MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A OAB e a democracia constitucional - Os presidentes entre 1989 e os dias atuais

A OAB e a democracia constitucional - Os presidentes entre 1989 e os dias atuais

OAB, ao longo de 95 anos, evoluiu de trincheira contra o arbítrio a guardiã da Constituição, defendendo prerrogativas, direitos e a democracia.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Atualizado em 1 de dezembro de 2025 16:03

Com a promulgação da CF/88, a OAB deixou de lutar apenas para que a democracia voltasse a existir: passou a lutar para que ela efetivamente desse certo. Se, nos anos de chumbo, a Ordem foi trincheira contra o arbítrio, e nos anos 1970 e 1980 ajudou a reconstruir o edifício democrático, a partir da década de 1990 ela se tornou guardiã cotidiana da CF, das instituições e das prerrogativas da advocacia.

Ao celebrar os 95 anos da OAB, volto o olhar para os presidentes que comandaram o Conselho Federal de 1989 até os dias atuais. Não se trata de compor um panteão de biografias, mas de compreender como, em cada momento, a advocacia soube interpretar as demandas da sociedade, defender a Constituição e afirmar a dignidade da profissão.

Ophir Filgueiras Cavalcante: A travessia para Brasília

No início da Nova República, Ophir Filgueiras Cavalcante conduziu a OAB no esforço de consolidar a redemocratização recém-instaurada. Em sua gestão, foi erguida a primeira sede própria da Ordem em Brasília, o edifício que hoje abriga o Centro Cultural Evandro Lins e Silva.

A construção daquela casa, no coração da República, conferiu nova dignidade à advocacia brasileira em épocas quando se impunha à OAB a necessidade de uma sede em Brasília. Localizada na Praça dos Tribunais Superiores, o novo edifício tornou-se símbolo da ideia de que a advocacia deve estar permanentemente ao lado das instituições, mas jamais submetida a elas.

Paraense de origem e filho da redemocratização, Ophir soube interpretar o sentido profundo da Carta recém-promulgada: a Constituição não seria apenas texto, mas tarefa. Por isso, levou ao STF diversas ações de controle concentrado, questionando o uso abusivo de medidas provisórias e exigindo transparência na dívida externa. Tais iniciativas, para além do tecnicismo jurídico, revelavam uma compreensão aguda do papel da OAB como guardiã do pacto constitucional.

Marcello Lavenère: O impeachment e a moralidade republicana

Em 1991, assume a presidência do Conselho Federal Marcello Lavenère Machado, alagoano que já vinha de forte militância na OAB e no mundo jurídico. À frente da Ordem entre 1991 e 1993, coube a ele conduzir a entidade em um dos primeiros grandes testes da jovem CF/88: o processo que levaria ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, cujo pedido foi subscrito em nome da OAB.

Mas sua gestão não se esgota nesse episódio. Lavenère consolidou a imagem da OAB como instituição de vigilância permanente da democracia e dos direitos humanos, projetando nacionalmente a defesa da justiça social e das garantias fundamentais.

Outro ponto importante da sua gestão foi o debate em torno do projeto de um novo Estatuto para a Ordem, que viria a substituir o que estava em vigor desde 1963. Todo o Conselho Federal e as seccionais foram envolvidos nos debates e na construção do projeto, visando ampliar a regulamentação e as garantias para se alcançar uma advocacia forte, independente, com prerrogativas e sem interferências indevidas por parte do Poder Judiciário.

José Roberto Batochio: O Estatuto da Advocacia e a afirmação das prerrogativas

Entre 1993 e 1995, a OAB foi presidida por José Roberto Batochio, que comandou a entidade em um momento decisivo para a estruturação da advocacia na ordem constitucional inaugurada em 1988: a elaboração e aprovação do Estatuto da Advocacia e da OAB (lei 8.906/1994).

O novo Estatuto consolidou prerrogativas históricas - como a inviolabilidade do escritório e dos meios de comunicação, o direito à palavra e o acesso aos autos - e reafirmou, em lei, aquilo que a Constituição já havia proclamado: a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça. Ao mesmo tempo, estabeleceu um regime disciplinar rigoroso, reforçando a ideia de que prerrogativa não é privilégio, mas instrumento para garantir a defesa do cidadão.

Ernando Uchôa Lima: O diálogo com o Judiciário

Francisco Ernando Uchôa Lima presidiu o Conselho Federal da OAB entre 1995 e 1998. Uchôa Lima reforçou o papel da entidade como interlocutora permanente das instituições de Justiça. Não por acaso, publicou a obra A OAB e o Judiciário, na qual analisou criticamente o funcionamento dos tribunais e a necessidade de aproximá-los do cidadão comum.

Tradicional defensora do controle externo do Judiciário, a OAB, sob sua presidência, participou ativamente dos debates acerca da reforma do Judiciário, propondo a criação do "Conselho de Controle Administrativo do Poder Judiciário". Não se tratava de defender uma ingerência sobre a atividade jurisdicional do magistrado. O controle externo objetivaria a transparência do Poder Judiciário e a fiscalização do fiel cumprimento de sua missão institucional, seguindo os parâmetros de ética e eficiência.

Sua gestão consolidou a ideia de que a Ordem deve, ao mesmo tempo, defender a independência dos juízes e cobrar do sistema de Justiça celeridade, acesso e respeito às garantias fundamentais - uma postura que se mantém como referência até hoje.

Reginaldo de Castro: Autonomia institucional e a casa da cidadania

Entre 1998 e 2001, à frente da Ordem, Reginaldo Oscar de Castro reafirmou o papel da OAB como voz autônoma da sociedade civil, resistente a tentativas de enquadrá-la como mera autarquia sujeita a controle estatal. Sua gestão destacou a natureza sui generis da instituição, voltada à defesa da Constituição, da cidadania e das prerrogativas da advocacia, sem submissão a qualquer dos Poderes. Nesse mesmo movimento de afirmação, convidou Oscar Niemeyer para projetar a nova sede do Conselho Federal, em Brasília, cujo projeto foi doado pelo arquiteto e inaugurado em 2000, conferindo à Ordem um marco material e simbólico como "casa da cidadania".

No período, a OAB intensificou sua intervenção qualificada no debate público, por meio de ações diretas de inconstitucionalidade e de manifestações firmes em temas como moralidade administrativa, proteção de servidores e pensionistas e correção do processo eleitoral. A XVII Conferência Nacional, no Rio de Janeiro, sob o tema "Justiça: Realidade e Utopia", deu centralidade à crítica à morosidade e à falta de acesso à Justiça. Ao lado disso, sua gestão estruturou políticas permanentes, como a criação da Escola Nacional de Advocacia, o Selo "OAB Recomenda" e a campanha pela ética nas eleições, que apoiou a aprovação da lei 9.840/1999. Combinando autonomia institucional, patrimônio simbólico e ação concreta, Reginaldo de Castro consolidou uma OAB mais atuante e comprometida com a efetividade dos direitos fundamentais.

Rubens Approbato Machado: Combate à corrupção eleitoral

Já no início dos anos 2000, Rubens Approbato Machado assumiu a presidência com a convicção de que a corrupção eleitoral era um dos principais obstáculos à democracia. Sob sua liderança, a OAB fortaleceu o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, coalizão de entidades da sociedade civil que, anos depois, ajudaria a viabilizar importantes mudanças na legislação, como a própria lei da ficha limpa.

Approbato insistiu na ideia de que o voto não pode ser moeda de troca, e que a compra de consciências desfigura a vontade do eleitor. Ao denunciar práticas ilícitas em campanhas e defender mecanismos de controle do financiamento político, a OAB reafirmou sua vocação de guardiã não apenas do texto constitucional, mas da lisura do processo democrático.

No âmbito institucional, criou o Museu Histórico da OAB, para manter viva a história da entidade. Fundou a editora da OAB e a TV OAB, uma reivindicação antiga dos advogados, com o intuito de divulgar as ações da Ordem.

Roberto Busato: A moralidade como compromisso institucional

Entre 2004 e 2007, Roberto Antonio Busato presidiu a OAB Nacional em um momento em que a República atravessava crescente desgaste institucional. Busato imprimiu à Ordem uma postura de vigilância permanente sobre a moralidade pública. Seu discurso, firme e sereno, identificava no uso despropositado das medidas provisórias uma afronta à exigência constitucional de urgência e relevância, e denunciava a corrosão do equilíbrio entre os Poderes.

Busato presidiu a Ordem com a convicção de que a advocacia é guardiã social da legalidade e que, por isso, não pode silenciar diante de abusos. Combateu a expansão desordenada dos cursos jurídicos e defendeu com vigor o Exame de Ordem, que qualificava como garantia da cidadania e elemento essencial da ética profissional.

Busato deixou contribuição expressiva para a interiorização e a projeção internacional da OAB. Fez da interiorização uma bandeira de sua gestão: percorreu o país ao visitar mais de seiscentas subseções, dialogando com advogados do interior e ouvindo de perto as dificuldades de quem atua longe dos grandes centros.

Teve papel relevante para a internacionalização da Ordem ao estabelecer diálogo constante com ordens de advogados de diversos continentes e ao consolidar uma presença ativa da OAB no cenário jurídico internacional, exercendo funções em instituições ibero-americanas, lusófonas e do Mercosul, além de atuar como comissário de ética profissional no Tribunal Penal Internacional, em Haia.

Em seu mandato, a OAB alcançou vitórias expressivas no STF, como a rejeição da ADIn que pretendia submeter seus quadros a concurso público, preservando a autonomia institucional da entidade. Em meio às turbulências políticas do período, Busato reafirmou que a Ordem não é governo nem oposição: é coerência. Ao longo de seu mandato, consolidou a imagem de uma instituição que não se dobra a conveniências políticas. Sua marca foi um discurso firme contra a corrupção e em defesa da moralidade pública, convicto de que sem integridade nas instituições não há verdadeira democracia.

Cezar Britto: Direitos humanos, inclusão e combate ao Estado policial

De 2007 a 2010, a presidência de Cezar Britto aprofundou a pauta dos direitos humanos e da inclusão social. Primeiro sergipano a dirigir o Conselho Federal, simbolizou o processo de interiorização da liderança da Ordem, aproximando ainda mais a instituição das seccionais do Nordeste e do interior do país.

Em sua presidência, Cezar Britto advertiu para a necessidade urgente de afastar o país da banalização de práticas de um Estado policial em detrimento dos direitos fundamentais. Destacou que o fortalecimento excessivo de estruturas repressivas, quando não equilibrado pela voz da cidadania, ameaça o próprio Estado Democrático de Direito. Por isso, conduziu a Ordem sob o compromisso de fortalecer a advocacia, pilar essencial para a garantia do direito de defesa do cidadão.

Teve destaque, nesse período, a sanção da lei 11.767/08, que alterou o art. 7º do Estatuto da Advocacia para assegurar a inviolabilidade do local e dos instrumentos de trabalho do advogado, bem como de sua correspondência. A OAB acompanhou de perto a tramitação da lei, defendendo que tal proteção - em harmonia com o art. 133 da CF - resguarda o direito de defesa ao impedir que o advogado seja tratado como suspeito pelo simples exercício de sua função. 

Sua gestão deu relevo às lutas por igualdade racial, aos direitos das mulheres, às demandas dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, além da agenda de reforma agrária e de combate à violência no campo. A OAB reafirmou que a CF/88 é, antes de tudo, uma promessa de inclusão - e que a advocacia deve servir às vozes historicamente silenciadas.

Ophir Cavalcante Júnior: Prerrogativas e valorização do ofício da advocacia

Filho de Ophir Filgueiras Cavalcante, que presidiu a OAB no biênio 1989/1990, Ophir Cavalcante Júnior assumiu a presidência da OAB Nacional trazendo consigo a marca de uma tradição familiar dedicada à causa pública. À frente do Conselho Federal, deu continuidade a esse legado com uma gestão voltada ao fortalecimento das prerrogativas profissionais, tratando-as como expressão direta da dignidade da advocacia e do equilíbrio democrático. Viu nas reformas políticas estruturantes um passo indispensável à maturidade institucional do país, defendendo um modelo de financiamento público de campanhas eleitorais transparente e republicano.

Ophir Cavalcante Júnior atuou de forma decisiva na defesa da lei da ficha limpa. Coube à sua administração o ajuizamento da ADC 30 e a articulação que levou o STF a reconhecer a constitucionalidade da LC 135/10, afirmando o papel da OAB na promoção da moralidade pública.

Em sua gestão, entre 2010 e 2013, vocalizou críticas à reedição contínua e indiscriminada de Medidas Provisórias pelo Poder Executivo, a qual afrontava a lógica constitucional e reduzia o Congresso a mero endossante da vontade executiva. Posicionou-se contra a massificação do ensino jurídico, alertando para a abertura indiscriminada de cursos e defendendo parâmetros mais rigorosos para sua criação e funcionamento. Ressaltava que a OAB não se faz eco de grupos políticos: é instituição plural, independente e vocacionada ao interesse público. Mantém com os poderes da República uma relação de respeito crítico, sempre pronta a louvar o que fortalece a democracia e a repelir o que a compromete.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho: O novo CPC e a centralidade da advocacia

Entre 2013 e 2016, tive a honra de presidir o Conselho Federal da OAB. Assumi essa responsabilidade em um momento de intensa produção legislativa, em que o Congresso Nacional discutia uma ampla reforma do processo civil brasileiro. Como integrante da comissão de juristas responsável pelo anteprojeto do novo CPC, trabalhei para que o CPC de 2015 consagrasse conquistas históricas para a advocacia e, sobretudo, para o cidadão. A previsão de honorários sucumbenciais como direito do advogado, a contagem de prazos em dias úteis, o reforço às garantias do contraditório e da ampla defesa e a valorização dos meios consensuais de solução de conflitos foram algumas das inovações pelas quais nos empenhamos.

No plano institucional e corporativo, a gestão foi marcada por avanços concretos na valorização da advocacia. Lutei pela ampliação e aprovação do Simples Nacional para a classe, que simplificou e reduziu a tributação dos escritórios, e pela afirmação dos honorários como verba de natureza alimentar. No mesmo período, foi elaborado e aprovado um novo Código de Ética e Disciplina, adequado às exigências contemporâneas da profissão, bem como instituída a sociedade individual de advocacia, assegurando ao profissional tratamento jurídico-tributário mais condizente com a relevância de seu trabalho. Essas iniciativas partiram da convicção de que a dignidade do advogado é condição para que o cidadão tenha acesso real à Justiça.

A minha gestão foi conscientemente orientada por cinco premissas: (1) o advogado valorizado significa o cidadão respeitado; (2) a OAB é a voz constitucional do cidadão; (3) a OAB não é comentarista de casos, e sim protagonista de causas; (4) a OAB não é longa manus de governos nem linha auxiliar da oposição; e (5) a liberdade e a igualdade são as duas grandes missões da advocacia. Foi à luz desses princípios que estreitamos o diálogo com o Parlamento, o Judiciário e a sociedade civil, sem abrir mão da independência que caracteriza a Ordem ao longo de seus 95 anos. 

Nesse espírito, sob a minha gestão, a OAB passou a ter status de entidade da sociedade civil com direito a voz perante a OEA - Organização dos Estados Americanos e perante a ONU - Organização das Nações Unidas. Em parceria com a CNBB e diversos movimentos sociais, lançamos um projeto de reforma política para o país, reafirmando o papel da Ordem como formuladora de propostas estruturantes para a democracia brasileira.

Também implementamos obras fundamentais para estruturar a OAB em todo o território nacional. Construímos as sedes das Seccionais do Ceará, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte; inauguramos a sede da OAB de Alagoas, iniciada na gestão anterior; e mobiliamos a sede da Seccional de São Paulo, viabilizando sua inauguração em nosso mandato. Ao lado dessas realizações, construímos e reformamos mais de 90 sedes de subseções da OAB, fortalecendo a presença institucional da Ordem na base e aproximando-a do dia a dia da advocacia.

Buscamos, ainda, fazer uma gestão inclusiva. Lançamos os planos de valorização da mulher advogada e da jovem advocacia; realizamos as primeiras Conferências Nacionais da Mulher Advogada e da Jovem Advocacia; e instituímos as cotas de gênero na composição dos órgãos da Ordem, tornando a OAB mais constitucional, inteligente e forte, por meio da campanha "Mais Mulheres na OAB". Defendemos, perante o STF, a constitucionalidade das cotas raciais em concursos públicos, numa atuação que resultou na distinção do Oscar da Raça Negra à nossa gestão. Mais do que resultados pessoais, guardo a certeza de que, nesse período, a advocacia mostrou que sabe dialogar com todos os Poderes sem se submeter a nenhum deles, mantendo viva a tradição de altivez construída desde Levi Carneiro.

Claudio Lamachia: A crise política e a defesa da institucionalidade

A gestão de Claudio Lamachia (2016-2019) coincidiu com uma das fases mais turbulentas da recente história política brasileira. Coube a ele conduzir a OAB em meio a processos de impeachment, denúncias de corrupção e forte polarização social.

A Ordem aprovou, sob sua presidência, o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, após amplo debate no Conselho Federal e nas seccionais, e, posteriormente, também deliberou pela responsabilização do presidente Michel Temer em razão de denúncias graves. Em ambos os casos, a atuação da OAB buscou afirmar que ninguém está acima da Constituição, qualquer que seja o projeto político em causa.

Lamachia também levou à Conferência Nacional da Advocacia um discurso firme contra o caixa dois e a anistia a crimes eleitorais, reafirmando que a democracia não pode conviver com a naturalização da ilicitude como método de disputa pelo poder.

Felipe Santa Cruz: Prerrogativas, pandemia e defesa da memória democrática

O triênio seguinte, presidido por Felipe Santa Cruz (2019-2022), colocou novos desafios à Ordem. De um lado, a necessidade de enfrentar episódios de tensão institucional, ataques ao sistema de Justiça e ameaças ao Estado Democrático de Direito. De outro, a inesperada pandemia de Covid-19, que afetou profundamente a vida da advocacia e o funcionamento da Justiça.

Sob sua liderança, a OAB foi autora de ações decisivas no STF que garantiram a competência concorrente de Estados e municípios para adotar medidas sanitárias; asseguraram a autodeterminação informativa de milhões de brasileiros, assegurando o direito fundamental à proteção dos dados pessoais; e exigiram transparência e publicidade nas informações oficiais relativas à saúde e à pandemia. O STF também acolheu os pleitos da Ordem ao reconhecer o isolamento social como instrumento legítimo de proteção coletiva e ao assegurar aos entes federativos a possibilidade de comprar e distribuir vacinas. Sob a condução altiva de Felipe Santa Cruz, e em meio à maior crise sanitária do século, a OAB cumpriu seu dever institucional, atuando com firmeza na proteção dos direitos do cidadão.

Ao mesmo tempo, a entidade posicionou-se em defesa da integridade do processo eleitoral, da liberdade de imprensa e da memória histórica acerca da ditadura, reafirmando que relativizar violações do passado é abrir espaço para retrocessos no presente.

A centralidade das prerrogativas, tratadas como cláusula de proteção não apenas do advogado, mas do cidadão por ele representado, foi marca constante de sua gestão.

Beto Simonetti: Portas abertas e a defesa da advocacia no século XXI

A partir de 2022, a presidência de Beto Simonetti inaugura um novo capítulo na história da Ordem. Amazonense, jovem liderança forjada no interior do país, Simonetti levou para o comando nacional o lema de uma "OAB de Portas Abertas", com forte atenção às demandas corporativas da advocacia, à estruturação das seccionais e ao acolhimento dos jovens profissionais.

Um marco de sua gestão foi a aprovação da lei 14.365/22, norma que atualizou o Estatuto da Advocacia ao reforçar a centralidade dos honorários como direito inafastável do advogado e reafirmar a competência exclusiva da OAB para fiscalizar o exercício da profissão - preservando, assim, o modelo de autorregulação que garante a independência da advocacia. No mesmo sentido, a Ordem obteve vitória expressiva no STF ao ver reconhecido que os honorários de sucumbência devem seguir os critérios objetivos do CPC, vedada a apreciação equitativa em causas de grande valor. A decisão consagrou a dignidade da remuneração profissional e deu segurança jurídica à atuação da advocacia brasileira.

Ao longo de sua presidência, lançou campanhas de combate ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, com destaque para a iniciativa "Advocacia sem assédio", voltada sobretudo à proteção das advogadas. Também presidiu momentos de grande densidade histórica, como a entrega da Medalha Rui Barbosa a Bernardo Cabral, ex-presidente da OAB e relator-geral da Assembleia Constituinte de 1987-1988.

Em 2025, Beto Simonetti foi reeleito, por unanimidade, para novo mandato à frente do Conselho Federal, tornando-se o primeiro presidente reconduzido desde a redemocratização. A reeleição, fruto da confiança das seccionais, sinaliza o reconhecimento de um esforço de modernização administrativa, interiorização das políticas da Ordem e valorização da advocacia como protagonista do sistema de justiça.

Ao reforçar a presença institucional da OAB nos debates sobre segurança jurídica, processo eleitoral e reformas legislativas, sua gestão consolida a imagem de uma entidade que permanece fiel à Constituição, comprometida com a independência da advocacia e atenta às necessidades reais da classe que representa.

Um legado para o futuro

Ao percorrer a trajetória dos presidentes da OAB de 1989 até os dias atuais, percebe-se uma linha de continuidade com as lutas históricas da instituição. De um lado, permanece a vocação cívica inaugurada por Levi Carneiro e reafirmada pelos presidentes que enfrentaram ditaduras, atentados e regimes de exceção. De outro, emerge a consciência de que, em tempos de normalidade democrática, o desafio é menos derrubar muros autoritários e mais aperfeiçoar, dia a dia, as instituições.

Lavenère, ao subscrever o impeachment de Collor; Batochio, ao consolidar o Estatuto da Advocacia; Uchôa Lima e Reginaldo de Castro, ao aprofundar o diálogo com o Judiciário e a crítica à desigualdade; Approbato, ao combater a corrupção eleitoral; Busato, ao defender a cidadania contra a precariedade dos serviços públicos; Cezar Britto, ao dar voz aos excluídos; Ophir Júnior, ao firmar a Ficha Limpa e o exame de ordem; Lamachia, ao afirmar que ninguém está acima da Constituição; Felipe Santa Cruz, ao proteger as prerrogativas e a memória democrática; e Beto Simonetti, ao modernizar a instituição e fortalecer a advocacia - todos, a seu modo, ajudam a escrever a história de uma Ordem que não se deixa acomodar.

Ao longo de 95 anos, a OAB aprendeu que a democracia não é um ponto de chegada, mas um caminho a ser percorrido diariamente. Cabe à advocacia, como função pública essencial à Justiça, vigiar para que a Constituição não seja apenas um texto bonito, mas um compromisso vivo com a dignidade de cada pessoa.

Esse é o legado que recebemos das gerações que nos antecederam - e a responsabilidade que deixaremos às que virão: manter a Ordem dos Advogados do Brasil como casa de liberdade, de consciência e de defesa intransigente do Estado Democrático de Direito.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho

Marcus Vinicius Furtado Coêlho

Membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca