Integridade e proteção de dados: Indutores da prevenção à corrupção
A convergência entre programas de integridade pública e proteção de dados no município do Rio de Janeiro fortalece uma cultura ética e previne a corrupção através da capacitação de agentes públicos.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado às 14:35
Introdução
A Administração Pública contemporânea enfrenta desafios complexos relacionados à ética e à proteção de dados pessoais, diante da necessidade da evolução dos aspectos legais de conformidade para a incorporação de valores nas organizações, baseada em uma cultura que reflita a regulação imposta.
Nesse contexto, no município do Rio de Janeiro, dois importantes instrumentos normativos vêm delineando uma abordagem integrada para esses temas: o Programa Carioca de Fomento à Integridade Pública (decreto Rio 52.858/23) e o mais recente Programa Municipal de Proteção de Dados Pessoais (decreto Rio 54.984/24).
Neste artigo, será analisada a convergência da integridade pública e da proteção de dados, especificamente, relacionada aos eixos de cultura de integridade e o de capacitação e sensibilização dos respectivos Programas acima mencionados, além do potencial das ações para a prevenção à corrupção.
1. Da convergência entre integridade pública e proteção de dados
Alinhado às diretrizes de entidades e organismos internacionais, como o Fórum Econômico Mundial e a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, além da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, de 2003, o programa de integridade pública instituído pelo primeiro decreto acima citado estabelece diretrizes claras para a construção de uma cultura organizacional voltada para a ética e a transparência.
Neste sentido, o art. 7º, inciso V do decreto Rio 52.858/23, que instituiu o Programa Carioca de Fomento à Integridade Pública, contempla o pilar cultura de integridade, entre outros, considerado um pilar estratégico (art. 7º, V). Já o art. 15 estabelece como objetivo específico que todos os agentes públicos e cidadãos "valorizem a integridade como parte essencial da convivência em sociedade" e "considerem a si mesmos como responsáveis pela consolidação de um ambiente cada vez mais íntegro e transparente".
Assim, a fim de potencializar e capilarizar o alcance das ações, foi criado o Programa Agentes da Integridade, instituído pelo decreto Rio 52.859/23 no âmbito do Poder Executivo do município do Rio de Janeiro, cujo principal objetivo é disseminar a cultura de integridade através de agentes públicos, voluntários, interessados em serem multiplicadores das boas práticas em seus órgãos, permitindo, ainda, maior protagonismo e engajamento de outros atores.
Neste mesmo caminho, a proteção de dados pessoais surge naturalmente como extensão desse compromisso com a ética e a transparência.
O decreto 54.984/24, que instituiu o Programa Municipal de Proteção de Dados Pessoais, reconhece explicitamente essa conexão em seu eixo V, dedicado a "capacitar e sensibilizar".
Já o art. 2º, inciso V, define este eixo como voltado à "promoção de capacitação para os agentes públicos da Administração Pública Municipal, de modo a fomentar uma cultura de proteção e governança de dados no âmbito da Administração Pública Municipal".
A atuação do encarregado de dados, nesse contexto, é estratégica, conforme destacado por Ana Paula Vasconcellos da Silva (2025: p. 73)
(iii) Capacitação e sensibilização são fundamentais para que uma estratégia de governança em privacidade e proteção de dados pessoais esteja bem azeitada - e o encarregado de dados possui papel fundamental neste processo de construção permanente de uma nova cultura. Como aponta Faleiros Júnior, "o encarregado deve promover programas que garantam que todos os colaboradores estejam cientes de suas responsabilidades e das melhores práticas de segurança. Isso é fundamental, pois a segurança da informação não depende apenas de tecnologias, mas também do comportamento humano". Mais uma vez observa-se como a atuação do encarregado de dados é estratégica para as organizações.
2. A capacitação como ponte entre integridade e privacidade
A capacitação dos agentes públicos funciona como elo fundamental entre os programas de integridade pública e proteção de dados. Quando um agente público entende que o tratamento adequado de informações pessoais é uma extensão direta dos valores éticos que norteiam sua atuação, a LGPD deixa de ser vista como mero cumprimento burocrático para se tornar parte integrante da cultura organizacional.
No mesmo sentido, é válido citar os ensinamentos de Maurício Tamer (2025: p. 309):
O cumprimento com o Direito da Proteção de Dados Pessoais e com os níveis adequados de segurança da informação e proteção dos dados utilizados nas atividades do agente de tratamento, mais que normas, documentos e investimentos em aplicações e infraestruturas, é uma questão de cultura.
Vale destacar que a prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da SMIT - Secretaria Municipal de Integridade e Transparência, têm se empenhado na implementação de ações de fomento à cultura de integridade e proteção de dados, atenta às competências e responsabilidades pelas capacitações do Programa Carioca de Fomento à Integridade Pública (art. 20) e do Programa Municipal de Proteção de Dados (art. 24, inciso III).
É interessante notar como a própria estrutura institucional reconhece a conexão entre os temas, reunindo sob a mesma Secretaria as políticas de integridade pública e proteção de dados.
Essa abordagem integrada materializa o princípio constitucional da eficiência aliado ao dever de proteção dos dados pessoais, incluído pela EC 115/22.
Desse modo, a formação contínua dos agentes públicos não apenas os capacita, tecnicamente, para o tratamento adequado de dados, mas também fortalece o entendimento de que a proteção da privacidade dos cidadãos é parte essencial na condução de políticas públicas efetivas.
3. Princípios da LGPD como alicerce ético
Os princípios estabelecidos no art. 6º da LGPD encontram reflexos diretos nos programas de integridade pública. O princípio da transparência (art. 6º, VI, da LGPD), por exemplo, é também um pilar fundamental dos programas de integridade, como expresso no art. 5º, V, do decreto 52.858/23, que estabelece que "a transparência e publicidade das informações devem ser a regra e o sigilo, a exceção".
O princípio da prevenção (art. 6º, VIII, da LGPD) dialoga diretamente com o pilar da "prevenção" do Programa Carioca de Integridade Pública e Transparência. Ambos os programas enfatizam a importância de identificar e mitigar riscos antes que se concretizem em danos efetivos.
No que tange ao princípio da não discriminação (art. 6º, IX, da LGPD), é possível verificar que poderia encontrar correspondência no art. 3º, III, do decreto 52.858/23, o qual estabelece como princípio universal "abolir todo e qualquer tipo de ato discriminatório no ambiente de trabalho".
Assim, como visto, o art. 6º, inciso IX da LGPD, ao estabelecer como princípio fundamental da proteção de dados a não discriminação, como sendo a impossibilidade de realização do tratamento dos dados pessoais para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos, almeja proteger os titulares de dados contra usos indevidos de suas informações que possam resultar em discriminação.
Essa convergência de princípios demonstra que a proteção de dados pessoais não é um tema isolado, mas parte integrante de uma Administração Pública ética e responsável.
Dessa forma, quando os servidores são capacitados para compreender essa relação, passam a visualizar sua atuação sob uma perspectiva mais ampla e significativa.
4. Desafios e oportunidades na implementação
A implementação desses programas enfrenta desafios significativos. A capacitação eficaz requer recursos adequados, metodologias pedagógicas apropriadas e avaliação constante dos resultados.
Igualmente, a resistência cultural, conforme alertado por Camila Henning Salmoria (2025: p. 116) em relação à adoção de IA, também se manifesta na LGPD. Superar a percepção de que a proteção de dados é apenas uma "burocracia" exige o engajamento da alta gestão e a personalização dos conteúdos. A oferta de incentivos, como certificações e reconhecimento institucional, pode transformar a obrigação em oportunidade de desenvolvimento profissional.
O art. 14 do decreto 52.858/23 prevê a divulgação de calendário de ações para incentivo da cultura de integridade, enquanto o art. 26 do decreto 54.984/24 estabelece parcerias institucionais para promover capacitações em proteção de dados.
A efetividade dessas iniciativas depende de uma abordagem integrada que evite a fragmentação entre os temas, sendo que a formação dos servidores deve demonstrar claramente como o tratamento adequado de dados pessoais está alinhado aos valores éticos institucionais.
Quando um servidor compreender que proteger os dados de um cidadão é tão importante quanto evitar um conflito de interesses, a cultura organizacional verdadeiramente transformadora estará sendo construída.
Considerações finais
Os programas de integridade pública e proteção de dados do município do Rio de Janeiro representam avanços significativos na construção de uma Administração Pública mais ética, transparente e responsável.
A convergência entre esses programas, especialmente no eixo da capacitação e sensibilização, demonstra uma compreensão madura de que as mudanças culturais organizacionais são fundamentais para o sucesso de políticas públicas.
A proteção de dados pessoais, quando compreendida como extensão natural dos princípios éticos que regem a Administração Pública, deixa de ser vista como uma imposição regulatória para se tornar parte integrante da identidade profissional do servidor público. Da mesma forma, a integridade pública ganha dimensão concreta quando aplicada à gestão responsável das informações pessoais dos cidadãos.
Em um contexto de crescente digitalização dos serviços públicos, essa abordagem integrada é não apenas desejável, mas essencial para a construção de uma Administração Pública que honre sua missão constitucional de servir ao interesse público.
Enfim, como pontua André Luiz Pontin (2025: p. 83):
Por meio de programas de capacitação, podem ensinar habilidades digitais essenciais à força de trabalho, preparando-a para os desafios do futuro e contribuindo para a empregabilidade em um mercado cada vez mais digitalizado.
Assim, a capacitação contínua dos servidores emerge como o instrumento mais poderoso para transformar princípios abstratos em práticas cotidianas que efetivamente protejam os direitos dos cidadãos e fortaleçam a confiança na Administração Pública.
O caminho percorrido pelo município do Rio de Janeiro oferece lições valiosas para outras administrações públicas que buscam harmonizar a proteção de dados com a promoção de uma cultura de integridade.
A partir do momento que a formação dos servidores é compreendida como investimento estratégico em valores organizacionais compartilhados, criamos as condições para uma Administração Pública verdadeiramente centrada no cidadão e em seu direito à privacidade e ao tratamento ético de suas informações.
Por fim, a capacitação dos agentes públicos pela prefeitura do Rio de Janeiro transcende o cumprimento da LGPD, estabelecendo as bases de um governo digital ético, seguro e humano, que fortalece a confiança cidadã e define padrões elevados na proteção dos dados pessoais e da privacidade de todos.
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