O devido processo negocial-consensual da SecExConsenso TCU: Reflexões iniciais sobre a IN TCU 101/25
A nova diretriz editada pelo TCU estabelece bases mais transparentes e estruturadas para o processo negocial no âmbito do Tribunal, fortalecendo segurança jurídica e eficiência no controle.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Atualizado em 4 de dezembro de 2025 15:39
1. Contextualização
No 2º Seminário sobre Consensualismo na Administração Pública do TCU, realizado no dia 1º de dezembro de 2025, tive o prazer de participar do Painel 3: Como avaliar o alcance do interesse público no desenho da solução consensual, moderado pelo Eminente Ministro Antônio Anastasia.
Em minha exposição1, busquei trazer primeiras impressões - antecipe-se, bastante positivas e alvissareiras! - sobre a revisão, atualização e ampliação da IN TCU 91/22 operacionalizada pela recentíssima IN TCU 101/25, que molda e aprimora aspectos normativos e regulamentares do que passo a denominar devido processo negocial-consensual da SecexConsenso TCU.
2. Relevância da IN TCU 101/25 para o avanço do "controle consensualizado" no Brasil
Entretanto, antes de adentrar no tema, ressalto a importância do processo de construção da IN TCU 101/25 ter sido resultado direto de debates qualificados de escuta ativa do TCU junto à academia, ao setor público e privado, bem como à sociedade civil, ao longo de aproximadamente três anos de tratativas negociais e consensuais que findaram em diversas soluções consensuais/acordos celebrados no âmbito da SecexConsenso TCU.
Tais soluções consensuais, fortemente aplicadas em setores variados de infraestrutura pública (mas não só) formam um autêntico case law em matéria de um novíssimo controle consensualizado, representativo de experiências acumuladas pela SecexConsenso TCU e de curvas de aprendizados tão acentuados quanto intensos neste primeiro triênio do órgão.
O melhor delineamento e aperfeiçoamento do devido processo negocial-consensual da SecexConsenso TCU inaugurado pela IN 101/25 certamente promoverá um ambiente de maior segurança jurídica, transparência e responsividade a todos os atores públicos e privados envolvidos nas tratativas e desenhos dessas soluções consensuais. Para além disso, este ato normativo reforça e renova as capacidades institucionais do TCU no século XXI em prol de uma Administração Pública mais resiliente, ágil, eficiente e democrática, a partir da implementação de uma autêntica Governança Pública Colaborativa.
Um ponto ainda a ser destacado nesse novo regramento normativo da SecexConsenso TCU diz respeito à preocupação da norma em visar prevenir e enfrentar conscientemente os "riscos do consensualismo", igualmente buscando conter e evitar a ocorrência de hipóteses de "consensualismo abusivo", por meio de determinadas medidas específicas e concretas que passam a conferir mais legitimidade, juridicidade e integridade às soluções consensuais da SecexConsenso TCU.
Assim, passemos a apresentar e analisar certas regras, métodos e procedimentos trazidos pela IN TCU 101/25, os quais em seu conjunto tendem a configurar, em minha opinião, o devido processo negocial-consensual da SecexConsenso TCU.
3. O devido processo negocial-consensual da SecEXConsenso TCU: Regras, métodos e procedimentos
Em uma primeiro esforço hermenêutico da IN TCU 101/25, percebe-se que houve um sensível aperfeiçoamento de regras, métodos e procedimentos prévios, concomitantes e posteriores às negociações que buscam, em sua totalidade, conferir maior e melhor legitimidade, juridicidade e integridade às soluções consensuais celebradas no âmbito da SecexConsenso TCU, seja (i) na fase inicial da propositura e debates introdutórios, seja (ii) na fase de desenho da solução consensual, seja (iii) na fase de celebração do acordo que materializa a solução consensual encontrada.
De um modo geral, o devido processo negocial-consensual refere-se à previsão e concatenação integrada e racional de regras, métodos e procedimentos relacionados com aspectos essenciais de legitimidade, juridicidade e integridade das soluções consensuais da SecexConsenso TCU, tais como participação de partes e interessados, transparência das tratativas e negociações, delimitação de prazos/fases/procedimentos, critérios e juízo de admissibilidades das propostas, contraditório e ampla defesa, envolvendo inclusive processos deliberativos e técnicos de escuta e de instrução do feito.
Para mim, é bastante perceptível que uma das intenções mais explícitas da IN TCU 101/25 é deixar claríssimo que o consensualismo operado no âmbito da SecexConsenso TCU não é - e jamais poderia ser, obviamente - uma alternativa à legalidade/juridicidade.
Dito de outra forma, ao reforçar aspectos imanentes a um devido processo negocial-consensual em todas as fases que podem culminar com uma solução consensual, a IN TCU 101/25 atesta com todas as letras que:
a) não existe consenso fora da juridicidade;
b) a juridicidade é uma premissa inafastável do consenso;
c) o consenso não substitui a juridicidade e com ela não poderá jamais antagonizar;
d) não existe consenso versus juridicidade, e sim consenso a partir da juridicidade, e
e) mesmo ensejando espaços consideráveis de discricionariedade, o consensualismo buscará e encontrará soluções discricionárias a partir de parâmetros de juridicidade.
Para fins didáticos e analíticos, eu agruparia as inovações normativas relacionadas ao devido processo negocial-consensual da SecexConsenso TCU na redação da IN 101/25, em 3 (três) ordens principais:
- Participação, colaboração e cooperação das partes e interessados: buscam conferir legitimidade às propostas de solução consensual;
- Métodos, procedimentos, transparência e contraditório/ampla defesa: buscam conferir juridicidade às propostas de solução consensual, aqui incluída sua vantajosidade;
- Mecanismos para mitigação de riscos morais e sistêmicos, bem como de comportamentos oportunistas: buscam conferir integridade às propostas de solução consensual.
4. Legitimidade, juridicidade e integridade das soluçõese consensuais da SecEXConsenso TCU
Da IN TCU 91/22, com a redação conferida pela IN TCU 101/25, visando alcançar legitimidade às propostas de solução consensual, poderíamos elencar exemplificativamente:
"Art. 7º Admitida a solicitação, a Segecex - Secretaria-Geral de Controle Externo designará, preferencialmente no prazo de 30 (trinta) dias, os membros da CSC - Comissão de Solução Consensual, ouvida a SecexConsenso.
§ 1º
(...)
III - um representante de cada órgão ou entidade da Administração Pública federal que tenha solicitado a solução consensual, possua poder decisório sobre o objeto da controvérsia ou, nos termos do inciso V do art. 3º desta instrução normativa, tenha manifestado interesse na solução.
(...)
§ 2º O particular que esteja diretamente envolvido na controvérsia e tenha contrato com a Administração Pública cujo objeto esteja abrangido pela solicitação de solução consensual será convidado, após a anuência do Presidente do TCU, a indicar representante para integrar a comissão.
(...)
§ 4º A Comissão de Solução Consensual, por unanimidade dos seus membros, poderá convidar para participar das reuniões, na qualidade de colaboradores, especialistas na matéria objeto da busca de solução consensual que não estejam diretamente envolvidos na controvérsia.
§ 5º Será facultado à Advocacia-Geral da União indicar representantes para acompanharem as reuniões da comissão, sem prejuízo da participação dos procuradores federais e advogados da União incumbidos de assessorar os órgãos e entidades participantes, com vistas à manifestação prevista no art. 1º, § 4º, da lei 9.469, de 10 de julho de 1997."
(...)
"Art. 7º-A. (...)
§ 2º No decurso dos trabalhos da comissão, a SecexConsenso poderá se reunir com especialistas ou representantes da sociedade civil afetos ao objeto da solicitação de solução consensual, bem como realizar painéis de referência.
(...)
§ 5º Salvo se justificadamente inviável, a comissão realizará painel ou consulta pública para assegurar a participação e o controle social na resolução da controvérsia nos casos em que o objeto envolver prestação de serviços públicos ou a solução consensual puder afetar direitos de terceiros agentes econômicos ou usuários.
Buscando conferir juridicidade às propostas de solução consensual, poderíamos apontar, por exemplo:
"Art. 7º-A. A Comissão de Solução Consensual terá 90 (noventa) dias, contados da sua constituição, para elaborar proposta de solução, podendo o referido prazo, a critério do presidente do TCU, ser prorrogado por até 30 (trinta) dias.
§ 1º Ao final do prazo estabelecido no caput deste artigo, e não sendo possível elaborar a proposta de solução, a comissão dará ciência ao presidente deste Tribunal, que determinará o arquivamento do processo.
(...)
§ 3º O termo de confidencialidade será assinado pelo presidente do TCU e por todos os membros da comissão, facultando-se à parte externa que a assinatura seja formalizada por aquele que a representa ou pelo seu dirigente máximo ou representante legal.
§ 4º Será franqueado às partes externas e aos membros da comissão o acesso aos autos, inclusive às peças classificadas como sigilosas, ressalvadas aquelas cujo acesso tenha sido expressamente vedado aos demais participantes pelo titular da informação.
§ 6º A proposta de solução consensual será submetida às partes externas para que se manifestem, de forma fundamentada, no prazo de 15 (quinze) dias, mediante pareceres técnico e jurídico.
§ 7º As unidades do TCU participantes examinarão a proposta de solução consensual notadamente quanto aos seguintes aspectos:
I - juridicidade;
II - vantajosidade, especialmente em face da melhor alternativa no cenário de não acordo, incluindo análise fundamentada do risco de judicialização ou arbitragem, que considerará as probabilidades de êxito e os custos e benefícios decorrentes de eventual utilização dos instrumentos de contracautela postos à disposição da Fazenda Pública; e
(...)
§ 8º Após o recebimento das manifestações das partes externas de que trata o § 6º, os prazos para os exames referidos no § 7º serão de:
I - 5 (cinco) dias, para a unidade de auditoria especializada na temática da solicitação; e
II - 10 (dez) dias, para a SecexConsenso emitir sua manifestação e consolidar todos os pareceres e manifestações recebidos."
Por último, mirando a integridade das propostas de solução consensual:
"Art. 7º-A. (...)
§ 7º As unidades do TCU participantes examinarão a proposta de solução consensual notadamente quanto aos seguintes aspectos:
(...)
III - adequação e suficiência dos mecanismos previstos na solução para mitigar os riscos moral e sistêmico, inclusive no tocante à prevenção de comportamentos oportunistas.
Restam claros nesta singela análise, ainda que de modo não exaustivo, o desenho e a configuração de um devido processo negocial-consensual da SecexConsenso TCU, a partir do regramento advindo da IN TCU 101/25, abrindo-se aqui uma janela significativa para melhor desenvolver na dogmática pátria este conceito-referência essencial destinado a precipuamente aferir a legitimidade, juridicidade e integridade das propostas dessas soluções consensuais.
Trata-se de uma das mais grandiosas contribuições da IN TCU 101/25, ao lado de outras que trarão mais segurança jurídica e responsividade aos acordos que ao final sejam celebrados no âmbito do TCU, a partir da metodologia empregada pela SecexConsenso TCU.
5. Sinalizações finais
A observância e o respeito integral ao devido processo negocial-consensual da SecexConsenso TCU, a partir das inovações da IN TCU 101/25, para além de permitir aferir com mais tecnicidade e segurança jurídica a legitimidade, a juridicidade e a integridade das propostas das soluções consensuais e dos acordos ao final celebrados, também serve de baliza inarredável para avaliar o alcance do interesse público no desenho dessas propostas.
Vale realçar que o processo de determinação do interesse público das soluções consensuais promovido no âmbito da SecexConsenso TCU é um processo coletivo, plural e multifacetado, no qual a prevalência de um devido processo negocial-consensual revela-se crucial para a estabilidade, eficácia e efetividade dos acordos que ao final venham a ser celebrados.
Além disso, a procedimentalização e o racional imanentes a este devido processo igualmente tornam mais possível averiguar a vantajosidade pluridimensional desses acordos (patrimonial, social, processual, política, jurídica e sistêmica), conferindo-se maior previsibilidade e segurança jurídica a esses acordos, prevenindo-se inclusive os riscos no uso de uma consensualidade sem método - o que nunca ocorreu na SecexConsenso TCU - bem como evitando-se o "consensualismo abusivo", que seria a captura do processo negocial-consensual por uma das partes, em detrimento de outra ou do próprio interesse público.
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1 A palestra, bem como todo o painel, podem ser assistidos no canal do YouTube do TCU: https://www.youtube.com/watch?v=0h9WLS_WsYM
Gustavo Justino de Oliveira
Professor Doutor de Direito Administrativo na USP e no IDP-Brasília. Integra o Comitê Gestor de Conciliação da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos do CNJ. Árbitro, Mediador, Advogado e Consultor especializado em Direito Público, Infraestrutura e Regulação.


