Estratégias de adaptação das áreas urbanas frente às mudanças climáticas
Cidades brasileiras precisam integrar habitação e adaptação climática, atualizando planos diretores e infraestrutura, com construção sustentável, PPPs e soluções urbanas resilientes.
quinta-feira, 27 de novembro de 2025
Atualizado em 26 de novembro de 2025 15:10
O avanço das mudanças climáticas impõe às cidades brasileiras um novo paradigma: integrar políticas habitacionais a critérios de resiliência climática, para assegurar a continuidade dos serviços, a previsibilidade operacional e o uso eficiente de recursos públicos e privados.
As tragédias recentes e a persistência de eventos climáticos extremos evidenciam a urgência de alinhar o planejamento e a infraestrutura urbana a um cenário de instabilidade climática, em um ambiente cada vez mais populoso e dinâmico.
Adotar estratégias voltadas à segurança da população e à preservação dos ativos urbanos diante das mudanças climáticas torna-se vital. Nesse contexto, o arcabouço legislativo urbanístico e imobiliário deve atuar como instrumento de prevenção, adaptação e reconstrução urbana.
Na integração entre planejamento urbano e perspectiva climática, o plano diretor municipal ocupa uma posição de destaque, ao estabelecer diretrizes para o uso do solo, mobilidade, habitação, infraestrutura e preservação ambiental. Entre os fatores a serem considerados para a adaptação a riscos climáticos estão a urbanização acelerada, a redução de áreas permeáveis e a capacidade das infraestruturas existentes, a fim de implementar as melhorias necessárias.
O art. 40, §3º da lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade) determina a revisão decenal dos planos diretores, mas dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e da Confederação Nacional dos Municípios revelam que quase metade dos municípios brasileiros não têm um plano diretor em vigor - aproximadamente 47%. Muitos dos existentes estão desatualizados, o que acaba comprometendo a capacidade das cidades de enfrentar os desafios climáticos contemporâneos.
Além disso, a vasta extensão territorial e a diversidade socioeconômica do Brasil exigem a formulação de planos diretores adaptados às realidades locais, dificultando a padronização de políticas sustentáveis.
Construção sustentável e infraestrutura adaptável
A resiliência climática das cidades está intrinsecamente ligada à adoção de práticas de construção civil sustentáveis e à adaptação proativa de sua infraestrutura urbana. Tecnologias inovadoras constituem estratégias interessantes para diminuir a produção de carbono e aumentar a autonomia energética. No entanto, a adoção dessas soluções demanda grande volume de investimentos, o que pode representar um desafio ao mercado imobiliário, se não houver políticas públicas de incentivo ou de mecanismos de financiamento adequados.
Em relação aos recursos hídricos e à adaptação da infraestrutura urbana, as cidades enfrentam grandes dificuldades em contextos extremos. Períodos de chuvas intensas podem paralisar a dinâmica urbana e causar inundações, enquanto estiagens comprometem o abastecimento de água.
O Parque Barigui, em Curitiba/PR, é um bom exemplo de política pública voltada para esse problema. Trata-se de uma área recreativa com destinação prévia para ser alagada em situações de sobrecarga do sistema de drenagem no caso de chuvas fortes. Já para os tempos de seca, a implementação de sistemas de captação de água pluvial e a utilização de água de reúso fortalecem a resiliência dos ativos imobiliários e eleva a qualidade de vida urbana.
Parcerias público-privadas como fonte de financiamento
As adaptações da infraestrutura urbana e a implementação de tecnologias sustentáveis podem ser fortemente impulsionadas por PPPs - parcerias público-privadas.
Esse tipo de contrato surge como mecanismo capaz de fornecer os recursos e a expertise necessários para enfrentar os desafios climáticos de forma mais eficaz, conciliando interesses públicos e privados. Por meio dessas parcerias, é possível viabilizar a execução de soluções habitacionais e de infraestrutura inovadoras, eficientes e adaptáveis às necessidades atuais.
As PPPs diversificam e ampliam as fontes de financiamento a projetos sustentáveis e são cruciais para revitalizar áreas urbanas vulneráveis - especialmente aquelas que carecem de infraestrutura adequada e são mais expostas a eventos climáticos extremos.
Experiências internacionais
O país ainda tem um longo caminho a percorrer no que se refere a planejamento urbano climático, apesar de já ter avançado em marcos legais, como a publicação da lei 14.904/24 e do decreto 12.041/24, que visam integrar a adaptação climática às políticas urbanas e habitacionais.
Exemplos internacionais apontam para soluções inspiradoras. Na Holanda, praças e telhados retêm água e grandes diques protegem áreas vulneráveis contra inundações e escassez hídrica.
Singapura tem investido massivamente em edifícios com jardins verticais e telhados verdes obrigatórios e na criação de parques públicos, iniciativas que contribuem para reduzir a temperatura na área urbana e melhorar a qualidade de vida da população.
Na China, o modelo de "cidade esponja" busca absorver e reutilizar a água por meio de infraestrutura verde e sistemas urbanos adaptados.
Essas experiências demonstram que a inovação e o planejamento urbanístico integrado são fundamentais para construir comunidades resilientes, adaptáveis às mudanças climáticas e alinhadas às metas globais de descarbonização.
Maria Flavia Seabra
Sócia do escritório Machado Meyer.
Gabriel M. Lima
Advogado da área de Direito Imobiliário do Machado Meyer Advogados.
Jullia Barbosa Nunes
Advogada da área de Direito Imobiliário do Machado Meyer Advogados.
Mirella F. Breviglieri
Estagiária do escritório Machado Meyer.


