Da atual (in)aplicabilidade do art. 1.830, do CC
Atual aplicabilidade dos prazos previstos no art. 1.830, do CC.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado às 08:43
1. Introdução
O presente artigo é fruto da indignação de um profissional do Direito que, em um caso em que não atuou, deparou-se com a situação de uma criança de nome M.C.R.R.N., do interior de Minas Gerais, que, além de ter perdido seu pai prematuramente, viu-se desguarnecida financeiramente em decorrência da aplicação de uma lei ultrapassada que não vem sendo aplicada à luz da Constituição.
Aliás, o texto em tela é elaborado em homenagem àquela pequena (mas mui valente) criança e aos seus incansáveis e amorosos familiares (mãe, tios, avós e primos), que lutam diuturnamente para lhe dar um futuro belo e seguro.
Apesar da indignação com o caso concreto, tem-se que nos levou a escrita foi a inquietude jurídica, de modo que a análise que se seguirá será técnica e desprovida de emoções.
Nesse âmbito, pretende-se compreender a aplicabilidade, no atual ordenamento jurídico, dos prazos previstos no art. 1.830, do CC. Isto é, o escopo do presente artigo é compreender se o prazo de dois anos de separação de fato ainda é um requisito essencial à cessação da vocação hereditária do cônjuge sobrevivente. O referido dispositivo é inconstitucional? Ele foi tacitamente revogado? Qual a sua leitura atual?
Salienta-se que a relevância do estudo em espeque está no fato de que, não obstante o tema ter sido enfrentado por alguns tribunais estaduais, a questão ainda não foi enfrentada pelos tribunais superiores.
A propósito, cuida-se de uma situação de abrangência nacional, que vem sendo debatido em milhares de processos judiciais e que merece ser pacificado.
2. Desenvolvimento
2.1. Dispõe o art. 1.830, do CC que "somente é reconhecido o direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente".
Segundo o dispositivo acima transcrito, apenas a separação judicial superior a um ano, ou de fato maior que dois anos, são aptos a afastar a vocação hereditária do conjunge supérstite.
Ocorre que tais requisitos de tempo passaram a, pelo que nos parece, ser incompatíveis com a Carta Magna atual após a promulgação da EC 66, de 2010.
Explica-se.
2.2. Originariamente, o art. 226, § 6º, da CF/88 estabelecia como requisito ao divórcio a prévia separação judicial por mais de um ano, ou de fato superior a dois anos.
O art. 1.580, do CC/02 refletindo a norma constitucional (validante) foi editado dispondo que "decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio".
O parágrafo segundo do art. 1.580, do CC dispõe que "o divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos".
Por sua vez, o art. 1.830 também refletia no que diz respeito aos prazos para a manutenção da condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente separado de fato quando do falecimento, a regra constitucional temporal do art. 226, § 6º (regra validante).
Salienta-se que o então projeto de CC previa que o prazo para a perda da qualidade de herdeiro era de cinco anos de separação de fato. Contudo, a emenda 473-R do senador Josapha Marinho, reduziu para dois anos, sob o fundamento de que era necessário observar a regra constitucional vigente à época (www.senado.gov.br/publicacoes/MLCC/pdf/mlcc_v3_ed1.pdf.):
"Consoante o artigo, 'somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de cinco anos'. Mas, se a Constituição estabelece que 'o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos' (art. 226, § 6º) - não há razão de fixar-se prazo de cinco anos para reconhecimento de direito sucessório".
Assim, pode-se dizer, com tranquilidade, que ambos os arts. 1.580 e 1.830, do CC quando de sua edição, estavam intrinsecamente vinculados aos prazos previstos na redação original do § 6, do art. 226, da CF (a norma constitucional era a regra validante da previsão civilista).
2.3. Porém, com a natural evolução social, fato que se refletiu na edição das leis, aqui da norma maior, o legislador, sob a sugestão do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, no exercício do Poder Constituinte derivado reformador, entendeu por afastar tais requisitos temporais e subjetivo (culpa) para que se pudesse falar na decretação do divórcio.
Assim, foi promulgada em 13/7/10, a EC 66 que alterou a redação do art. 266, parágrafo 6º para dizer, tão somente, que "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".
Ou seja, desde a promulgação e correlata vigência da atual redação do § 6º, do art. 266, da CF/88 não há mais requisitos temporais e subjetivo a serem previamente observados para que ocorra a dissolução do vínculo civil existente entre os cônjuges.
A esse propósito, o ex. STF fixou a tese, no julgamento do Tema de 1.053 de que "após a promulgação da EC 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico".
Tem-se aí, portanto, a primeira premissa a ser fixada: não há mais se falar, desde a promulgação da EC 66, de 2010, na necessidade de separação judicial ou de fato - independentemente do tempo -, para que as partes possam alcançar o divórcio.
Ou seja, a separação, seja ela judicial ou de fato, e o correlato marco temporal, passaram a ser irrelevantes para o Direito de Família.
Por esse motivo, todos os artigos do CC que exigiam a separação e o correlato transcurso do tempo, foram considerados tacitamente revogados pela novel redação constitucional (entendimento do Ex. STF sobre o tema) ou, pelo menos, inconstitucionais por superveniência da perda da norma validante.
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