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Quando a atividade empresarial vira crime

Quando a atividade empresarial vira crime? A expansão do Direito Penal Econômico e seus perigos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Atualizado às 11:34

Nos últimos anos, empresários, contadores, gestores e até profissionais liberais têm convivido com um fenômeno silencioso, mas extremamente relevante: a fronteira entre o lícito e o ilícito nunca esteve tão fina. Atos que antes pertenciam ao cotidiano empresarial como movimentações financeiras, reestruturações societárias, operações de crédito, reorganizações contábeis e até estratégias fiscais - passaram a ser observados sob a lente do Direito Penal Econômico.

A pergunta que inquieta o mercado é direta:

Até onde vai a responsabilidade penal e onde começa o abuso do Estado?

1. Um novo Direito Penal: Mais amplo, mais complexo e mais invasivo

O Direito Penal Econômico, no discurso institucional, surgiu para combater crimes graves como corrupção, lavagem de dinheiro, fraudes financeiras e organizações criminosas. Entretanto, a realidade mostrou algo mais sensível: o sistema se expandiu para alcançar condutas que não envolvem violência, não causam dano concreto e, muitas vezes, decorrem apenas de interpretações técnicas divergentes.

Isso gera três efeitos preocupantes:

  • Profissionais agindo com medo de errar;
  • Criminalização de decisões empresariais legítimas;
  • Uso do processo penal como instrumento de pressão regulatória.

2. O problema da criminalização por interpretação

O ordenamento brasileiro adota o civil law, no qual a lei deveria oferecer segurança e previsibilidade. Contudo, no contexto econômico, temos assistido ao oposto:

  • Normas abertas,
  • Conceitos indeterminados,
  • Leis sobrepostas,
  • Agências reguladoras interpretando regras de forma autônoma,
  • Órgãos de controle e Ministério Público ampliando o alcance das normas penais.

Esse ambiente cria o chamado risco proibido artificial, no qual a pessoa não sabe exatamente qual conduta é permitida - mas pode ser responsabilizada por ela.

3. Da infração administrativa ao crime

Um dos fenômenos mais perigosos da atualidade é a transmutação automática de irregularidades administrativas - normalmente puníveis com multa, advertência ou sanção regulatória - em acusações criminais.

O resultado?

  • Erros contábeis viram lavagem de dinheiro;
  • Falhas de compliance tornam-se participação em organização criminosa;
  • Descumprimentos contratuais passam a ser tidos como estelionato;
  • Divergências com BACEN, SUSEP, ANEEL, ANM, ANATEL, CVM ou COAF transformam-se em persecução penal.

Isso rompe com a ideia central do Direito Penal: punir apenas condutas graves, que lesem concretamente um bem jurídico relevante.

4. O empresário na mira: Culpa invertida e presunção de risco

O sistema passou a tratar o gestor como alguém que deve provar constantemente que é inocente, que agiu corretamente e que conhecia a legislação - ainda que esta seja:

  • Técnica,
  • Fragmentada,
  • Mutável,
  • E muitas vezes contraditória.

Essa inversão fere a Constituição, viola a presunção de inocência e transforma a atividade econômica em uma arena de insegurança jurídica permanente.

5. Segurança jurídica não é privilégio: É condição para investimento

Nenhum país cresce quando:

  • Empresários evitam inovar com medo do juiz penal,
  • Investidores fogem da instabilidade normativa,
  • Órgãos fiscalizadores disputam espaço punitivo,
  • E o Estado prefere criminalizar antes de educar, regular e orientar.

A economia precisa de confiança. Sem ela, o mercado trava e quem perde é a sociedade.

Expansão sem freio não é política pública é risco sistêmico

A atuação penal deve ser:

  • Última ratio,
  • Proporcional,
  • Previsível,
  • Fundada em lesividade real.

Quando o sistema passa a criminalizar decisões empresariais típicas, tecnicamente discutíveis e desprovidas de dolo, ele deixa de proteger a ordem econômica e passa a ameaçá-la.

O Estado moderno não pode ser um caçador de empresários e sim um estruturador de condições para que a economia floresça de forma ética, sustentável e segura.

Paulo Marcos de Moraes

VIP Paulo Marcos de Moraes

Advogado especialista em Direito Penal Econômico, Mestre em Criminologia pela Universidad de la Empresa - UDE (Uruguai) e LL.M. em Direito Penal Econômico IDP

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