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Cotas condominiais ilegais geram ônus ao condomínio

Cotas condominiais por fração ideal é ilegal por despesas ordinárias comuns e geram enriquecimento ilícito com direito à restituição desde a data da consignação em ata da assembleia.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Atualizado às 14:27

A gestão condominial moderna exige um equilíbrio delicado entre a autonomia privada, consagrada na Convenção, e os princípios de justiça e equidade previstos no CC. A recente decisão da 5ª Vara Cível de Belo Horizonte, que determinou o rateio igualitário de despesas de fruição comum em detrimento da regra da fração ideal (processo 5004979-73.2021.8.13.0024), reafirma uma tendência jurisprudencial crucial: a soberania da Assembleia e da Convenção encontram limite na vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.

A injustiça do critério unilateral

O art. 1.336, inciso I, do CC estabelece que o condômino deve contribuir na proporção de suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção. Essa ressalva confere poder à coletividade para adaptar o rateio à realidade fática do condomínio.

O problema surge quando a Convenção, ao optar pela fração ideal de forma irrestrita, ignora a natureza dos gastos. Despesas como salários de funcionários (porteiros, zeladores), limpeza de áreas comuns, manutenção de elevadores e sistemas de segurança são custos que beneficiam todas as unidades de maneira indistinta e igualitária.

A imposição de uma cota condominial dobrada ao proprietário de uma cobertura (ou unidade maior), apenas pelo tamanho de sua fração ideal, para custear serviços de fruição comum, não implica que ele usufrua desses serviços duas vezes mais. Tal prática, conforme reconhecido na sentença, configura enriquecimento sem causa da coletividade em detrimento do condômino majorado.

A solução judicial encontrada, o rateio híbrido, é o caminho mais justo: mantém-se a fração ideal para despesas que se justificam pela área (seguro predial, fundo de obras estruturais) e adota-se o rateio igualitário para despesas operacionais e administrativas.

A importância de consignar o ponto em ata: Estratégia e boa-fé

Para o condômino que se sente lesado pelo critério da fração ideal, a atuação deve começar na esfera administrativa, antes de recorrer ao Judiciário, e a principal ferramenta para isso é a Assembleia Geral.

A sentença analisada deixou claro que a autora tentou a via administrativa, requerendo e realizando uma Assembleia Geral Extraordinária para deliberar sobre a alteração do rateio. Embora a proposta tenha sido unanimemente rejeitada pelos presentes, a documentação dessa tentativa foi vital para a posterior ação judicial.

O papel da ata como prova de boa-fé

A formalidade de solicitar a inclusão do tema na pauta e, após a votação, fazer constar na ata da Assembleia Geral a sua manifestação de inconformismo, é uma estratégia processual de suma importância:

  • Consignação da dúvida e do inconformismo: Ao registrar seu voto contrário ou sua ressalva formal, o condômino demonstra que não anuiu com o critério de rateio em vigor. Isso mitiga a alegação da defesa comum de que, ao adquirir o imóvel, o proprietário tinha "plena ciência" das normas e a elas "aderiu livremente".
  • Demonstração da boa-fé objetiva (art. 422 do CC): A tentativa de resolver o conflito internamente, buscando a alteração da Convenção pela via democrática do condomínio, comprova que o condômino agiu em boa-fé objetiva antes de judicializar a questão. Essa postura é um requisito ético e jurídico para qualquer pretensão revisional.
  • Marco temporal para repetição de indébito: A sentença condenou o condomínio a restituir os valores pagos a maior, retroagindo a restituição à data da assembleia realizada para revisão da convenção de condomínio (17/8/2020). Este marco temporal demonstra que o momento em que a pretensão revisional foi formalmente apresentada à coletividade torna-se o dies a quo para o cálculo da indenização. O registro em ata, portanto, cristaliza a data do início do abuso para fins de reparação de dano.

Ao agir de forma transparente e protocolar, o condômino não só cumpre o requisito de esgotar a via administrativa, mas também constrói uma prova robusta de que a continuidade da cobrança excessiva após o requerimento em assembleia constitui uma imposição da maioria que se beneficia financeiramente da cota majorada, o que caracteriza o abuso de poder passível de correção judicial.

Portanto, em litígios condominiais sobre rateio, o registro meticuloso em ata não é mera formalidade, mas sim um ato de inteligência jurídica que assegura a justa reparação e baliza a boa-fé do condômino perante o Poder Judiciário.

Giselle Farinhas

VIP Giselle Farinhas

Sócia GFAC Advogados e Consultores Pós graduada em direito público e privado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro Comitê do Brasil na ALAM - Macau

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