MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Dívida de condomínio desaparece após 5 anos? Não é bem assim

Dívida de condomínio desaparece após 5 anos? Não é bem assim

Prescrição não é perdão! Dívida de condomínio continua travando seu imóvel mesmo após 5 anos. Entenda como evitar prejuízos e destravar sua propriedade.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:42

Muitos proprietários de imóveis acreditam que, passado o prazo de cinco anos, uma dívida de condomínio simplesmente desaparece - como num passe de mágica. Ou seja, presumem que a dívida deixa de existir e o nome do devedor ficaria automaticamente limpo. Isso é um mito. A chamada prescrição da dívida não é um perdão ou anulação do débito. Neste artigo, explicamos de forma acessível o que realmente acontece quando as cotas condominiais prescrevem, e quais os efeitos práticos para o condômino inadimplente.

O que é a prescrição das cotas condominiais?

prescrição é um instituto do direito civil que marca a perda do direito de acionar o Poder Judiciário para cobrar uma dívida após determinado tempo. No caso das taxas de condomínio, o prazo prescricional aplicável é de cinco anos, contado a partir do vencimento de cada parcela em aberto1 2. Esse entendimento foi consolidado pelo STJ em 2016, em sede de recurso repetitivo, uniformizando a interpretação para todo o país3 4. Em outras palavras, decorridos cinco anos sem cobrança judicial, o condomínio perde o direito de processar o devedor na Justiça para exigir aquele débito.

É importante ter clareza sobre o alcance dessa regra. Prescrever a dívida não significa que ela deixou de existir. Tecnicamente, o que se extingue com a prescrição é a pretensão, isto é, o poder de exigir o pagamento através dos mecanismos judiciais5. O direito subjetivo de receber o valor devido permanece, ainda que já não seja possível cobrá-lo forçosamente por ação judicial5. O próprio CC reconhece essa distinção: tanto que, se o devedor pagar espontaneamente uma dívida prescrita, não pode pedir o dinheiro de volta depois (art. 882 do CC). Isso demonstra que, apesar de não poder ser mais exigido em juízo, o débito continua existindo no mundo jurídico como uma obrigação natural do devedor.

A dívida condominial "some" ou continua existindo?

Passados os cinco anos, o débito condominial continua existindo e acompanhando o imóvel. No jargão jurídico, as cotas de condomínio são obrigações propter rem, ou seja, gravitam em torno do bem imóvel - não importa quem seja o proprietário, a dívida está vinculada àquela unidade imobiliária6. Portanto, mesmo que o imóvel seja vendido ou herdado, as pendências condominiais "viajam" junto com ele. Um novo comprador pode até não ser acionado judicialmente por dívidas antigas já prescritas, mas enfrentará os efeitos dessas pendências na administração condominial e no mercado imobiliário.

Em resumo, a perda do direito de cobrar não significa a perda do direito de receber5. Diferentemente da decadência (quando o próprio direito deixa de existir após certo prazo), na prescrição apenas a exigibilidade judicial é afetada - o crédito em si continua de pé5. Como bem disse um juiz paulista ao analisar o tema, "a prescrição não afasta a existência da obrigação, mas apenas impede sua exigibilidade judicial"7. Assim, o condomínio não é obrigado a "esquecer" a dívida só porque passou o prazo legal de cobrar em juízo. A obrigação persiste, ainda que de forma limitada, como uma conta em aberto nos registros do condomínio.

Consequências práticas da dívida condominial prescrita

Se o condomínio não pode mais acionar o devedor na Justiça para cobrar, qual é o problema de ignorar a dívida antiga? Infelizmente, a prescrição não torna o imóvel automaticamente "limpo" para o mercado. Vejamos as principais consequências práticas de ter uma dívida condominial prescrita:

  • CND - Certidão Negativa de Débitos negada: Os condomínios costumam emitir certidões de quitação para unidades adimplentes. Se há débito (mesmo prescrito), a administração pode se recusar a expedir a certidão de quitação enquanto o valor não for pago. Sem essa CND, o imóvel fica "travado" - não se consegue finalizar a venda em cartório, transferir a propriedade oficialmente, nem obter financiamento bancário para a compra, já que compradores e bancos exigem essa comprovação de inexistência de débitos.
  • Restrição ao mercado imobiliário: Na prática, o proprietário terá dificuldades para vender ou negociar o imóvel. Como o débito está vinculado à unidade, nenhum comprador quer assumir um imóvel com pendência condominial não resolvida. O imóvel perde liquidez e valor de mercado até que se regularize a situação junto ao condomínio.
  • Perda de direitos condominiais: Mesmo internamente, o condômino inadimplente (ainda que por dívida prescrita) pode sofrer restrições. Por exemplo, pode perder o direito de votar nas assembleias do condomínio, conforme estabelece o art. 1.335, III, do CC (que exige estar quite com as obrigações para participar)8. Ou seja, enquanto não quitar completamente as taxas (mesmo antigas), o proprietário não é considerado em dia e sofre limitações dentro da vida condominial.
  • Registro da pendência nos balanços: O histórico de inadimplência permanece nos registros do condomínio. As demonstrações financeiras mensais continuarão indicando que aquela unidade tem valores em aberto (ainda que prescritos) - o que pode ser fonte de constrangimento. Essa publicidade da dívida no âmbito dos condôminos muitas vezes pressiona o devedor a quitar o débito, mesmo não sendo mais exigível judicialmente9.
  • Dificuldade de crédito e relações financeiras: A dívida prescrita não pode ser inserida nos cadastros de inadimplentes (SPC/Serasa) legalmente, pois essas entidades também respeitam o limite de tempo. Contudo, credores privados guardam memória do prejuízo. É comum bancos se recusarem a conceder novos empréstimos ou serviços ao cliente que deixou uma dívida caducar. O mesmo ocorre com o condomínio: ele não "esquece" o atraso e mantém a pendência em aberto, recusando vantagens (como declarações de quitação) até que haja o acerto de contas.

Em síntese, o devedor passa a conviver com um imóvel que possui um débito fantasma atrelado - ele continua sendo dono, mas não consegue usufruir plenamente do valor do bem, já que esbarrará em obstáculos para vender ou usar o imóvel como garantia. Para "destravar" o patrimônio, na prática acaba sendo necessário negociar e pagar a dívida antiga, ainda que ela esteja prescrita.

O que dizem os tribunais sobre a cobrança extrajudicial?

Diante dessa peculiar situação - dívida existente, porém inexigível judicialmente - surge a questão: o condomínio pode continuar buscando o pagamento por outras vias? Recentemente, diferentes tribunais têm enfrentado esse dilema, especialmente em relação às cobranças extrajudiciais (ou seja, fora do Judiciário).

Uma decisão marcante veio do TJ/MG em novembro de 2025. A 10ª Câmara Cível do TJ/MG entendeu que a prescrição impede apenas a cobrança pela via judicial, mas não retira do condomínio o direito de tentar receber o débito de forma extrajudicial10. No caso analisado, um condomínio em Contagem/MG mantinha a cobrança de taxas vencidas entre 2016 e 2020, já prescritas, e havia se recusado a emitir a certidão de quitação ao proprietário devedor. Em primeira instância, o juiz chegou a proibir o condomínio de cobrar esses valores e determinou que a CND fosse emitida em 48 horas. Contudo, em grau de recurso, o TJ/MG reverteu essa liminar, autorizando o condomínio a prosseguir com a cobrança extrajudicial dos débitos antigos11 10. Segundo o relator, desembargador Cavalcante Motta, "a prescrição impede a cobrança judicial [...] mas não reflete no direito subjetivo de adimplemento da dívida"12. Ou seja, para o TJ/MG, o crédito persiste como direito do condomínio, que pode buscar o pagamento por meios informais (desde que não haja coação ou meios ilegais).

Essa visão reforça a ideia de que a dívida condominial não é apagada pelo tempo. Em sintonia com isso, há decisões de primeiro grau que até determinam medidas para publicizar a existência do débito prescrito. Um exemplo ocorreu na comarca de Betim/MG, onde um juiz determinou a averbação da dívida de condomínio prescrita na matrícula do imóvel - ou seja, registrar no próprio cartório de imóveis a informação de que aquele bem possui um débito condominial não pago13 14. Em Ribeirão Preto/SP, outro magistrado declarou a existência da dívida condominial prescrita em favor do condomínio (reconhecendo formalmente que o valor era devido), permitindo que o credor obtivesse uma certidão a ser levada ao registro de imóveis para eventual anotação, caso desejasse15 7. Essas decisões buscam assegurar transparência sobre a pendência, protegendo futuros adquirentes e incentivando o pagamento mesmo após a prescrição.

Por outro lado, há um entendimento diverso ganhando espaço, especialmente em tribunais superiores. Em novembro de 2025, a 3ª turma do STJ julgou um caso que pode influenciar significativamente essa matéria. Nessa decisão, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, o STJ afirmou que o reconhecimento da prescrição impede tanto a cobrança judicial quanto a extrajudicial de uma dívida16 17. A lógica empregada foi a seguinte: cobrar extrajudicialmente nada mais é do que exercer a mesma pretensão de cobrança, só que fora do processo , e se a pretensão foi extinguida pela prescrição, não haveria amparo legal para pressionar o devedor por outros meios18 19. Embora o crédito persista teoricamente (como direito moral do credor), sua exigibilidade foi paralisada, de modo que "sua subsistência não é suficiente, por si só, para permitir a cobrança extrajudicial do débito"20. Nesse entendimento, o credor apenas poderia receber o pagamento se o devedor, voluntariamente, decidir pagar, mas não pode tomar iniciativas ativas de cobrança (nem mesmo ligações ou notificações amistosas) após o prazo prescricional20 21.

Percebe-se, portanto, que há uma controvérsia jurídica em curso. De um lado, tribunais estaduais e juízes de primeira instância têm reconhecido o direito do condomínio de manter a dívida "viva" extrajudicialmente, recusando certidões de quitação e fazendo constar o débito nos registros, para assegurar que ele seja pago antes de qualquer transferência do imóvel22 13. De outro lado, o STJ sinaliza uma posição mais protetiva ao devedor, ao vedar cobranças por quaisquer vias depois de consumada a prescrição16 17. É possível que essa divergência ainda seja objeto de novos julgamentos e uniformização futura. Enquanto isso, prevalece que a dívida condominial prescrita não é automaticamente perdoada - ela continua pairando sobre o imóvel e influenciando as relações entre condomínio e proprietário, até que haja uma resolução (seja o pagamento voluntário, um acordo ou eventual renúncia formal da cobrança por parte do condomínio).

Conclusão: cuidado com a "solução mágica" da prescrição

Para os proprietários em débito, contar com a prescrição de cinco anos como uma solução mágica para "limpar" suas pendências condominiais é uma estratégia arriscada e, na maioria das vezes, frustrada pela realidade. A prescrição impede a cobrança judicial, mas não apaga a dívida nem remove os obstáculos práticos decorrentes dela7 5. O condomínio continuará considerando aquele valor em aberto e poderá adotar medidas legais e administrativas para assegurar seus direitos, ainda que de forma indireta ou extrajudicial22 10.

Em termos práticos, ignorar a dívida não a resolve. O imóvel ficará com restrições de mercado, o proprietário seguirá em débito no âmbito condominial, e qualquer intenção de venda ou uso do bem ficará condicionada à regularização das cotas atrasadas. Portanto, o melhor caminho é buscar um acordo ou quitar a dívida o quanto antes, evitando que os encargos aumentem e que a situação complique futuras negociações. Lembre-se: prescrição não é sinônimo de perdão. Quando o assunto é dívida de condomínio, o tempo pode até tirar a possibilidade de uma cobrança judicial, mas não elimina as consequências do inadimplemento. Em caso de dúvidas ou dificuldade para resolver impasses de dívidas condominiais antigas, é recomendável procurar orientação jurídica especializada. Assim, você garante a segurança nas transações envolvendo seu imóvel e mantém sua vida condominial em ordem, sem surpresas desagradáveis no futuro.

___________

Referências

1 2 3 4 Prazo de prescrição para cobrança de taxa condominial é de cinco anos

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2016/2016-12-09_09-27_Prazo-de-prescricao-para-cobranca-de-taxa-condominial-e-de-cinco-anos.aspx

5 8 9 Com o passar do tempo a dívida de condomínio deixa de existir? - Migalhas

https://www.migalhas.com.br/depeso/367418/com-o-passar-do-tempo-a-divida-de-condominio-deixa-de-existir

6 10 11 12 22 Conjur: Prescrição de dívida condominial não impede cobrança extrajudicial, diz TJ-MG - CNB/SP Institucional

https://cnbsp.org.br/2025/12/01/conjur-prescricao-de-divida-condominial-nao-impede-cobranca-extrajudicial-diz-tj-mg/

7 15 Juiz reconhece dívida condominial e possibilita averbação em matrícula - Migalhas

https://www.migalhas.com.br/quentes/415566/juiz-reconhece-divida-condominial-e-possibilita-averbacao-em-matricula

13 14 Dívida prescrita decorrente do não pagamento de taxa condominial deve ser averbada na matrícula do imóvel - sinoregsp.org.br

https://sinoregsp.org.br/noticias/divida-prescrita-decorrente-do-nao-pagamento-de-taxa-condominial-deve-ser-averbada-na-matricula-do-imovel-2

16 17 18 19 20 21 Reconhecimento da prescrição impede cobrança judicial e extrajudicial da dívida

https://www.protestodetitulos.org.br/reconhecimento-da-prescricao-impede-cobranca-judicial-e-extrajudicial-da-divida/

Rafael Paiva Nunes

VIP Rafael Paiva Nunes

Sócio da Paiva Nunes Direito Imobiliário, advogado no Brasil e em Portugal, atua em Direito Imobiliário, é dirigente no IBRADIM e ANACON. Especialista e Obras Retomadas e Multipropriedade/time-share.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca