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A inconcebível "litigância predatória reversa" da União Federal

A União Federal não pode se comportar como um litigante qualquer, ainda mais adotar comportamento processual reprovável.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:31

Em julgamento do Tema 1.198/STJ (REsp 2.021.665/MS), o ministro Herman Benjamin expôs, em seu voto, a figura processual batizada de "litigância predatória reversa" e dentre os autores da prática abusiva incluiu...a União Federal.

A União Federal é uma "abstração jurídica", uma ficção legal criada para viabilizar o exercício da soberania do Estado. Embora os seus Poderes atuem no âmbito de suas respectivas competências constitucionais, presume-se que entre eles exista uma certa concertação, um comportamento coerente e harmonioso. Afinal, são partes de um todo único e indivisível.

Mas não é isto o que se observa. No somatório, na resultante das ações individuais de cada um de seus Poderes, a União Federal apresenta um comportamento "errático": o Executivo não cumpre aquilo que o Legislativo promulga. Causa espanto, mas é isto mesmo o que acontece.

Tomemos como exemplo o caso do FUNDEF: a lei Federal 9.426/96 criou o Fundo, com o objetivo de garantir a universalização e a melhoria da qualidade do ensino fundamental público. Uma louvável iniciativa do Poder Legislativo.

A lei do FUNDEF estabeleceu critérios técnicos para "equalizar" o investimento público em educação, com aportes maiores para regiões menos assistidas pelo Poder Público e proporcionalmente menores, para regiões menos carentes. Tudo, porém, segundo estudos científicos elaborados com muito rigor técnico.

Mas, se por um lado o Poder Legislativo instituiu por lei um programa sério e bem estruturado, por outro o Poder Executivo resolveu "escanteá-lo" por razões, como diria Pascal, "que a própria razão desconhece"...

Obviamente, os Estados e municípios lesados recorreram ao Judiciário para obter a devida reparação. Mais uma avalanche de ações judiciais, como era de se esperar.

Mas o problema não para por aí: diante do flagrante descumprimento da lei, a União foi chamada à lide e, longe de assumir o erro, opôs uma inopinada resistência para discutir o mérito da questão, como se não soubesse o que ela própria promulgara, via Poder Legislativo.

E mesmo quando superadas as questões de mérito (Tema 849/STF, de repercussão geral), a União Federal, na fase de cumprimento de sentença oferece "feroz resistência": vale-se de toda a ordem de expedientes procrastinatórios que seguramente podem ser tratados como "litigância de má-fé".

A lista é longa: insistência na mudança da metodologia de cálculo; impugnação da execução a partir de contexto fático sabidamente inexistente; alegação de "excesso de execução" sob o argumento de que "não é devido valor algum" (?); interposição de recursos contra entendimentos já pacificados nos Tribunais; dentre outros procedimentos processuais igualmente execráveis.

O Judiciário deve oferecer a sua jurisdição a todos, sem distinção. Das pessoas físicas ou jurídicas jurisdicionadas sabemos que releva, até, argumentações juridicamente claudicantes, mas não permite que transformem o processo em um "festival de aleivosias". 

Mas, qual a conduta a se esperar do Judiciário quando é a própria União Federal quem tem este comportamento reprovável? Deverá tolerá-lo, mesmo sendo contrário àquilo que preconiza a CF/88? Admitirá tenha a União um comportamento ilegal ou imoral com as justificativas... do quê?

Se descumprir a lei que ela própria promulga já é algo que causa espécie, postular em juízo o que sabe ser inequivocamente errado torna a União inapelavelmente uma litigante de "má-fé". Com a devida vênia, não há como contemporizar.

Diz o dito popular, com inegável acerto: "Não há nada que esteja ruim que não possa piorar". Pois tudo fica ainda pior quando nos deparamos com declarações indignadas (?) que apontam a "indústria do precatório" como o grande risco de insolvência do Governo.

Precatórios existem porque a União não "paga o que deve" como qualquer jurisdicionado. Como ente público, pode listar os seus débitos e postergar o seu pagamento. Aliás, o precatório é mais uma daquelas "jaboticabas nacionais", singulares e exóticas. 

Será, então, o comportamento processual predatório a "saída macunaímica" encontrada pela União Federal para desafogar o seu problema orçamentário criado com a crescente expedição de precatórios?

É o que veremos.

Carlos André Rosa Martins

VIP Carlos André Rosa Martins

Advogado especialista em Direito Corporativo e Sócio de Amaral & Barbosa Advogados.

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