MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Voos, banheiros dianteiros e a afronta ao direito do consumidor

Voos, banheiros dianteiros e a afronta ao direito do consumidor

Análise jurídica quanto à permissão de uso dos banheiros dianteiros da aeronave somente a determinados passageiros.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Atualizado às 13:46

A mídia noticiou1 que a Latam reservou os banheiros dianteiros de suas aeronaves, nos voos domésticos (onde não há divisão de classes), a passageiros das primeiras fileiras, que compram os chamados "assentos conforto".

O privilégio passava despercebido até que um privilegiado noticiou o absurdo em suas redes sociais e a questão passou a ser de conhecimento geral.

Afora as questões técnicas de se restringir o uso dos banheiros dianteiros a poucos passageiros, fazendo com que a maioria dos viajantes se aglomerem nos banheiros traseiros, a medida da Latam afronta, evidentemente, o direito do consumidor.

Geralmente um passageiro, quando adquire uma passagem aérea, é consumidor, para todos os fins de direito. Nesse cenário é patente sua vulnerabilidade e a necessidade de sua proteção contra medidas abusivas, como a praticada pela Latam nas notícias veiculadas.

Se cria um privilégio que afronta contra a dignidade e equidade da pessoa que quer fazer uso de um banheiro, tendo ela de, se estiver à frente da aeronave, se deslocar para o fundo, a fim de beneficiar aqueles passageiros frequentes com um banheiro exclusivo.

Certamente que a informação sobre o uso do banheiro não é veiculada quando da compra das passagens, todavia, mesmo que fosse, a prática é, no nosso sentir, abusiva, nos termos do art. 51, inciso IV, do CDC2.

A doutrina já se manifestou quanto a serem os incisos do art. 51 meramente ilustrativo. O inciso IV, que se amolda à questão em discussão, traz "... um sistema totalmente aberto, que pode englobar uma série de situações, em especial pelas menções à boa-fé e à equidade. Da última, aliás, extrai-se a ideia de justiça contratual, inerente à eficácia interna da função social do contrato."3

O cerceamento do direito ao uso dos banheiros dianteiros afronta, evidentemente, a equidade dos passageiros, colocando o consumidor em uma desvantagem exagerada, fazendo-o percorrer, mesmo que esteja na frente, toda a aeronave para usar o banheiro traseiro.

Se recorde que a medida é para voos domésticos, ou seja: onde a aeronave não tem classes claramente definidas!

Essa obrigação estabelecida pela companhia aérea, mesmo que verbal, afronta o direito do consumidor impedido do uso do banheiro dianteiro sendo, portanto, abusiva.

Sobre essa abusividade afirma Sérgio Cavalieri Filho que "... será abusiva toda e qualquer cláusula contratual que coloque o consumidor em desvantagem exagerada, qualquer que seja o motivo alegado ou meio utilizado - má-fé, iniquidade, informação insuficiente, publicidade enganosa etc."4

A situação ocorrida na citada companhia aérea se amolda à diversos processos que tratam do impedimento de uso de banheiros em estabelecimentos comerciais5 que geram, obviamente, dano moral a ser indenizado

Se é abusivo se exigir que um passageiro jovem e sem comorbidades se desloque por toda a aeronave, imagine um idoso, um deficiente, alguém com criança, etc. Imagine alguém ter de esperar o término do serviço de bordo para ir para o fundo da aeronave por não poder usar o banheiro dianteiro!

Se a medida afronta, evidentemente, a equidade entre os passageiros, ela beira, a depender da situação, a má-fé, posto que mesmo cientes dos problemas causados por ela ainda assim a companhia a manteve6.

Algumas entrevistas antigas, que circulam nas redes sociais, evidenciam um descontentamento das companhias aéreas com a quantidade de processos judiciais visando indenização por danos morais no Brasil. Com o devido respeito a esse pensamento são as próprias companhias aéreas que criam, para si, essa obrigação de indenizar. Exemplo disso é essa segregação de banheiros, ora discutida.

O consumidor tem o direito ao uso do banheiro da aeronave, dianteiro ou traseiro (no caso de voos domésticos, em que não há divisão por classes, dentro da aeronave), não podendo ser cerceado por uma obrigação que não assumiu conscientemente e, mesmo que o tenha feito, é abusiva por si só, colocando-o em desvantagem exagerada, afrontando a equidade das relações naquele local de consumo.

Que as companhias se recordem que são poucos os passageiros com "assentos conforto", mas muitos passageiros "comuns" que geram o lucro das viagens aéreas.

_______

1 Acesso em 26/11/2025: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/11/restricao-de-uso-do-banheiro-dianteiro-em-voos-da-latam-gera-reacao-de-passageiros-e-especialistas.shtml

2 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

3 Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual, Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assunpção Neves; 09ª edição, Editora Método, p. 309.

4 Programa de Direito do Consumidor, 2ª ed, Editora Atlas, p. 168.

5 Por exemplo: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rs/1994794544 (acessado em 26/11/2025).

6 Não se sabe se depois da repercussão a medida foi cancelada.

José Tito de Aguiar Junior

VIP José Tito de Aguiar Junior

Advogado. Sócio do escritório Aguiar & Salvione Sociedade de Advogados, Pós-graduado em Direito Processual Civil, autor de diversos artigos jurídico e parecerista.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca