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Impeachment de ministros do STF: Análise da ADPF 1.259 e a blindagem da Corte

Análise crítica sobre a concentração de legitimidade na PGR e a quebra do sistema de freios e contrapesos.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Atualizado às 13:03

Introdução: A tectônica do equilíbrio entre Poderes

O debate sobre o impeachment de ministros do STF ganhou novos e complexos contornos.

A recente decisão monocrática, proferida no âmbito das ADPF 1.259 e 1.260, transcende a mera regulação processual.

De fato, ela representa uma das mais profundas alterações na mecânica do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) da República desde 1988.

Nesse cenário, o STF suspendeu a eficácia de dispositivos nucleares da lei 1.079/1950.

Consequentemente, estabeleceu novos ritos para a responsabilização de seus pares.

Essa medida judicial não apenas reescreve o procedimento, mas também reconfigura drasticamente a balança de poder entre o Judiciário e o Legislativo.

Portanto, este artigo disseca essa nova jurisprudência.

O objetivo é confrontar a tese da "não recepção" com os princípios republicanos da accountability no processo de impeachment de ministros do STF.

A tese da "não recepção" e o casuísmo temporal

O alicerce jurídico da decisão repousa, primordialmente, na tese da "não recepção" ou "caducidade".

Sustenta-se que o arranjo institucional de 1946, presente na lei 1.079/1950, seria incompatível com a ordem de 1988.

Assim, exigir-se-ia uma blindagem maior à independência do Judiciário.

Contudo, é necessário pontuar uma distinção vital.

A independência judicial é, sim, uma cláusula pétrea.

Todavia, ela não constitui um salvo-conduto para a ausência de controle social.

A Constituição de 1988 elevou a relevância do Judiciário, mas reafirmou a necessidade de pesos e contrapesos.

Além disso, causa estranheza o timing da provocação.

A legislação impugnada vige há mais de sete décadas.

Durante esse período, não houve questionamento por parte de juristas renomados ou órgãos de controle.

A demora de 36 anos pós-Constituinte sugere um casuísmo político.

Declarar a caducidade de normas de controle neste momento arrisca, sem dúvida, desequilibrar a harmonia entre os poderes em nome de uma proteção corporativa.

O fim da "denúncia cidadã" no impeachment de ministros do STF

O ponto nevrálgico dessa reengenharia institucional reside na legitimidade ativa.

A decisão suprimiu a legitimidade do cidadão ("quivis do populo") para denunciar magistrados, conforme previa o art. 41 da lei 1.079/1950.

Agora, a legitimidade concentra-se exclusivamente na PGR - Procuradoria-Geral da República.

A falácia da capacidade técnica exclusiva

A justificativa oficial é evitar o uso abusivo da ferramenta. Argumenta-se que o PGR, como custos legis, possuiria uma "capacidade técnica" exclusiva.

Entretanto, essa premissa carece de sustentação lógica sólida.

O Brasil dispõe de milhares de advogados privados, juristas acadêmicos e parlamentares com sólida formação jurídica.

Muitos possuem capacidade técnica igual ou superior à de um Procurador-Geral.

Cabe lembrar que o cargo de PGR é de indicação política.

Não se exige concurso público específico, mas apenas "notável saber jurídico" aferido subjetivamente.

Logo, assumir que o PGR está em um patamar de superioridade técnica é um erro.

Isso anula, injustificadamente, a competência fiscalizatória de toda a advocacia nacional no tocante ao impeachment de ministros do STF.

Conflito de interesses e crise de accountability

Além disso, a concentração do poder de denúncia no PGR institui um conflito de interesses insuperável.

O procurador-geral é um cargo de confiança do presidente da República.

Ele atua diariamente perante a Corte.

Imagine um PGR que deseje ter suas teses acolhidas. Ou, ainda, que almeje uma futura vaga no Tribunal, caminho comum na história recente.

Dificilmente esse agente oferecerá denúncia contra os ministros que julgam seus processos.

Na prática, a decisão institui a figura de um "porteiro".

Esse agente terá incentivos pessoais diretos para manter a porta do controle fechada.

Assimetria constitucional e o paralelismo das formas

A decisão viola, também, o princípio jurídico do paralelismo das formas.

Esse princípio dita que o ato de desfazimento deve respeitar a simetria com o ato de fazimento ("quem põe, tira").

O Senado Federal detém a competência exclusiva de aprovar a entrada de ministros e do próprio PGR (sabatina).

Os senadores possuem qualificação constitucional para julgar se um jurista possui "notável saber jurídico" para entrar no Supremo.

Sendo assim, é contraditório afirmar que eles não possuem qualificação para julgar se esse mesmo agente deve ser removido.

Ao retirar a iniciativa do Senado e entregá-la ao PGR, o STF cria um paradoxo.

O fiscal da lei (PGR) torna-se censor da vontade fiscalizatória do Legislativo.

Isso subverte a hierarquia republicana, pois o PGR também é sabatinado pelos senadores.

O quórum e o "crime de hermenêutica" no impeachment de ministros do STF

Outro ponto crítico é a elevação do quórum.

A decisão impõe a necessidade de dois terços (2/3) para a admissibilidade da denúncia no Senado.

Isso altera a regra da maioria simples e equipara ministros ao presidente da República.

Há, no entanto, um equívoco manifesto nessa comparação.

O presidente ocupa cargo uno e é escolhido pelo voto popular direto.

Ele possui mandato com prazo determinado.

Essa legitimidade democrática justifica barreiras altas.

Em contrapartida, ministros são 11, não eleitos e gozam de vitaliciedade.

Logicamente, a destituição de um agente vitalício deveria ser menos gravosa do que a de um chefe de Estado eleito.

A decisão inverte essa lógica. Cria-se, assim, uma casta protegida por ritos mais rígidos do que os aplicados ao próprio Presidente.

Ademais, proibiu-se que o mérito de decisões fundamente crimes de responsabilidade.

O objetivo é evitar o "crime de hermenêutica".

Contudo, a história judiciária não é isenta de erros.

Ao blindar a priori qualquer análise de mérito, cria-se um "cheque em branco".

Isso impede que o Senado avalie dolo ou erro inescusável, eternizando magistrados que eventualmente apequenem o Judiciário.

Análise histórica: A inércia da PGR

A história comprova que a provocação cidadã é a regra absoluta.

A PGR jamais foi autora de pedidos de impeachment que prosperaram.

Ao analisarmos os casos de Fernando Collor e Dilma Rousseff, a discrepância torna-se evidente:

  • Caso Collor (1992): A denúncia foi apresentada pela ABI e OAB. O PGR da época atuou apenas na esfera penal.
  • Caso Dilma (2016): A denúncia partiu de juristas como Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr, além da advoga Janaina Paschoal. O PGR não denunciou.

Se a regra atual do impeachment de ministros do STF valesse para a Presidência, essas denúncias seriam rejeitadas.

A sociedade civil e os juristas privados sempre foram os motores do controle republicano.

Conclusão: A "vacina" institucional

Diante do exposto, conclui-se que a ADPF 1259 atua como uma "vacina" institucional.

Ela suprime a legitimidade cidadã e desqualifica a capacidade técnica de advogados e parlamentares.

Ao concentrar poder no PGR, o STF construiu um sistema de blindagem.

Na prática, isso pode tornar seus membros inalcançáveis, independentemente da gravidade de suas condutas.

Ressalta-se, por fim, a omissão da OAB federal neste debate.

Isso agrava o isolamento da sociedade civil na defesa de suas prerrogativas.

Resta saber se o Congresso aceitará essa redução de competências.

Caso contrário, o sistema de freios e contrapesos no impeachment de ministros do STF permanecerá inoperante.

Marcelo Alves Neves

VIP Marcelo Alves Neves

Advogado focado em conhecimento, eficiência e resultado. Tel./Wpp.: (16) 99169.4996 | Visite: www.man.adv.br | Instagram.: man.adv.br.

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