Condomínios e garantidoras de crédito: Questões jurídicas envolvidas
Análise técnica dos principais pontos envolvendo os contratos firmados por condomínios com garantidoras de crédito.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
Atualizado às 15:14
As empresas garantidoras de crédito são, no mercado condominial, uma realidade. Em verdade uma boa realidade, quando avaliados os riscos existentes.
Em resumo (e tentando não ser técnico) essas empresas são contratadas por condomínios (algumas atendem associações também) e assumem por si a inadimplência do empreendimento em troca de um pagamento mensal (pelo condomínio) de uma taxa previamente ajustada.
O síndico, portanto, recebe mensalmente a receita advinda dos condôminos, inclusive daqueles inadimplentes. O benefício imediato é evidente! O condomínio deixa de se preocupar com unidades devedoras, não custeia cobrança judicial ou extrajudicial e consegue recursos para melhorias internas, por exemplo.
Todavia "nem tudo são flores". Como em todo contrato firmado existem riscos jurídicos e, no caso das garantidoras, eles somente poderão ser "sentidos" ao longo do tempo.
A intenção desse artigo é trazer, de forma resumida (e não técnica), os principais pontos de atenção a serem tomados quando se cogita contratar uma garantidora.
Inicialmente é importante entender quais as taxas que a garantidora assumirá e cobrará. Algumas empresas, por exemplo, não assumem multas, outras sim. Algumas não assumem obras, outras sim. Esse detalhamento do que será garantido deve ser claramente previsto em contrato a fim de que a administração possa analisar a conveniência da contratação e ter a previsibilidade de recursos.
Via de regra as garantidoras não assumem inadimplência vencida. Sendo assim o condomínio terá garantida a inadimplência da contratação da garantidora em diante. O vencido, antes da entrada da garantidora, terá de ser cobrado internamente.
A taxa da garantidora também deve ser avaliada. Inicialmente é importante uma cotação de mercado. Como existem diversas empresas que atuam garantindo débitos condominiais é sempre possível a negociação de taxas pelo condomínio.
Porém, além disso, é extremamente importante entender se a taxa é fixa ou varia de acordo com a inadimplência. Se variar, de acordo com a inadimplência, o condomínio poderá ter, ao longo do tempo, prejuízos.
Isso porque caso a inadimplência aumente a taxa aumenta também (conforme previsão contratual). Não é incomum condomínios que pagam taxas iniciais que correspondem a R$ 4.500,00 quando da contratação da garantidora e, passados alguns anos, estão custeando quase quinze mil reais mensais para a garantia do saldo devedor.
Também não é incomum que as garantidoras não consigam dar vazão à inadimplência, cobrando judicial ou extrajudicialmente. Nesse caso o débito do condomínio não é cobrado com a velocidade necessária, aumentando o saldo devedor da unidade (já acrescido dos encargos cobrados pela garantidora, conforme será explicado a seguir) e, consequentemente, a taxa mensal paga pelo condomínio tende a aumentar.
Também é importante entender os riscos da taxa mensal fixa. Nesse caso é normal que o contrato afirme que caso a inadimplência total do condomínio, ou de uma unidade garantida, chegue a determinado percentual a empresa pode deixar de garantir o saldo devedor (do empreendimento e/ou da casa/apartamento em questão).
Novamente é importante que o síndico (e administração como um todo) entendam como se comportará a inadimplência no futuro, evitando que essa cláusula contratual seja "acionada" pela garantidora.
Por exemplo: imagine um condomínio que irá realizar uma obra vultuosa. O síndico, antevendo o aumento da inadimplência, e precisando da certeza dos recursos por um longo período, leva para discussão e contrata posteriormente a garantidora. Ocorre que na metade do período que ele precisa de receita a garantidora, pelo aumento da inadimplência, não mais garante o empreendimento ou algumas unidades. Isso fará com que a programação de receita, feita pelo síndico, não mais se concretize, podendo gerar reflexos no pagamento do investimento feito pela obra.
Como dito no início: Eventuais problemas envolvendo a garantidora são "sentidos" ao longo do tempo.
Outro ponto de atenção são os encargos moratórios, cobrados pela garantidora, em face do condômino inadimplente.
O contrato da garantidora apresenta encargos de mora geralmente diversos da convenção condominial. Normalmente são multas cobradas de forma escalonada (até determinada quantidade de dias de inadimplência 10% de multa, depois disso 20%, acima de determinados dias 30%, etc.). Cada empresa tem seus encargos de mora.
Esses encargos, normalmente, aumentam a inadimplência do condomínio. Por isso é importante entender qual a razão de inadimplência do empreendimento. Se é um alto valor de taxa condominial esse valor tende a aumentar, em decorrência dos encargos de mora "aumentados", com a vinda da garantidora. Com isso é bem possível que a inadimplência aumente e o condomínio tenha aumento de taxa para a garantidora (se essa for variável) ou, ainda, como exposto acima, a "devolução" da unidade ou empreendimento, que não serão mais garantidos.
Todavia esse não é o único ponto de atenção. Como dito a garantidora cobra, do condômino inadimplente, encargos de mora normalmente diversos daqueles previstos em convenção.
Para tanto a aprovação da garantidora, com esses encargos de mora que serão cobrados, é objeto de deliberação em assembleia. As garantidoras exigem que o condomínio leve o tema aos condôminos, aprove sua contratação e insira, na ata, tais encargos, como forma de dar legitimidade à cobrança.
Ocorre que entendemos que isso pode ser questionado. A convenção condominial apresenta os encargos de mora que serão cobrados daquele condômino inadimplente (normalmente correção por algum índice de mercado, juros e 1% ao mês e multa moratória de 2%).
Entendemos que não pode uma assembleia, que não altere a convenção (e, portanto, tenha quórum qualificado de 2/3) aumente os encargos moratórios cobrados do inadimplente!
No nosso entender é exatamente isso que acontece: por uma assembleia sem 2/3, via maioria simples, é contratada uma empresa que passa a cobrar, do inadimplente, encargos diversos e mais prejudiciais do que aqueles previstos na "legislação interna" do condomínio, qual seja, a convenção.
Tal aprovação poderá ser questionada judicialmente e essa cobrança, com encargos diversos do previsto em convenção, ser afastada, o que gera o problema a seguir relatado.
Normalmente as garantidoras não se sub-rogam no crédito que garantem. Ou seja: elas não recebem e cobram, em nome próprio, aquela dívida que garantira. Elas cobram em nome do condomínio. Por isso é outorgada, pelo síndico, uma procuração para que a garantidora cobre em nome do condomínio (judicial ou extrajudicialmente).
Somente no caso de término da relação contratual (pelo tempo fixado ou outras questões) é que a garantidora pode se sub-rogar, ou seja: passar a ser, em nome próprio, a detentora daquela dívida que garantiu e que se cobra (judicial ou extrajudicialmente).
Pois bem, a questão aqui é quando a garantidora não consegue reaver o que "investiu" no condomínio. Ora: a garantidora nada mais faz do que investir um recurso no condomínio, esperando ser compensada com a cobrança daquela dívida, aumentada pelos encargos de mora previstos em contrato.
Ocorre que os contratos das garantidoras estabelecem (em sua maioria) que caso ela não receba de volta o que investiu pode devolver a unidade (ou as unidades) ao condomínio que, por sua vez, deve ressarcir todo o investimento por ela feito (corrigido, com juros, custas processuais, etc.).
Essa hipótese gera um risco enorme ao condomínio, especialmente em um cenário nacional em que novos condomínios são lançados com unidades quase que totalmente financiadas por bancos que garantem seu recebimento com alienação fiduciária.
Sabemos dos recentes entendimentos proferidos pelo STJ, que coloca o crédito condominial como preferencial, mas, também sabemos, das decisões contrárias que vem sendo proferidas pelas Cortes Estaduais.
Não há uma uniformidade, ao menos ainda.
Até que ponto as garantidoras lutarão para receber a unidade, levando-a leilão, ou adjudicando-a, como forma de receber de volta o investimento feito?
Ou ainda: será que a unidade, a depender do débito, será suficiente para saldá-lo e o condomínio não terá de ressarcir a garantidora do valor residual, por ela investido?
Essa hipótese, de a garantidora cobrar do condomínio o valor investido, precisa ser objeto de ampla discussão. Por mais que a maioria das empresas façam parte de grandes conglomerados é importante entender esse risco e compartilhá-lo com os condôminos em assembleia.
Os itens acima expostos representam uma parte do que, geralmente, se encontra nos contratos elaborados e fornecidos pelas garantidoras.
Novamente: é uma opção viável, sempre se analisando a realidade do condomínio e, além disso, traçando um plano estratégico de longo prazo.
A cobrança interna e efetiva do inadimplente (mediante escritórios e empresas especializadas), por mais que obviamente mais demorada do que uma receita garantida, gera resultados positivos, sem os riscos supracitados.
Cabe ao síndico, de forma consciente e devidamente orientado, através de uma análise detida do contrato fornecido, entender se é o caso de levar aos condôminos essa solução e, se entender que sim, fazê-lo de forma transparente, expondo os riscos, evitando que se alegue, anos depois, que aquela decisão tomada se tornou desastrosa.


