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O futuro da judicialização do SUS no Brasil: Tendências e desafios

Este artigo tem o escopo de discutir a qualificação da ações judiciais referentes à saúde e a necessidade do SUS em se aprimorar tecnologicamente no decorrer dos anos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Atualizado às 11:30

1. Introdução

A judicialização da saúde, longe de ser um evento ocasional, tornou-se uma dinâmica reveladora das tensões entre demandas sociais crescentes e limites estruturais do SUS. Decorrente da garantia constitucional do art. 196 da Constituição Federal, esse movimento atinge tanto medicamentos de alto custo quanto tratamentos, internações e procedimentos básicos.

O futuro da judicialização depende da evolução conjunta de três fatores: (i) transformações normativas; (ii) mudanças estruturais no SUS; e (iii) posicionamentos jurisprudenciais que busquem equilibrar acesso individual e sustentabilidade coletiva.

2. A judicialização da saúde como fenômeno estrutural

A literatura jurídica contemporânea (Sarlet, Barroso, Ventura, Piovesan) reconhece que a judicialização se tornou um fenômeno estrutural e permanente, não excepcional. Isso decorre de fatores como:

  • expansão do conhecimento da população sobre seus direitos;
  • insuficiências do Estado em fornecer medicamentos e serviços;
  • demora na incorporação tecnológica pelo SUS;
  • forte influência da indústria farmacêutica;
  • ausência de protocolos clínicos atualizados.

Nos tribunais, observa-se aumento constante de ações individuais, coletivas e IRDR - incidentes de resolução de demandas repetitivas envolvendo temas de saúde.

A falta de recursos e de um planejamento adequado do SUS, somado aos avanços tecnológicos da informação, sobrecarregam o Poder Judiciário, em ações judiciais que poderiam facilmente serem resolvidas na esfera administrativa.

3. Evolução jurisprudencial e impacto no futuro

A jurisprudência recente do STF e do STJ aponta para um futuro de racionalização, não de redução, da judicialização:

3.1 STF

  • Tema 500 (RE 657.718): fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS - fixou requisitos estritos (comprovação de eficácia, incapacidade financeira e ausência de substituto).
  • STF - Suspensão de Tutela: cuidado com ordens judiciais que impactam significativamente o orçamento.
  • ADPF 754 e ADI sobre incorporação tecnológica: tendência a fortalecer a CONITEC como órgão técnico.

3.2 STJ

  • Tema 106: fornecimento de medicamentos não registrados na Anvisa.
  • Tema 793 (Terapias experimentais): exigência de comprovação científica.

Essas decisões apontam para critérios mais rígidos, mas não limitadores absolutos. O futuro será de judicialização tecnicamente qualificada.

Todavia, essa qualificação técnica das ações judiciais dependerá, quase que exclusivamente, de um avanço do Poder Público no que se refere a gestão da saúde e avanço significativo em tecnologia para o fornecimento mais adequado dos serviços.

4. Fatores que moldarão o futuro da judicialização da saúde

4.1. Avanços tecnológicos e medicina de alta complexidade

O crescimento de terapias de alto custo (como CAR-T cell, medicamentos biológicos e gênicos) aumentará litígios, pois o SUS não consegue incorporar rapidamente tecnologias que custam milhões de reais por paciente.

Nesta esteira, com o surgimento de novas tecnologias de tratamento, pode-se ter um aumento de ações judiciais, que serão contidas através da modernização do Sistema Único de Saúde.

4.2. Envelhecimento populacional

O Brasil envelhece aceleradamente, o que significa aumento de doenças crônicas e maior demanda judicial por:

  • home care;
  • internações prolongadas;
  • próteses e órteses;
  • tratamentos contínuos.

A estruturação da atuação do SUS precisa se iniciar na melhor entrega de uma saúde primária a esta população, para evitar problemas crônicos que acompanham o envelhecimento populacional.

4.3. Expansão de litígios coletivos

Tende a haver substituição gradual de ações individuais por ações estruturantes e coletivas do Ministério Público, Defensoria e associações.

Isso tornará a judicialização um instrumento de correção sistêmica, e não apenas de casos isolados.

Esta tendencia encontra amparo na necessidade de se exigir uma melhor prestação de saúde à população de um modo em geral.

4.4. Fortalecimento do CNJ e dos NAT-Jus

O futuro da judicialização passa por:

  • Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-Jus);
  • Base Nacional de Pareceres (e-NatJus);
  • Notas técnicas obrigatórias para magistrados.

Esses elementos reduzem decisões baseadas apenas em prova unilateral. Trazendo uma uniformização e uma segurança jurídica para todos os jurisdicionados.

4.5. Inteligência artificial e gestão judicial

O Judiciário tende a adotar IA para:

  • identificar demandas repetitivas;
  • padronizar decisões;
  • cruzar dados sobre medicamentos e eficácia;
  • monitorar ordens judiciais que impactam o orçamento público.

5. Perspectivas para o Sistema Único de Saúde

Do lado do SUS, três movimentos são decisivos:

5.1. Ampliação da incorporação tecnológica

A CONITEC deve acelerar processos de análise de novas tecnologias. O futuro é de maior transparência e participação social. Além disso, deve-se ter uma melhor distribuição nas atividades, principalmente na saúde primaria.

A saúde primaria bem aplicada à população, pode gerar economia significativa para a Administração Pública e qualificar, tecnicamente, as demandas judicias.

5.2. Planejamento orçamentário judicial

União, Estados e municípios precisarão criar:

  • fundos específicos para ordens judiciais;
  • comissões de avaliação;
  • relatórios públicos de impacto judicial.

As ordens judiciais referentes à saúde ainda causam grandes transtornos ao Poder Público, justamente pela falta de planejamento orçamentário para as despesas.

5.3. Protocolos clínicos dinâmicos

Protocolos desatualizados geram judicialização. O futuro exige atualização contínua conforme novas evidências científicas. Cabe ao SUS, uma reestruturação das práticas relativas à saúde, trazendo tecnologia e modernização procedimental, de forma escalonada e permanente.

6. O futuro: Menos volume, mais qualidade

A tendência não é redução da judicialização, mas sim transformação qualitativa:

  • ações individuais? ações coletivas e estruturais;
  • decisões sem base técnica? decisões apoiadas por pareceres científicos;
  • pedidos aleatórios? pedidos dentro de protocolos e diretrizes clínicas;
  • protagonismo dos advogados? protagonismo compartilhado com peritos e especialistas em saúde.

A advocacia em direito médico, especialmente na judicialização do SUS, exigirá:

  • conhecimento técnico-médico básico;
  • domínio de farmacoeconomia;
  • análise crítica de evidências científicas;
  • argumentação com base em custo-efetividade.

7. Conclusão

A judicialização da saúde continuará sendo uma ferramenta fundamental de realização do direito social à saúde, mas passa por um processo de sofisticação técnica e jurídica. Não haverá retrocesso; haverá evolução.

O futuro aponta para:

  1. maior integração entre Judiciário e SUS;
  2. decisões baseadas em evidência científica;
  3. ampliação da atuação coletiva;
  4. responsabilização administrativa dos gestores;
  5. reforço de órgãos técnicos como a CONITEC e NAT-Jus;
  6. uso intensivo de tecnologia e IA.

O desafio central será equilibrar a concretização do direito fundamental à saúde com a sustentabilidade financeira do SUS, sem permitir que o indivíduo seja sacrificado em nome do coletivo - ou vice-versa.

_______

Referências

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a judicialização da vida. São Paulo: Saraiva, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 566471/RS. Tema 500.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 106.

CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números - Seção Saúde. Brasília, 2024.

SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana. Direito Fundamental à Saúde. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021.

VENTURA, Miriam; BARATA, Rita; et al. Judicialização da Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2022.

APOSTILA, Inicio e fim da vida. ALBERT EINSTEN Ensino e Pesquisa. 

Tacito Alexandre de Carvalho e Silva

VIP Tacito Alexandre de Carvalho e Silva

Advogado. Pós graduado em Processo Civil. Pós graduado em Direito Médico pelo instituto Albert Einstein. Professor de Processo Civil (Faculdade São Paulo). Procurador M 2009/2016. Vereador 2021/2024.

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