TJ/SP reconhece falso coletivo, afasta aviso prévio e limita reajustes
Sentença reconhece contrato como falso coletivo, afasta aviso prévio, invalida reajustes e determina restituição à usuária.
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
Atualizado às 09:45
A 5ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, TJ/SP, nos autos do processo 1018558-86.2025.8.26.0564 julgou procedente ação ajuizada por beneficiária de plano de saúde contratado na modalidade empresarial, mas composto apenas por três integrantes da mesma família.
Entenda o caso
A sentença reconheceu que, apesar da nomenclatura contratual, o produto operava como verdadeiro plano individual familiar, impondo-se, por consequência, o regime regulatório aplicável a essa categoria.
A operadora havia condicionado o cancelamento ao cumprimento de 60 dias de aviso prévio, além de multa proporcional a duas mensalidades, impondo cobranças posteriores à manifestação de desligamento.
A consumidora também alegou aumentos expressivos de mensalidade ao longo da vigência - alguns superiores a 90% no período de um ano.
Na contestação, a ré sustentou ilegitimidade ativa da autora, ausência de vulnerabilidade contratual e validade das cláusulas pactuadas, com fundamento no princípio da autonomia privada e na regulamentação da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Fundamentação utilizada pelo juízo
A sentença foi construída sobre três pilares jurídicos centrais:
1. Aplicação do CDC
Com base na vulnerabilidade técnica e econômica, e no caráter de adesão do contrato, o juízo reconheceu a incidência do CDC, citando:
- Súmula 608 do STJ (CDC aplicável aos contratos de plano de saúde não autogestionários);
- Súmula 101 do TJ/SP (legitimidade do beneficiário
2. Reconhecimento da natureza jurídica do contrato
A juíza fundamentou que:
- o CNPJ individual não configura pessoa jurídica distinta,
- ausência de vínculo empregatício ou associativo,
- número reduzido de vidas descaracteriza risco mutualístico.
Para isso, citou precedentes do STJ e julgados recentes do próprio TJ/SP, que reconhece tratamento diferenciado para rescisão de contratos equiparados a individuais.
3. Controle judicial de cláusulas abusivas
Com base no art. 51, IV, do CDC, a decisão considerou nula a cláusula de aviso prévio, fundamentando-se ainda:
- na ACP 0136265-83.2013.4.02.5101, que invalidou o parágrafo único do art. 17 da RN 195/09;
- na RN 455/20, que incorporou o efeito material da ACP;
- no entendimento de que a RN 557/22 não restabelece a validade da cláusula anulada judicialmente
Ao enfrentar a exigência de permanência mínima e aviso prévio, a decisão ressaltou que a norma que embasava a cláusula - prevista originalmente na resolução 195/09 - foi invalidada por ação civil pública com eficácia nacional e posteriormente corroborada pela resolução normativa.
O juízo também reconheceu a abusividade dos reajustes aplicados com base em sinistralidade. Como a operadora não contestou expressamente os percentuais alegados na inicial, tais fatos foram reputados verídicos.
A sentença reforça a tendência de reconhecimento judicial de contratos "coletivos empresariais" artificiais como verdadeiros planos individuais, especialmente quando o número de beneficiários é reduzido e há ausência de vínculo associativo real ou empresarial entre os segurados.
Impacto da decisão
A decisão produz impacto significativo no cenário regulatório e jurisprudencial da saúde suplementar, sobretudo ao consolidar a tese do chamado "falso coletivo".
Ao reconhecer que contratos empresariais compostos por número reduzido de beneficiários, sem vínculo trabalhista ou associativo real, não podem ser enquadrados como coletivos, o Judiciário reafirma a necessidade de submetê-los ao regime jurídico dos planos individuais.
Tal entendimento repercute diretamente na dinâmica contratual, pois limita a liberdade tarifária das operadoras, vincula os reajustes aos índices previamente estabelecidos pela ANS, afasta a aplicação de cláusulas típicas dos contratos coletivos - como fidelização e aviso prévio - e combate práticas de segmentação artificial utilizadas para encobrir planos individuais sob a classificação de empresariais, com o objetivo de justificar aumentos expressivos.
Outro ponto relevante é a limitação dos reajustes baseados em sinistralidade. Ao determinar que, nesses casos, devem prevalecer os percentuais previstos para planos individuais, a sentença estabelece um parâmetro objetivo e verificável, reduzindo espaço para arbitrariedade e insegurança contratual.
Esse efeito tende a gerar reflexos sistêmicos, como padronização de cálculos judiciais, maior previsibilidade em ações revisionais e, naturalmente, estímulo para que consumidores em situação semelhante busquem reparação judicial.
A decisão também invalida cláusulas de fidelização e aviso prévio para cancelamento, reafirmando a eficácia da ação civil pública que já havia declarado essas disposições nulas em âmbito nacional.
O recado é claro: operadoras não podem manter cobranças após a manifestação expressa de cancelamento, tampouco restabelecer mecanismos proibidos sob o argumento de novas resoluções administrativas.
Por fim, a sentença exerce função pedagógica no mercado ao determinar restituição de valores pagos indevidamente - ainda que na modalidade simples - reforçando a necessidade de adequação regulatória e contratual.
Trata-se de um importante indutor de comportamento empresarial, pois desencoraja o uso de estruturas contratuais artificiais, fortalece o dever de transparência e contribui para o aprimoramento do controle judicial sobre contratos massificados, aproximando a dinâmica privada da lógica protetiva estabelecida pelo CDC e pelos limites normativos da ANS.
Conclusão
Adecisão reafirma a proteção do consumidor na saúde suplementar ao reconhecer a natureza real do contrato - e não apenas sua forma -, coibir reajustes desproporcionais e invalidar mecanismos contratuais abusivos.
Trata-se de mais um precedente relevante no combate aos planos "falsos coletivos" e na construção de um ambiente contratual mais transparente, equilibrado e alinhado às normas regulatórias e consumeristas.


