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Produtor rural e recuperação judicial: O marco temporal da atividade empresarial

Produtor rural pode se valer da recuperação judicial desde que registrado na Junta no momento do pedido, devendo comprovar dois anos de atividade empresarial, ainda que sem registro nesse período.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Atualizado às 15:10

Desde a promulgação da lei 14.112/20, que reformou a lei 11.101/05 (LRF - Lei de Recuperações e Falência), a possibilidade de produtores rurais se beneficiarem da recuperação judicial vinha provocando intensos debates. A principal controvérsia girava em torno do marco temporal necessário para o ajuizamento do pedido, afinal: o prazo de dois anos de atividade exigido pelo art. 48 da LRF deve ser contado a partir do efetivo exercício da atividade rural ou somente após o registro na Junta Comercial?

Por muito tempo esse impasse dividiu a jurisprudência nacional, até que foi finalmente resolvido pelo STJ. Sob o rito dos recursos repetitivos, no julgamento do Tema 1.145, a Corte firmou a seguinte tese:

"Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro".

A origem da controvérsia remonta ao art. 971 do CC, que faculta a possibilidade do produtor rural se registrar formalmente perante a Junta Comercial. Em outras palavras, o exercício da atividade econômica rural não está condicionado à formalização registral.

Explico o porquê.

O exercício profissional da atividade econômica está associado à habitualidade, pessoalidade e à sua organização. Assim, no caso do produtor rural, a qualidade de empresário deve ser atestada sempre que seja comprovado o exercício profissional de atividade econômica rural organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, independentemente de inscrição na Junta Comercial.

Como dito, o julgamento do Tema repetitivo 1.145 pacificou essa questão e deixou claro que o exercício regular da atividade não se confunde com a formalização perante a Junta.

Conforme brilhantemente apontado pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário, mas apenas "acarreta sua sujeição ao regime empresarial, descortinando-se, então, uma série de benefícios e ônus de titularidade apenas para aqueles que se registram na forma preconizada no art. 968 do CC/02".

A comprovação da atividade, no entanto, para fins de preenchimento dos dois anos exigidos pelo art. 48 da LRF, pode ser feita de duas formas, a depender da receita bruta anual do produtor rural: i) caso a receita bruta anual exceda R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), deverá ser apresentada documentação mais detalhada, composta pelo LCDPR - Livro Caixa Digital do Produtor Rural, DIRPF - Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física e Balanço Patrimonial; (ii) caso a receita seja inferior a esse valor, poderá ser apresentado o Livro Caixa Simples, em conjunto com a DIRPF e o Balanço Patrimonial.

Como bem concluiu o ministro ao estabelecer a tese repetitiva, o registro "permite apenas que nas atividades do produtor rural incidam as normas previstas pelo direito empresarial. Todavia, desde antes do registro, e mesmo sem ele, o produtor rural que exerce atividade profissional organizada para a produção de bens e serviços já é empresário".

Assim sendo, ainda que o registro na Junta por parte do produtor rural tenha que ser realizado antes do pedido de recuperação judicial, não há exigência de que o ato registral ocorra há dois anos da formalização do pedido, bastando para preenchimento do requisito temporal a comprovação da atividade nos moldes acima mencionados.

Trata-se de importante precedente que reforça a efetividade da recuperação judicial como instrumento de superação da crise e, principalmente, que valoriza a atuação do produtor rural como agente econômico essencial à economia nacional.

Felipe Tecchio Schulz

VIP Felipe Tecchio Schulz

Advogado. Pós-graduando em Falência e Recuperação de Empresas pela PUCPR. Atualização pela FGV. Bacharel em Direito pela PUCPR.

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