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Turma recursal Federal do RJ decide: Sem aditamento, CEF não pode manter cobrança de coparticipação do FIES

Decisão da turma recursal do RJ afirma que, sem aditamento, não há contrato ativo no FIES e a CEF não pode cobrar coparticipação dos estudantes.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Atualizado em 26 de novembro de 2025 15:06

Uma decisão recente da 6ª turma recursal Federal do Rio de Janeiro1 trouxe importante esclarecimento para estudantes vinculados ao FIES: não é possível manter a cobrança de coparticipação quando não há aditamento.

A coparticipação corresponde à parte da semestralidade não financiada pelo FIES e que deve ser paga pelo estudante à universidade, por meio do boleto único do financiamento. Esse valor é definido no aditamento de renovação semestral, momento em que a universidade informa ao sistema o valor da semestralidade daquele período, permitindo que o FIES calcule quanto será financiado e qual será a parcela complementar de responsabilidade do aluno - a coparticipação.

É justamente por isso que o FIES exige que o estudante manifeste, a cada semestre, sua intenção de renovar, suspender ou encerrar o financiamento - sempre por meio dos aditamentos correspondentes, sujeitos à validação da CPSA - Comissão Permanente de Supervisão e Acompanhamento da IES - instituição de ensino superior.

Sem essa manifestação formal - e sem a validação da CPSA - o contrato não pode ser considerado ativo, e não é juridicamente possível gerar novas cobranças de coparticipação como se tivesse havido renovação. Afinal, sem aditamento não existe semestralidade contratada, e sem semestralidade contratada não existe coparticipação a ser cobrada.

O caso analisado pela turma recursal

No processo, uma estudante de medicina veterinária financiada pelo Novo FIES deixou de realizar qualquer aditamento - seja de renovação, suspensão ou encerramento - após o término do primeiro semestre financiado e, logo em seguida, trancou sua matrícula na universidade. Apesar disso, a CEF - Caixa Econômica Federal continuou lançando cobranças de coparticipação, como se o financiamento estivesse regularmente renovado.

A 6ª turma recursal foi categórica: na ausência de aditamento e, naquele caso específico, diante também da inadimplência de parcelas anteriores e do trancamento da matrícula, o contrato não poderia permanecer em funcionamento pelo agente operador - gerando cobranças de coparticipação - em afronta ao que dispõem a portaria MEC 209/18, que regulamenta o Novo FIES, e as cláusulas contratuais do financiamento.

A cláusula 14ª do contrato, por exemplo, previa o encerramento antecipado do financiamento quando configuradas situações como: (i) não aditamento no prazo regulamentar; (ii) perda da condição de estudante regularmente matriculado; e (iii) descumprimento de obrigações contratuais.

Todas essas causas estavam presentes no caso concreto, como registrou a própria decisão da turma recursal:

"Seja pela ausência de aditamento pela interessada ou pela inadimplência da coparticipação no 2º semestre de 2022 ou, ainda, pelo trancamento da matrícula em fevereiro/2023, tem-se que a CEF, na condição de agente operador, deveria ter promovido a suspensão do contrato de financiamento"

Além disso, as causas que impedem a continuidade do financiamento estão expressamente previstas no art. 62 da portaria MEC 209/18. Já os arts. 84 e 93 do mesmo ato normativo atribuem diretamente à CEF, enquanto agente operador, o dever de suspender ou encerrar o financiamento sempre que identificadas situações impeditivas.

Diante desse conjunto normativo, a CEF não poderia ter mantido a cobrança de coparticipação, pois o financiamento não estava aditado, não havia prestação educacional e incidiam causas formais de impedimento2.

Dever de fiscalização do agente operador e da IES

A decisão enfatiza que a regularidade do contrato não é responsabilidade exclusiva do estudante. Apesar de ser recomendável que o aluno formalize a suspensão ou o encerramento quando não desejar mais prosseguir com o FIES, a CEF, enquanto agente operador, e a IES não podem permanecer inertes, como destacou a turma recursal:

"Não se ignora que, idealmente, competiria à estudante solicitar a rescisão antecipada do contrato ou a sua suspensão, quando não mais pretendesse utilizá-lo, o que não foi feito pela autora. Ainda assim, o instrumento contratual e os regulamentos do MEC também conferem ao agente operador e à IES obrigações pela constante vigilância do correto aproveitamento do financiamento, de modo que não se pode ignorar que as rés se omitiram injustificadamente."

Como o FIES é política pública financiada com recursos do erário, a CEF e as instituições de ensino possuem dever de supervisão ativa. Assim, quando tomam conhecimento de que, por exemplo, não houve aditamento, a matrícula foi trancada e não há prestação acadêmica, devem providenciar a suspensão do contrato de imediato, evitando o surgimento de cobranças ilegítimas.

No caso concreto, tanto a IES quanto a estudante informaram à CEF a ausência de aditamento e o trancamento da matrícula. Mesmo assim, a cobrança continuou - o que levou a turma recursal a reconhecer falha na fiscalização. Por esse motivo, declarou inexistentes todas as cobranças de coparticipação posteriores ao momento em que: (i) o contrato deixou de ser aditado; e (ii) a estudante perdeu a condição de regularmente matriculada.

A decisão reforça que não há espaço para cobrança de coparticipação em semestres sem renovação contratual, garantindo segurança jurídica aos estudantes e prevenindo distorções na execução do FIES.

Um precedente importante para o funcionamento regular do FIES

O acórdão da 6ª turma recursal do Rio de Janeiro apresenta um entendimento relevante que pode auxiliar muitos estudantes que enfrentam situação semelhante e buscam regularizar sua relação com o FIES. O financiamento estudantil depende de aditamento expresso; sem matrícula ativa e sem renovação contratual, não há base legal para cobrança de coparticipação no boleto único gerado pela CEF.

A CEF, enquanto agente operador, e a IES, enquanto participante do programa, possuem dever institucional de fiscalização, devendo agir preventivamente para evitar cobranças indevidas. O FIES, por manejar recursos públicos, exige rigor de controle: não cabe às entidades operadoras transferirem ao aluno o ônus de sua própria omissão na supervisão do contrato.

Além disso, a cobrança de coparticipação não se sustenta sem qualquer base contratual de renovação. Como demonstrado, a coparticipação depende de uma semestralidade previamente contratada no âmbito do FIES - elemento que só se constitui no aditamento. É nesse momento que a IES informa o valor da semestralidade e o sistema define o que será financiado e qual parte caberá ao estudante complementar.

Sem aditamento: (i) não há semestralidade informada; (i) não há financiamento aprovado; e, portanto, (iii) não há qualquer valor a ser "coparticipado" pelo estudante.

A lógica é direta: a coparticipação é a parte da semestralidade que não foi financiada pelo FIES. Se não existe semestralidade financiada, porque não houve aditamento, não existe parcela a ser complementada.

E mais: o art. 68, parágrafo único, da portaria MEC 209/18 confirma expressamente essa lógica ao prever que, caso não ocorra o aditamento e ainda assim haja prestação de serviços educacionais, a IES poderá cobrar diretamente do aluno o valor integral da semestralidade, por via própria, fora do sistema do FIES3.

Ou seja, o normativo é claro ao estabelecer que a ausência de aditamento impede qualquer cobrança de coparticipação pela CEF por meio do boleto único. Se o semestre não foi aditado, a cobrança - caso haja prestação de serviços - deve ser direta entre aluno e IES, e não por meio do boleto único do FIES, porque simplesmente não há operação de financiamento naquele período.

Permitir a cobrança de coparticipação pela CEF em semestres não aditados carece de amparo jurídico e viola a estrutura normativa do programa. Vale lembrar que a coparticipação não é recurso público, nem constitui crédito do FIES. Conforme o art. 4º, § 14, da lei 10.260/01, os valores são repassados diretamente à instituição de ensino em até dois dias úteis após a compensação bancária. Cobrar coparticipação quando não houve financiamento aprovado implica na transferência de recursos privados do estudante para a IES sem contrato válido, sem aditamento, sem prestação financiada e sem respaldo legal, configurando enriquecimento sem causa, nos termos dos arts. 884 a 886 do CC.

Conclusão

O entendimento firmado pela 6ª turma recursal Federal do Rio de Janeiro reafirma a arquitetura jurídica do FIES: sem aditamento de renovação, não há contrato ativo; sem contrato ativo, não há semestralidade financiada; e sem semestralidade financiada, não há coparticipação possível.

Ao reconhecer a irregularidade das cobranças e exigir que o agente operador cumpra seu dever legal de suspender ou encerrar o financiamento diante das causas impeditivas, o acórdão corrige uma distorção concreta, fortalece a integridade do programa, garante segurança jurídica aos estudantes e evita que valores privados sejam indevidamente transferidos às instituições de ensino.

Trata-se de um precedente relevante, que reforça a necessidade de observância rigorosa das regras do FIES e protege o aluno de cobranças sem qualquer respaldo jurídico.

____________________________

1 TRF2, 6ª Turma Recursal do Rio de Janeiro, Recurso Inominado nº 5011154-04.2023.4.02.5117, Rel. Juíza Federal Vivian Machado Siqueira, julgado em 30.07.2025.

2 A jurisprudência também revela que, diante de causas que impedem a manutenção do financiamento, o Contrato do Fies deve ser suspenso ou encerrado tacitamente pelo Agente Operador - a CEF: "B. Efeito da perda do prazo para o aditamento do FIES. Diante da premissa da ausência de formalização do aditamento não simplificado ao contrato do FIES, por culpa exclusiva da estudante (apelada), cumpre analisar suas consequências contratuais. O artigo 72 da Portaria n. 209/2018 MEC dispõe que "a solicitação de aditamento será cancelada automaticamente por decurso do prazo estabelecido para confirmação do aditamento pelo estudante ou para formalização do aditamento no agente financeiro". Esse instrumento normativo prevê também a possibilidade de prorrogação dos prazos (art. 69), sobrestamento por irregularidade cadastral (art. 73) e nova solicitação de aditamento (art. 74), entre outras. Já o contrato de financiamento informa o seguinte: CLÁUSULA OITAVA [...] Parágrafo Segundo - O Contrato não renovado no prazo regulamentar poderá, conforme o caso, ter o seu período de utilização suspenso ou encerrado, na forma estabelecida neste Contrato e no normativos FIES. [...] CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA - DO ENCERRAMENTO ANTECIPADO POR INICIATIVA DO AGENTE OPERADOR DO FIES - O encerramento tácito do período de utilização do financiamento pelo Agente Operador poderá ser realizado a qualquer tempo caso ocorra alguma das seguintes situações: [...] IV - o não aditamento do Contrato de financiamento nos prazos regulamentares, ressalvado o disposto no Parágrafo Segundo da Cláusula Oitava;" (TJDFT, 2ª Turma Cível, Apelação Cível nº 0719785-29.2023.8.07.0001, Rel. Des. Fernando Antonio Tavernard Lima, julgado em 31.07.2024, publicado em 06.08.2024). Nesse sentido, ver também: TRF3, 4ª Turma Recursal de São Paulo, Recurso Inominado Cível nº 0080193-57.2021.4.03.6301, Rel. Juiz Federal Dr. Rodrigo Zacharias, julgado em 24.11.2023, publicado em 30.11.2023; TRF4, 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, Recurso Cível nº 5001187-03.2020.4.04.7115, Rel. Juíza Federal Dra. Joane Unfer Calderaro, julgado em 26.03.2021; e TRF3, 11ª Turma Recursal de São Paulo, Recurso Inominado Cível nº 5006699-34.2022.4.03.6303, Rel. Juíza Federal Maira Felipe Lourenço, julgado em 28.03.2025, publicado em 04.04.2025.

3 Nesse sentido, cabe transcrever o seguinte trecho de decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT: "No documento do Sistema Pedagógico Financeiro-SPF de protocolos do aluno mantido pela instituição de ensino, consta "SUSPENSÃO DO FIES" "DEFERIDO" em 14 de dezembro de 2018. O artigo 62 da Portaria 209/2018-MEC estabelece que o não aditamento do contrato de financiamento nos prazos regulamentares constitui impedimento à manutenção do financiamento na modalidade Fies. No mais, importante destacar os termos do parágrafo único do artigo 68, que diz: Art. 68. É vedado às IES participantes do financiamento na modalidade Fies exigir o pagamento de matrícula e de encargos educacionais referentes ao semestre de renovação do financiamento. Parágrafo único. Caso o estudante não efetue o aditamento de renovação semestral no prazo regulamentar, será permitida a cobrança da matrícula e das parcelas vencidas da (s) semestralidade (s) referente (s) ao (s) semestre (s) não aditado (s), ressalvado o disposto no art. 107 desta Portaria. Desse modo, é de se concluir que a recorrida não era beneficiária do FIES no ensino superior cursado no segundo semestre de 2018 da instituição educacional recorrente, o que atrai a incidência da relação jurídica existente no contrato de prestação de serviços educacionais celebrado entre as partes (id 56803212)." (TJDFT, 2ª Turma Cível, Apelação Cível nº 0719785-29.2023.8.07.0001, Rel. Des. Fernando Antonio Tavernard Lima, julgado em 31.07.2024, publicado em 06.08.2024).

Harife Eugenio

Harife Eugenio

Sócio - Eizirik Advogados. Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor - CEPED/UERJ.

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