Análise do CDC e a aplicação da "teoria menor"
Artur P. Lima analisa a essência da desconsideração, mesmo sob a Teoria Menor, que reside em coibir o uso da personalidade jurídica como escudo para ilícitos ou abusos.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado às 08:36
A aplicação irrestrita do art. 28, § 5º, do CDC, largamente utilizada especialmente no âmbito de alguns Juizados Especiais, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica sempre que a personalidade se torne, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos. Tal norma, quando interpretada de forma ampliativa, constitui evidente violação ao devido processo legal substancial (art. 5º, LIV, da CF), à ampla defesa e ao próprio postulado da responsabilidade e da personalidade jurídica.
A essência da desconsideração, mesmo sob a teoria menor, reside em coibir o uso da personalidade jurídica como escudo para ilícitos ou abusos, e não em penalizar a empresa por adversidades de mercado alheias à sua conduta.
Por óbvio, não se trata de sustentar a inconstitucionalidade da teoria menor em si, mas da interpretação que lhe vem sendo conferida por parcela da doutrina e da jurisprudência, especialmente quando os processos se submetem ao rito da lei 9.099. Não se trata de análise de artigo da Constituição, mas da interpretação dada à lei seguir os ditâmes da Carta da República.
A interpretação expansiva do dispositivo, muito comum em certos juizados especiais, além de antijurídica, produz efeitos economicamente desastrosos, rompe a lógica da ampla defesa. A Constituição não permite a aplicação de mecanismo legal sem instrumentos ou requisitos legais para a aplicação, não pode haver responsabilização pelo Judiciário por mera presunção, por força do art. 5º, LV da CR/1988.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica não se adequa ao "princípio da simplicidade", por sua natureza jurídica complexa, que exige prova técnica, análise contábil, exame de estruturas societárias, fluxos financeiros, eventual perícia e contraditório amplo e procedimental, o que ultrapassa, pelos limites da lei, os contornos impostos pelos arts. 2º e 3º da lei 9.099/1995.
A forma de aplicação da teoria viola em absoluta o princípio do contraditório, não há meios de defesa suficientes para o réu, dentro dos limites estruturais da lei 9.099/95, que veda a produção de prova complexa.
O sistema do juizado especial foi pensado para dar celeridade a processos específicos e não para proferir decisões sem que seja dada às partes a possibilidade de discutir argumentos. Uma decisão judicial, mesmo no juizado especial, só tem validade quando é permitido o contraditório justo, é um princípio democrático.
Esse indesejável fenômeno ameaça o princípio da segurança jurídica e fragiliza a confiança legítima da população no Estado, valores protegidos pela Constituição e reconhecidos como fundamentos da previsibilidade e da coerência da ordem jurídica. O juiz pode reconhecer os limites de sua capacidade institucional, optando por decisões ligadas ao conteúdo real da lei, essa limitação jurisdicional sempre fortalece a democracia.
Sob o prisma kelseniano, o embate jurídico se justifica pela própria estrutura hierárquica do ordenamento jurídico, embasado na norma hipotética fundamental. Para o autor, a função jurisdicional consiste em um encaixe do direito geral a um caso individual, permanecendo ligada a moldura normativa cogente criada pela lei. Assim, a decisão judicial, deve respeitar o limite valorativo da norma e observar os julgados proferidos por cortes superiores, o que só é possível pelo contraditório1.
Ainda assim, no plano infraconstitucional, ao contrário do que defendem muitos juristas, a afirmação que a teoria menor não tem requisitos não é admitida pelo STJ. Cite-se voto do Ministro Villas Boas Cueva no REsp 2.034.4422:
- "Embora admitida a aplicação da teoria menor para fins de desconsideração da personalidade jurídica de sociedades anônimas, seus efeitos estarão sempre restritos aos acionistas que detêm efetivo poder de controle sobre a gestão da companhia, dispensadas, sob a disciplina dessa específica teoria, a comprovação de abuso da personalidade jurídica ou a prática de ato ilícito, infração à lei ou ao estatuto social"
A teoria menor é mais branda em seus requisitos, mas não é desprovida desses. A aplicação não dispensa a necessidade de que o obstáculo ao ressarcimento ou a insolvência/inatividade sejam causados por uma conduta da pessoa jurídica ou sócio que desvirtue sua finalidade ou que se configure como má administração.
Não há dúvida que a mera dificuldade econômica ou a ausência de bens penhoráveis, quando decorrente de fatores externos e imprevisíveis, não se enquadra nas hipóteses do art. 28 do CDC.
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1 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. rev. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
2 STJ - REsp: 2034442 DF 2022/0334067-8, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 12/9/23, T3 - 3ª TURMA, Data de Publicação: DJe 15/9/23 RT


