Inventário com testamento e o impasse entre CNJ e CGJ/SP
O texto examina o conflito entre o item 130.1 das NSCGJ/SP e o art. 12-B, V da resolução CNJ 571/24, destacando os reflexos práticos do impasse sobre o inventário extrajudicial com testamento.
sexta-feira, 28 de novembro de 2025
Atualizado às 10:30
1. Introdução
O advento da lei 11.441/07 inaugurou no Brasil a possibilidade de se realizar inventário, partilha, separação e divórcio pela via administrativa, por meio de escritura pública lavrada em cartório de notas. A resolução 35/07 do CNJ regulamentou a matéria em âmbito nacional, consolidando um movimento de desjudicialização que buscava dar celeridade e efetividade à tutela patrimonial.
Entretanto, a ampliação desse espaço extrajudicial sempre encontrou resistências, sobretudo nos casos de maior complexidade, como aqueles que envolvem testamento ou herdeiros incapazes. A resolução 571/24 do CNJ inovou ao admitir hipóteses mais amplas de inventário extrajudicial, inclusive em situações antes restritivas, o que gerou conflito direto com as NSCGJ/SP - Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, especialmente com o item 130.1 do Capítulo XVI.
2. O regime paulista: Item 130.1 das NSCGJ/SP
O dispositivo paulista prevê:
"Poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, também, nos casos de testamento revogado ou caduco, ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento, observadas a capacidade e a concordância dos herdeiros."
A norma restringe as hipóteses em que o inventário pode ocorrer pela via extrajudicial: ineficácia superveniente (revogado ou caduco) ou invalidade reconhecida por decisão judicial transitada em julgado. Não contempla, por exemplo, o rompimento do testamento.
3. A disciplina nacional: Art. 12-B, V da resolução CNJ 571/24
O novo art. 12-B, V dispõe:
"Nos casos de testamento invalidado, revogado, rompido ou caduco, a invalidade ou ineficácia tenha sido reconhecida por sentença judicial transitada em julgado na ação de abertura e cumprimento de testamento."
Aqui, a abordagem é mais abrangente e detalhada: inclui invalidade em termos amplos; prevê todas as formas de ineficácia (revogado, caduco, rompido); e vincula expressamente a decisão à ação de abertura e cumprimento de testamento.
4. Invalidade x ineficácia: Distinção necessária
A distinção é essencial para a crítica:
- Invalidade - Vício originário: o ato nasce inválido (nulidade ou anulabilidade). Ex.: ausência de requisitos formais, incapacidade absoluta do testador (CC, arts. 1.857-1.896).
- Ineficácia - Ato válido que não produz efeitos por circunstância superveniente. Exemplos:
- Revogado pelo testador;
- Caduco (instituído faleceu antes do testador);
- Rompido (nascimento de herdeiro necessário não contemplado).
Enquanto a NSCGJ/SP só admite revogação, caducidade e invalidade judicial, a resolução 571/24 abarca também o rompimento, fechando o círculo das hipóteses de ineficácia testamentária.
5. O conflito normativo
- NSCGJ/SP (130.1) Restritiva: só admite revogado, caduco e invalidade judicial.
- CNJ (12-B, V) Ampliativa: inclui invalidade, revogação, caducidade e rompimento, exigindo decisão judicial específica.
Trata-se de um conflito direto: o CNJ busca uniformizar e ampliar; a CGJ/SP mantém postura restritiva.
6. Reflexos práticos e jurisprudenciais
- O STJ já decidiu que a simples existência de testamento não impede o inventário extrajudicial, desde que todos os herdeiros sejam capazes e concordes (REsp 1.951.456/SP, relator ministro Moura Ribeiro, 3ª turma, j. 22/11/22).
- Em SP, o provimento CGJ/SP 37/16 já havia autorizado o inventário extrajudicial com testamento, desde que com autorização judicial.
- A resolução conjunta PGJ-CGMP 1.919/24 disciplinou a manifestação do Ministério Público em inventários extrajudiciais com incapazes, sinalizando a adaptação paulista às diretrizes do CNJ.
Na prática, portanto, há movimento de flexibilização, mas ainda marcado por insegurança normativa para o tabelião paulista.
7. Conclusão crítica
O confronto entre o item 130.1 das NSCGJ/SP e o art. 12-B, V da resolução 571/24 revela a tensão entre a uniformização nacional do CNJ e a resistência local da CGJ/SP.
Enquanto não houver atualização das NSCGJ/SP, o notário paulista se vê em uma zona de insegurança normativa: se aplicar a resolução 571, corre risco de responsabilização disciplinar local; se aplicar apenas as normas paulistas, pode frustrar o movimento de desjudicialização e ser acusado de resistência ao CNJ.
Síntese: o conflito normativo exige harmonização urgente, seja por provimento da CGJ/SP, seja por intervenção direta do CNJ. A superação desse impasse é essencial para assegurar segurança jurídica aos notários e efetividade à política de desjudicialização no Direito Sucessório.
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Código Civil, arts. 1.857-1.896.
Lei nº 11.441/2007.
Resolução CNJ nº 35/2007.
Resolução CNJ nº 571/2024, art. 12-B, V.
NSCGJ/SP, Cap. XVI, item 130.1.
Provimento CGJ/SP nº 37/2016.
Resolução Conjunta PGJ-CGMP nº 1.919/2024.
STJ, REsp 1.951.456/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 22/11/2022.
Doutrina: Alexsandro Trindade, Jussara Modaneze, Carlos Elias, Rita Bervig, Gustavo Canheu.


