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Uma decisão que reacende a esperança e reafirma a dignidade no superendividamento

Decisão de reconsideração reconhece que mínimo existencial não pode ser fixo e garante o tratamento do superendividamento.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Atualizado às 08:37

A recente reconsideração proferida por uma vara cível do Rio de Janeiro representa um avanço relevante na interpretação constitucionalmente adequada da lei 14.181/21. O juízo reconheceu que a aplicação automática do decreto presidencial que fixa em R$ 600,00 o mínimo existencial viola a estrutura principiológica do CDC e fragiliza o próprio tratamento do superendividamento.

Essa mudança decorreu do trabalho técnico da procuradora integrante da Comunidade Financial Expert, que dialogou diretamente com a magistrada, apontando não apenas a inconstitucionalidade do decreto, mas também o fato de que o tema se encontra sob análise do STF. A partir dessa interlocução, o juízo reconsiderou a decisão e determinou o prosseguimento do rito próprio de repactuação previsto no art. 104-A do CDC.

A decisão inicial havia exigido a adequação da inicial exclusivamente com fundamento no valor fixo do decreto presidencial - interpretação replicada de forma quase mecânica em parte significativa do TJ/RJ. Tal postura, contudo, desconsidera a própria lógica do art. 54-A, § 1º, do CDC, que define o superendividamento como a impossibilidade de pagamento das dívidas sem comprometer o mínimo existencial, conceito jurídico indeterminado que não se compatibiliza com valores estanques.

A recente reconsideração proferida por uma vara cível do Rio de Janeiro representa um avanço relevante na interpretação constitucionalmente adequada da lei 14.181/21. O juízo reconheceu que a aplicação automática do decreto presidencial que fixa em R$ 600,00 o mínimo existencial viola a estrutura principiológica do CDC e fragiliza o próprio tratamento do superendividamento.

Essa mudança decorreu do trabalho técnico da procuradora integrante da Comunidade Financial Expert, que dialogou diretamente com a magistrada, apontando não apenas a inconstitucionalidade do decreto, mas também o fato de que o tema se encontra sob análise do STF. A partir dessa interlocução, o juízo reconsiderou a decisão e determinou o prosseguimento do rito próprio de repactuação previsto no art. 104-A do CDC.

A decisão inicial havia exigido a adequação da inicial exclusivamente com fundamento no valor fixo do decreto presidencial - interpretação replicada de forma quase mecânica em parte significativa do TJ/RJ. Tal postura, contudo, desconsidera a própria lógica do art. 54-A, § 1º, do CDC, que define o superendividamento como a impossibilidade de pagamento das dívidas sem comprometer o mínimo existencial, conceito jurídico indeterminado que não se compatibiliza com valores estanques.

Valores fixos são contrários ao próprio desenho constitucional do instituto. A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição) exige interpretação material e contextualizada, incompatível com uniformização matemática da subsistência mínima. O mínimo existencial é construído caso a caso, a partir das necessidades essenciais e inegociáveis da vida cotidiana: alimentação, moradia, transporte, saúde, medicamentos, educação básica, cuidado com dependentes, condições de trabalho e gastos mínimos de sobrevivência.

A jurisprudência destacada na decisão reconsiderada reafirma essa compreensão ao registrar expressamente que o valor de R$ 600,00 não é critério absoluto, mas apenas parâmetro mínimo. Se a renda, ainda que acima desse valor, não garante a subsistência digna, configura-se a violação ao mínimo existencial e, portanto, o superendividamento apto à repactuação. Trata-se de posição que privilegia a eficácia horizontal dos direitos fundamentais e impede a aplicação insuficiente de normas protetivas.

Além disso, interpretar o mínimo existencial como valor fixo gera distorção procedimental grave. Caso o consumidor sempre tivesse renda ligeiramente superior a R$ 600,00, jamais teria acesso ao tratamento, ainda que comprovasse situação de penúria extrema. A decisão destacada reconhece exatamente esse ponto ao afirmar que restringir o superendividamento a um valor apriorístico esvazia o rito especial do art. 104-A do CDC e desvirtua a teleologia da lei, cujo objetivo central é a prevenção e o tratamento responsável do crédito.

A reconsideração também está alinhada à compreensão de que a lei 14.181/21 introduziu uma nova função social do crédito no ordenamento jurídico brasileiro. O crédito passa a ser visto como instrumento de inclusão e dignidade, e não como elemento de exclusão. Essa visão é inspirada nos modelos estrangeiros de reestruturação, todos baseados em análise concreta da condição humana do devedor - jamais em cifras abstratas.

É importante lembrar que o superendividamento, no Brasil, possui dimensões coletivas. As consequências sociais são evidentes: aumento da população em situação de rua, criminalidade, vícios, suicídios, depressão, desestruturação familiar, evasão escolar e erosão da cidadania econômica. Cada decisão judicial em superendividamento tem, portanto, efeitos sistêmicos, positivos ou negativos, sobre toda a sociedade.

A reconsideração demonstra que o Poder Judiciário começa a absorver essa dimensão social ampliada. Ao abandonar o critério restritivo e objetivo do decreto, a magistrada reafirma que o papel do Judiciário na aplicação da Lei do Superendividamento é garantir efetividade, e não criar barreiras artificiais ao acesso ao tratamento.

Esse resultado - fruto do trabalho dedicado da Comunidade Financial Expert, dos advogados, defensores e membros dos PROCONs - é um marco importante. Revela que o diálogo técnico, qualificado e persistente é capaz de transformar a cultura judicial e aproximar o Brasil dos modelos internacionais mais avançados em proteção contra o superendividamento.

Não é apenas uma decisão.

É a confirmação de que estamos reconstruindo, passo a passo, uma cultura de crédito responsável e digna.

E, como toda semente bem lançada, ela tem potencial para germinar em todo o país.

Vamos em frente.

A reconsideração também está alinhada à compreensão de que a lei 14.181/21 introduziu uma nova função social do crédito no ordenamento jurídico brasileiro. O crédito passa a ser visto como instrumento de inclusão e dignidade, e não como elemento de exclusão. Essa visão é inspirada nos modelos estrangeiros de reestruturação, todos baseados em análise concreta da condição humana do devedor - jamais em cifras abstratas.

É importante lembrar que o superendividamento, no Brasil, possui dimensões coletivas. As consequências sociais são evidentes: aumento da população em situação de rua, criminalidade, vícios, suicídios, depressão, desestruturação familiar, evasão escolar e erosão da cidadania econômica. Cada decisão judicial em superendividamento tem, portanto, efeitos sistêmicos, positivos ou negativos, sobre toda a sociedade.

A reconsideração demonstra que o Poder Judiciário começa a absorver essa dimensão social ampliada. Ao abandonar o critério restritivo e objetivo do decreto, a magistrada reafirma que o papel do Judiciário na aplicação da lei do superendividamento é garantir efetividade, e não criar barreiras artificiais ao acesso ao tratamento.

Esse resultado - fruto do trabalho dedicado da Comunidade Financial Expert, dos advogados, defensores e membros dos PROCONs - é um marco importante. Revela que o diálogo técnico, qualificado e persistente é capaz de transformar a cultura judicial e aproximar o Brasil dos modelos internacionais mais avançados em proteção contra o superendividamento.

Não é apenas uma decisão.

É a confirmação de que estamos reconstruindo, passo a passo, uma cultura de crédito responsável e digna.

E, como toda semente bem lançada, ela tem potencial para germinar em todo o país.

Vamos em frente.

Leonardo Garcia

VIP Leonardo Garcia

Procurador do Estado do Espírito Santo; Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP; Membro do GT de acompanhamento da Lei do Superendividamento no CNJ, Autor dos livros e parecerista

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