Assistente técnico não médico: Conflito de normas e risco de nulidade
O artigo defende que a lei do ato médico, como norma especial, prevalece sobre o CPC, tornando nula a atuação de um assistente técnico não médico em perícias privativas da medicina.
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
Atualizado às 09:35
A interface entre o Direito e a medicina na produção da prova pericial enfrenta, hodiernamente, uma colisão frontal entre a liberalidade processual e a restrição corporativa sanitária. O ponto nodal reside na indicação, pelas partes, de assistentes técnicos não médicos - fisioterapeutas, enfermeiros ou psicólogos - para acompanhar atos periciais privativos da medicina, sob o pálio da "confiança da parte" insculpida no art. 466, § 1º do CPC. Contudo, uma análise hermenêutica profunda, que ultrapasse a literalidade da lei processual, revela que tal prática pode configurar exercício ilegal da profissão, atraindo nulidades insanáveis.
A supremacia da lei do ato médico (lex specialis)
O argumento de que o CPC autoriza a livre escolha do assistente técnico é falacioso quando confrontado com a lei Federal 12.842/13 (lei do ato médico). O art. 4º, inciso XII, desta norma define taxativamente a "realização de perícia médica" como atividade privativa do médico. Pelo critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali), a norma que regula o exercício profissional prevalece sobre a norma instrumental geral. Permitir que um não médico atue como assistente em perícia médica é autorizar, por via transversa, que este realize anamnese, exame físico e diagnóstico nosológico, atos vedados a quem não porta CRM.
O impedimento ético como óbice fático
O CFM - Conselho Federal de Medicina, no exercício de seu poder regulamentar conferido pela lei 3.268/57, editou a resolução CFM 2.323/22 (art. 14, § 2º) e solidificou entendimento no parecer 50/17. Tais dispositivos estabelecem que é infração ética para o médico perito realizar o ato na presença de assistente técnico não médico. Isso cria um impasse fático intransponível: o perito judicial, adstrito ao seu código deontológico, está obrigado a suspender a perícia caso a parte insista na manutenção de um assistente não habilitado, sob pena de responder a PEP - Processo Ético-Profissional. Não se trata de cerceamento de defesa, mas de obediência à legalidade estrita.
A jurisprudência e a natureza do ato
Embora existam precedentes do STJ (como no REsp 1.217.612/RS) flexibilizando a nomeação em casos específicos (ex: perícias funcionais fisioterapêuticas), a ratio decidendi não pode ser extrapolada para perícias de diagnóstico médico complexo. O TRF-4 e diversos tribunais estaduais têm acolhido a tese de que a assistência técnica deve guardar simetria profissional com a perícia oficial. Se o perito é médico, o assistente deve sê-lo, garantindo a paridade de armas técnicas e o sigilo compartilhado, conforme art. 73 do Código de Ética Médica.
Conclui-se, portanto, que a nomeação de assistente não médico para ato privativo é uma estratégia processual de alto risco. Ao advogado diligente, cabe orientar seu cliente sobre a possibilidade real de impugnação do assistente e suspensão da perícia, recomendando a contratação de profissional médico para garantir uma defesa técnica efetiva e blindada contra nulidades.


