Captação indevida de clientes: Um desafio ético na advocacia contemporânea
A expansão de estratégias de captação expõe limites éticos da advocacia, incentiva judicialização artificial e sobrecarrega o Judiciário, exigindo maior fiscalização.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Atualizado em 3 de dezembro de 2025 14:23
Atualmente, observa-se que o volume de ações nos tribunais continua em constante crescimento. Entretanto, não se pode ignorar que muitos advogados e escritórios têm se reinventado, utilizando estratégias de captação de clientes para ampliar suas carteiras, seja por meios discretos ou até mesmo por grandes operações estruturadas.
Mas afinal, a captação de clientes é, por si só, uma conduta ilícita? A resposta é negativa. O Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu art. 39, dispõe que:
"A publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo, primando pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão."
Portanto, a captação em si não é vedada, desde que realizada dentro dos parâmetros éticos, sem que haja mercantilização da advocacia. O problema surge quando essa prática ultrapassa tais limites, configurando captação indevida.
Nos últimos anos, o Brasil assistiu ao crescimento de empresas voltadas exclusivamente para a prospecção de clientes, destinadas a intermediar e direcionar potenciais demandas a advogados. Algumas atuam dentro da legalidade, oferecendo serviços de apoio administrativo e informativo, enquanto outras exploram brechas para captar de forma abusiva. O que se observa, muitas vezes, é que essa busca incessante por novos casos inviabiliza soluções administrativas simples e estimula a judicialização desnecessária.
Um exemplo recorrente ocorre no setor aéreo. Em casos de alteração ou cancelamento de voos, o consumidor poderia resolver a questão diretamente nos canais de atendimento da companhia aérea ou nos balcões do aeroporto. No entanto, empresas de captação frequentemente promovem campanhas agressivas em redes sociais, direcionando o consumidor a buscar medidas judiciais. Nessas situações, o passageiro pode ser ludibriado, chegando até mesmo a aderir a práticas como a cessão de direitos de forma pouco transparente, sem plena consciência das consequências.
Essa conduta impacta diretamente o Poder Judiciário, contribuindo para o abarrotamento de processos e afastando a sociedade da ideia de solução consensual de conflitos. A jurisprudência, inclusive, já tem se manifestado contra práticas de captação indevida. O Conselho Federal da OAB e os TEDs - Tribunais de Ética e Disciplina de diversas seccionais reiteradamente punem advogados que utilizam meios escusos, como anúncios sensacionalistas, panfletagem, abordagens diretas em redes sociais e até convênios com empresas de intermediação, por entenderem que tais práticas violam o princípio da dignidade da profissão.
Dessa forma, percebe-se que a captação, quando realizada de forma irregular, não apenas desvirtua o exercício da advocacia, como também alimenta um ciclo de demandas artificiais que sobrecarregam o Judiciário e fragilizam a imagem da profissão perante a sociedade.
Mais do que uma questão ética, trata-se de um desafio contemporâneo: é preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização e repressão, a fim de coibir práticas abusivas que incentivam a judicialização em massa e mercantilizam a advocacia. Cabe à OAB e à sociedade manter vigilância constante e adotar medidas firmes para impedir que tais estratégias continuem deturpando o exercício ético da profissão.
Rafael Vieira Barbosa
Acadêmico de Direito na UCDB e Gestor Administrativo no escritório Mascarenhas Barbosa Advogados e Associados, desenvolvendo atividades estratégicas e operacionais com foco em contencioso de massa e gestão de processos.


