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Expansão do Direito Penal Econômico

A criminalização da atividade empresarial na era da expansão do Direito Penal Econômico: Por que empresários, contadores, advogados e gestores precisam entender esses riscos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:38

A criminalização da atividade empresarial na era da expansão do Direito Penal Econômico: por que empresários, contadores, advogados e gestores precisam entender esses riscos

Nos últimos anos, o Brasil vive um fenômeno silencioso, porém muito perigoso: a expansão do Direito Penal Econômico em direção a práticas empresariais comuns, muitas vezes confundindo erros administrativos, decisões de gestão ou movimentações financeiras rotineiras com verdadeiras condutas criminosas.

Essa expansão gera insegurança jurídica, aumenta o risco para empreendedores e profissionais, e pode transformar situações corriqueiras do dia a dia empresarial em graves acusações criminais, como lavagem de dinheiro, organização criminosa, fraude financeira e outras imputações.

Por isso, este artigo explica - de forma clara e didática - quando existe crime e quando não existe, com base na ciência jurídica e na jurisprudência dos tribunais superiores.

1. O que é "criminalização da atividade empresarial"?

É o fenômeno em que atos normais de gestão, comuns em qualquer empresa, passam a ser vistos como suspeitos ou até mesmo criminosos.

Isso acontece quando:

  • Autoridades interpretam de forma exagerada normas penais;
  • Órgãos de fiscalização querem atribuir responsabilidade penal por qualquer irregularidade;
  • Investigações confundem falhas administrativas com crimes;
  • O Ministério Público transforma problemas internos em acusações de ocultação ou fraude.

Exemplos reais do dia a dia:

  • Um empresário reinveste dinheiro na própria empresa - acusado de "lavar dinheiro".
  • Um contador registra despesas ordinárias - acusado de "simular contabilidade".
  • Um advogado recebe honorários - suspeita de "recebimento de valor ilícito".
  • Uma empresa faz empréstimo entre sócios - investigação por "interposição de pessoas".
  • Uma gestão de risco é mal interpretada - vista como "operação suspeita".

Essas situações, se mal analisadas, colocam pessoas honestas no centro de investigações graves.

2. De onde vem esse problema? A resposta: Do alargamento do Direito Penal Econômico

Com a modernização das leis econômicas - especialmente a lei de lavagem de dinheiro - surgiram diversos tipos penais muito amplos, que dão grande margem de interpretação para:

  • Policiais;
  • Promotores;
  • Juízes;
  • E órgãos de controle.

Esses crimes possuem verbos muito simples, como "adquirir", "movimentar", "guardar", "utilizar".

Se interpretados sem cuidado, praticamente qualquer operação empresarial pode se encaixar ali.

Por isso é essencial entender o limite entre:

  • O que é crime
  • E o que é prática empresarial normal

3. O que realmente é lavagem de dinheiro - e o que não é

Muitas pessoas acreditam que qualquer uso de dinheiro de origem duvidosa já é lavagem.

Isso é falso.

A lei e os tribunais exigem algo indispensável:

Só existe lavagem quando há intenção de esconder ou disfarçar a origem do dinheiro.

Sem essa finalidade, não existe crime.

O que não é lavagem:

  • Pagar contas pessoais;
  • Comprar produtos;
  • Movimentar dinheiro entre contas próprias;
  • Pagar fornecedores;
  • Registrar contabilidade;
  • Fazer empréstimos entre sócios;
  • Receber honorários ou pagamentos profissionais;
  • Realizar operações bancárias comuns.

Tudo isso é atividade normal, e não crime.

O que é lavagem:

  • Criar empresa de fachada;
  • Registrar contratos falsos;
  • Usar laranjas;
  • Misturar dinheiro ilícito com legal para esconder a origem;
  • Fazer operações sem sentido econômico;
  • Tentar mascarar valores de forma intencional.

Assim, o que separa a conduta lícita da ilícita não é o movimento financeiro em si, mas o propósito de enganar, de ocultar.

4. Tipicidade material: Quando a conduta realmente vira crime

"Tipicidade material" parece difícil, mas significa algo simples:

O Direito Penal só pode punir condutas que causam dano real ou risco concreto ao bem jurídico protegido.

Ou seja:

  • Se a operação é transparente - não há crime.
  • Se a movimentação é rastreável - não há crime.
  • Se o ato é normal na vida empresarial - não há crime.
  • Se não houve tentativa de esconder nada - não há crime.

Exemplo prático:

Uma empresa faz pagamentos para fornecedores normalmente, mas uma das pessoas envolvidas no negócio é investigada por outro crime.

Se os pagamentos são reais, rastreáveis e coerentes, não há lavagem, nem participação criminosa.

O Direito Penal não pode ser usado para punir rotina empresarial.

5. Imputação objetiva: O que é "risco proibido" e por que isso protege empresas

A imputação objetiva responde à pergunta:

A conduta criou um risco proibido ou apenas um risco normal da vida empresarial?

Riscos permitidos:

  • Emitir notas fiscais;
  • Escriturar livros contábeis;
  • Pagar fornecedores;
  • Fazer transferências comuns;
  • Administrar recursos da empresa;
  • Cumprir ordens de órgãos reguladores;
  • Atuar profissionalmente (advogados, contadores, administradores, bancários).

Nada disso é crime.

Riscos proibidos:

(sim, agora sim existe possibilidade de crime)

  • Abrir empresa fictícia para esconder valores;
  • Realizar operações financeiras circulares sem lógica econômica;
  • Criar contratos simulados;
  • Usar terceiros apenas para ocultar o verdadeiro dono;
  • Estruturar a movimentação para evitar controles.

Somente quando existe essa opacidade intencional é que surge a possibilidade de responsabilidade penal.

6. Atos neutros: O sistema empresarial não pode ser tratado como crime por natureza

A teoria dos atos neutros explica que comportamentos:

  • Usuais,
  • Necessários,
  • Profissionais,
  • Econômicos,
  • Eocialmente adequados,

Não podem ser transformados em crime, mesmo se ligados indiretamente a alguém investigado.

Exemplos:

  • Um advogado que protocola petições - ato neutro.
  • Um contador que registra e organiza informações - ato neutro.
  • Um gerente que faz pagamentos legítimos - ato neutro.
  • Um bancário que executa transferências autorizadas - ato neutro.

Apenas se essas pessoas atuam com intenção de ocultar é que existe crime.

7. Os efeitos nocivos da expansão punitiva sobre empresas e profissionais

Quando condutas lícitas são confundidas com crimes:

(1) Empresários ficam com medo de investir

Se qualquer falha pode virar "lavagem", ninguém arrisca.

(2) Contadores e advogados ficam vulneráveis a acusações injustas

A criminalização do exercício profissional desestrutura todo o sistema.

(3) A economia perde eficiência e competitividade

Empresas passam a funcionar sob pânico, não sob estratégia.

(4) Cria-se um ambiente de terror regulatório

A insegurança jurídica passa a ser maior que a insegurança econômica.

Em última análise, isso prejudica.

  • O empreendedor;
  • O profissional;
  • O trabalhador;
  • A economia;
  • E o próprio Estado.

8. Conclusão: Combater o crime sim - criminalizar a economia, jamais

É possível - e necessário - combater crimes financeiros, corrupção e esquemas de lavagem de dinheiro.

Mas isso não pode significar:

  • Punir empresários honestos;
  • Criminalizar rotinas contábeis;
  • Perseguir decisões de gestão;
  • Transformar advogados e contadores em suspeitos automáticos;
  • Tratar o mercado como ambiente criminoso.

O Direito Penal deve punir opacidade deliberada, não atividade econômica normal.

A linha divisória é clara:

  • Existe crime quando há intenção de esconder ou dissimular.
  • Não existe crime quando há apenas movimentação comum, profissional, necessária ou rastreável.

O desafio do século XXI é proteger o Estado de Direito sem sufocar a economia.

E isso só é possível quando aplicamos o Direito Penal com técnica, proporcionalidade e responsabilidade - nunca com exagero.

Paulo Marcos de Moraes

VIP Paulo Marcos de Moraes

Advogado especialista em Direito Penal Econômico, Mestre em Criminologia pela Universidad de la Empresa - UDE (Uruguai) e LL.M. em Direito Penal Econômico IDP

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