Quando tudo caminha contra o credor
O Estado, direta ou indiretamente, diminui direitos, posterga obrigações e restringe a liberdade patrimonial do cidadão que venceu a disputa jurídica contra ele.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado às 10:15
A semana passada trouxe uma convergência rara - e preocupante - de decisões judiciais e constitucionais que, embora diferentes na superfície, revelam um mesmo ponto de tensão: em todas elas, o credor de ações em processos judiciais contra união, Estados e municípios sai mais fragilizado.
Se analisarmos a prorrogação dos pagamentos trazida pela EC 136, a vedação da cessão de créditos previdenciários julgada no IRDR 5023975-11.2023.4.04.0000 pelo TRF-4 e a derrubada da tese da Revisão da Vida Toda pelo STF, veremos que não se tratam de episódios isolados. Há um fio único, claro e contínuo, apontando para a consolidação de um ambiente onde o Estado, direta ou indiretamente, diminui direitos, posterga obrigações e restringe a liberdade patrimonial do cidadão que venceu a disputa jurídica contra ele.
A lógica que une tudo: Prorroga-se o que se deve, restringe-se o que existe e impede-se o que poderia existir
O elo entre as três decisões é evidente:
- Quando o crédito já existe, ele é adiado e com correção monetária ínfima: A EC 136 reforça que o prazo de pagamento não é um compromisso firme, mas sim uma variável ajustável. O credor, mesmo vitorioso, vê o horizonte de recebimento ser estendido mais uma vez, e, neste árduo caminho até a liquidação do seu crédito, tem a mísera correção de IPCA + 2% de juros ao ano, que inclusive se interromperá com o mero depósito dos valores pelo ente devedor na conta judicial O que era demorado, se eterniza, e o alento que se tinha (correção por Selic) é alterado sob o pretexto por "economia ao erário" (IPCA +2%)
- Quando o crédito é certo, líquido e formado, mas o credor deseja dele dispor livremente, ele é impedido. A decisão do TRF-4, por 6x5, que veda a cessão dos créditos previdenciários acidentários, retira do titular um direito fundamental: o de dispor do seu patrimônio. Ele terá que esperar 22 a 34 meses - e sem a possibilidade de antecipar seu valor via mercado secundário - enquanto a clandestinidade das cessões tende a crescer, exatamente por falta de segurança jurídica. A decisão não só afronta um direito constitucionalmente previsto na CR/88 (art. 100, par. 13º), como também ignora que o crédito consubstanciado em precatório não se confunde com a "benefício previdenciário". Trata-se condenação judicial contra a Fazenda Pública, que em razão de sua inadimplência, é compelida a pagar que não quitou a tempo e modo, nos estritos termos da cronologia de precatórios, com incidência de juros moratórios e correção monetária, tratando-se, portanto, de direito disponível do credor, o que é reconhecido pela própria AGU em seu parecer para afetação da matéria no RESP 2.217.133/RS
- E quando um possível crédito sequer chegou a nascer, ele é extinto na origem. A derrubada da Revisão da Vida Toda pelo STF - por via oblíqua e, ironicamente, após a tese já estar aprovada - elimina não só uma tese jurídica, mas também a expectativa legítima de milhares de aposentados que tinham no recálculo um direito reconhecido anteriormente.
Não se pode negar, contudo, que o movimento é, no mínimo, coerente - infelizmente.
Em todas as frentes, o Poder Público se vê autorizado a flexibilizar obrigações, enquanto o credor se vê obrigado a absorver mais atraso, mais limitação, mais frustração.
O resultado dessa soma: Um ambiente onde o risco recai sempre sobre o mesmo lado
Quando analisamos esse conjunto como uma narrativa única, a mensagem institucional transmitida ao mercado e aos cidadãos é preocupante:
- Direitos constitucionais podem ser relativizados;
- Prazos podem ser prorrogados indefinidamente;
- Créditos podem ser impedidos de circular;
- Expectativas legítimas podem ser anuladas.
A convergência dessas decisões desidrata o valor dos créditos, diminui a liquidez, incentiva práticas informais, afeta preços de mercado, reduz drasticamente a injeção de bilhões de reais na economia e cria um cenário em que o credor - que já enfrenta uma longa jornada para ver seu direito reconhecido - é penalizado novamente ao tentar exercê-lo.
É como se o Estado dissesse: "Reconheço que você tem razão, mas você não pode receber agora, não pode transferir, não terá uma correção monetária justa e, em muitos casos, não terá direito algum."
Por que isso importa?
Importa porque segurança jurídica não é um conceito abstrato. Ela é o alicerce para que mercados funcionem, investimentos ocorram e pessoas tenham previsibilidade sobre seus próprios direitos.
Quando três decisões distintas, no mesmo período, caminham no mesmo sentido - sempre restringindo, sempre protelando, sempre reduzindo - o sinal ao país é claro: o ambiente jurídico continua instável, e o credor continua vulnerável.
Conclusão: O credor não pode ser o amortecedor das ineficiências do Estado
A soma dessas decisões é mais do que conjuntural. Ela evidencia um padrão que compromete a confiança no sistema de precatórios e no tratamento aos direitos patrimoniais no Brasil.
Enquanto o Estado mantiver a prerrogativa de adiar seus compromissos, impedir a livre circulação de créditos e rever entendimentos consolidados de forma restritiva, continuaremos alimentando um ecossistema onde:
- O risco é privado,
- O custo é privado,
- E o prejuízo é, invariavelmente, do credor.
É preciso romper esse ciclo. O país só avança quando o respeito aos direitos individuais deixa de ser negociável - inclusive, e principalmente, quando o devedor é o próprio Estado.
Para finalizar, é bom lembrar que esses credores aqui referenciados, na sua esmagadora maioria, são aqueles mesmos que foram impactados com o rombo bilionário dos empréstimos consignados no INSS, ainda em averiguação da autoria delitiva pela CPMI no Congresso Nacional.
Enfim, pobre credor.


