, registramos e transferimos valor. Ocorre, contudo, que o entusiasmo tomou proporções tão amplas que agora se tokeniza até o que não precisa ser tokenizado.
Afinal, tudo é tokenizável. Posso tokenizar meu carro, meus livros, minha casa, meus quadros ou até a promessa de um projeto que ainda não existe. A tecnologia permite representar praticamente qualquer ativo tangível no ambiente virtual, conferindo-lhe divisibilidade, transferibilidade e potencial de circulação econômica.
Do ponto de vista técnico, tokenizar algo é relativamente simples: basta criar um contrato inteligente em uma blockchain e emitir tokens que simbolizem determinado ativo. Há plataformas que fazem isso em poucos cliques, sem exigir conhecimento de programação. O problema é que isso não significa que exista utilidade prática ou aplicabilidade financeira.
Recentemente li notícias de um veículo sendo tokenizado e assisti a um vídeo em que um programador demonstra como é possível tokenizar o próprio imóvel em minutos. Esses exemplos naturalmente chamam atenção e despertam curiosidade, mas também evidenciam que, do ponto de vista técnico, tokenizar é trivial. Criar um contrato inteligente, emitir unidades simbólicas vinculadas a um ativo físico e disponibilizar esse token em uma blockchain é um processo simples (inclusive há plataformas que fazem isso em poucos cliques), mas isso, por si só, não significa que exista valor econômico, utilidade prática, liquidez ou qualquer aderência a problemas reais do mercado.
A questão central é que muitos desses projetos não resolvem problema algum. São iniciativas que, em grande parte, nascem do entusiasmo tecnológico, mas não da identificação de demandas concretas.
Em vez de endereçar necessidades reais, limitam-se a criar uma representação digital de um bem físico que não amplia a utilidade do ativo subjacente, não reduz custos de transação, não facilita a circulação econômica e não cria liquidez onde ela não existe. É apenas uma camada digital que não altera a realidade econômica subjacente e que, na maioria dos casos, replica de forma redundante um ativo cuja própria natureza não demanda esse tipo de estrutura.
É claro que não sou contrário à tokenização. Existem diversas aplicações úteis e verdadeiramente transformadoras em que a tecnologia resolve fricções reais, reduz custos operacionais, facilita a distribuição, aumenta a transparência e aprimora mecanismos de liquidação.
O problema não está na tecnologia em si, mas nas propostas inócuas que se apresentam como inovadoras apenas porque utilizam blockchain, sem qualquer ganho econômico, funcional ou social para quem realmente importa: o usuário.
O ecossistema de ativos virtuais já viveu sucessivas ondas de euforia com produtos que, apesar do entusiasmo inicial, não entregaram utilidade concreta. O ICO boom de 2017, no qual qualquer pessoa podia emitir um token padrão ERC-20 com uma página de internet e uma promessa vaga de "disrupção", e o ciclo DeFi e NFT de 2021, marcado por protocolos insustentáveis, rendimentos artificiais e colecionáveis digitais desprovidos de propósito econômico, são exemplos emblemáticos desse movimento. Ambos atraíram volumes expressivos de capital de curto prazo, mas acabaram reproduzindo a dinâmica típica de bolhas especulativas, com preços inflados, expectativas irreais e uma base de usuários movida mais por efeito manada do que por utilidade efetiva.
Pareciam inovadores no discurso, mas não resolviam problemas reais, não tinham demanda orgânica e não sobreviveram ao teste do tempo. A euforia inicial dissipou-se à medida que ficou claro que boa parte desses projetos não oferecia soluções práticas para fricções existentes no mercado, não apresentava sustentabilidade econômica e dependia exclusivamente de expectativa e narrativa. É o mesmo risco que ronda uma parte das iniciativas atuais de tokenização: a ideia de que o simples uso de blockchain é suficiente para criar valor, quando o valor, na realidade, depende de mercado, propósito e utilidade mensurável.
Essas propostas inócuas, movidas mais pela vontade de "mostrar tecnologia" e por autopromoção do que por necessidades reais, não podem contaminar a discussão séria que esse tema exige. O Brasil já se destaca no uso e no debate sobre ativos virtuais, e a tokenização só vai prosperar se o foco permanecer em soluções que realmente entreguem valor. Para que essa evolução aconteça, é preciso deixar de lado iniciativas vazias e concentrar energia onde a tecnologia tem impacto concreto.


