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A inconstitucionalidade da expropriação na alienação fiduciária

A inconstitucionalidade da expropriação patrimonial plena na alienação fiduciária: Uma análise crítica e aprofundada do enriquecimento ilícito no § 5º do art. 27 da lei 9.514/97.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:15

Introdução

No Brasil, a alienação fiduciária de imóveis foi instituída pela lei 9.514/97, inspirada no sistema hipotecário norte americano, sendo concebida com o propósito de fomentar o mercado de crédito imobiliário e dinamizar o famigerado Sistema Financeiro da Habitação. Contudo, sob o manto da propalada eficiência e da celeridade na recuperação de créditos, esconde-se um defeituoso dispositivo pela patente ilegalidade e inconstitucionalidade. 

Trata-se do par. 5º, do art. 27, da lei 9.514/97 que autoriza o credor fiduciário, após a frustração de dois leilões públicos, consolidar integralmente para si a propriedade alienada, independente do que já foi pago e do valor do imóvel, apropriando-se do imóvel e extinguindo a dívida sem qualquer obrigação de restituir ao devedor a diferença entre o valor de mercado do bem e do saldo devedor, merecendo uma análise aprofundada e crítica à luz da CF/88 e da legislação infraconstitucional. 

1. Da confrontação a princípios constitucionais e fundamentais 

A aparente legalidade do par. 5º do art. 27 da lei 9.514/97 não resiste a uma análise mais detida sob a ótica dos princípios constitucionais que regem o Estado Democrático de Direito. A norma, ao permitir que o credor se aproprie de um patrimônio cujo valor pode ser múltiplas vezes superior ao da dívida, ainda mais numa situação de vulnerabilidade, cria uma sanção de natureza confiscatória, o que é inadmissível em nosso sistema jurídico. 

De plano, para melhor ilustrar a perversidade do dispositivo legal em análise, tomemos um caso concreto que chegou a nosso escritório. Um cidadão, diante de uma emergência familiar, necessitou de um empréstimo de R$ 50.000,00. A instituição financeira, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade, somente concedeu o crédito mediante a garantia de seu único imóvel, avaliado em R$ 500.000,00. Meses depois, em virtude de dificuldades financeiras, o devedor atrasou três parcelas do empréstimo. 

Imediatamente, o credor iniciou o procedimento de consolidação da propriedade e, sem observar todas as formalidades legais de intimação, levou o imóvel a leilão. Após a frustração dos dois leilões, o credor, amparado pelo par. 5º, do art. 27, da lei fiduciária, adjudicou para si a totalidade do imóvel de meio milhão de reais, extinguindo a dívida de cinquenta mil. O resultado foi a perda total do patrimônio do devedor, que se viu privado de sua moradia e de um ativo dez vezes superior ao valor do débito original. Este é um exemplo claro e inaceitável de como a lei, em sua literalidade, promove o enriquecimento ilícito e um prejuízo exagerado e abusivo, em total descompasso com os ideais de justiça que devem nortear o ordenamento jurídico. 

1.1. Afronta aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade 

De fato, o princípio da proporcionalidade, um dos pilares do controle de constitucionalidade dos atos do Poder Público, exige que toda medida restritiva de direitos seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, simultaneamente. A medida prevista no par. 5º do art. 27 da lei da alienação fiduciária falha em todas essas nuances testes. Veja-se que enquanto possa ser adequada ao fim de satisfação do crédito, a norma evidentemente não é necessária, uma vez que há meios menos gravosos ao consumidor no ordenamento para alcançar o mesmo objetivo da expropriação pelo credor, como a realização de novos leilões ou a venda direta do imóvel com a devida prestação de contas ao devedor, bem como a atualização do valor do imóvel mediante avaliação adequada, que são direitos sagrados do consumidor fiduciante.1

Mas a situação mais grave e lesiva ainda é que o par. 5º, do art. 27 da lei 9.514/97 falha no teste da proporcionalidade em sentido estrito, que pondera os custos e benefícios da medida.  

A lesão pela perda total do patrimônio do devedor fiduciante - muitas vezes seu único imóvel e moradia familiar, representa o defeito da norma e uma afronta direta dos seus direitos fundamentais à propriedade e à moradia, consagrados pelos arts. 5º, XXII e 6º da CF/88, configurando inversamente desproporcional aos interesses vis dos credores fiduciários festejados pela lei da alienação fiduciária, sob patente abuso de direito que o ordenamento jurídico não pode tolerar e admitir como condição de existência. 

A alienação fiduciária evoluiu aos fins predatórios. Os credores fiduciários tem agido como se legislação não houvesse para lhes delimitar. São todos elementos que motivam alerta variados alertas neste artigo do que está acontecendo, instruído por fatores e experiencias técnicas que não deixam dúvidas acerca da desarrazoabiidade que se transformou os atos expropriatórios fiduciários, proporcionando uma apropriação ilícita fomentada por uma norma oportunista sem precedentes em qualquer lugar do mundo e ordenamento legal.

1.2. Enriquecimento sem causa e a dignidade da pessoa humana 

Notadamente, no art. 1º, inciso III, da CF/88 encontra-se consagrada a dignidade da pessoa humana como fundamento basilar. A norma em voga é uma anomalia ao permitir que um devedor fiduciante perca a integralidade do seu patrimônio ou a sua casa própria, por uma dívida muitas vezes até mesmo irrisória frente ao valor do imóvel, por um mero capricho da lei. Tal situação é esdruxula em qualquer contexto. É aviltar sua dignidade.  

Todavia, essa situação vil do par. 5º, do art. 27, da lei 9.514/97 que torna possível o confisco integral do imóvel alienado e reduzindo as chances de retomada do imóvel pelo executado, trata-se de uma das mais sagaz artimanha ardilosamente desenvolvida contra os direitos dos consumidores e mutuários-fiduciantes, agravada pela configuração de um claro enriquecimento sem causa do credor, vedado pelo nosso ordenamento (art. 884 do CC) e incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da justiça social. 

2. A violação de normas infraconstitucionais e a descaracterização do instituto 

A inconstitucionalidade do par. 5º do art. 27 da lei 9.514/97 não se restringe à ofensa a princípios magnos, mas se revela também no flagrante contrariedade a normas basilares do Direito Privado, notadamente do CC e do CDC. 

2.1. O par. 5º, do art. 27 da alienação fiduciário como vedado pacto comissório 

Notoriamente, nosso ordenamento jurídico veda expressamente o pacto comissório, conforme disposto no art. 1.428 do CC.3 Tal proibição impede que o credor de uma garantia real (penhor, hipoteca ou anticrese) se aproprie do bem dado em garantia em caso de inadimplemento da dívida. Nesta razão, a norma objetiva proteger o devedor, que é a parte mais vulnerável da relação jurídica, em especial contra os abusos de juros e a exploração da sua vulnerabilidade, possibilitando que a satisfação do crédito ocorra pelo adequado meio executório, bem como através de uma avaliação justa do bem alienado e a devolução de eventual saldo remanescente. 

Embora a alienação fiduciária possua natureza de propriedade resolúvel e não se enquadre literalmente no rol de garantias reais do art. 1.428 do CC, o mecanismo do par. 5º do art. 27, da lei 9.514/97 é essencialmente o mesmo pacto comissório ao permitir que o credor, após dois leilões frustrados, se aproprie integralmente da propriedade alienada, independentemente de seu valor e da dívida se irrisória ou não, o que é um acinte. 

Trata-se de uma questão que o Poder Judiciário não pode fechar os olhos, vez que - de forma transversa, uma norma fiduciária conseguiu se sobrepor a uma regra infra inconstitucional pelo CC que tanto se esforçou por proibir: a apropriação do objeto da garantia pelo credor. Nesta discussão, tem-se que a norma da lei 9.514/97 figura como um artifício legislativo com o escopo de contornar a vedação legal do CC, mas não afasta a sua finalidade protetiva que, pelo contrário, a interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico é extensiva, imputando vedação aos casos análogos de pacto comissório, tal como a regra do par. 5º, do art. 27, da alienação fiduciária. 

Neste contexto, a resolução da questão encontra respaldo no denominado pacto marciano, que é uma cláusula contratual que autoriza o credor ficar com o bem dado em garantia, desde que o valor do bem seja avaliado de forma adequada, justa e técnica, destacando-se diferentemente do pacto comissório que objetiva a expropriação do imóvel e o pacto marciano se preocupa mais em preservar o equilíbrio na relação, evitando o enriquecimento sem causa do credor e garantindo que o devedor receba a diferença entre o valor do bem e o da dívida, exatamente como assim ocorre no sistema de financiamento imobiliário americano.

2.2. A incidência do CDC

O entendimento uníssono dos Tribunais pátrios é que os contratos de financiamento imobiliário se trata de relação inequívoca de consumo entre credor fiduciário e devedor fiduciante, atraindo a incidência do CDC nas atividades bancárias e financeiras, sem olvidar, sob a égide remansosa da jurisprudência consolidada pelo STF e pelo STJ.

Sob tal vertente, é evidente que a ilegalidade em voga do malsinado disposto no par. 5º, do art. 27, da lei 9.514/97 sofre os efeitos do CDC, cujos princípios se amolda perfeitamente entre a ilegalidade em análise e o ordenamento que cerceia o caso. Nesse diapasão, crucial observamos a regra do inciso IV, do art. 51, do CDC, considerando plenamente nulas as cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".4

A perda total de um imóvel, sem chance de defesa e decorrente de um confisco disfarçado de uma expropriação legalizada, cujo valor pode ser muito superior à dívida, em favor abusivo do credor, é a perfeita definição de desvantagem exagerada. Cumpre registar que desde a origem da lei consumerista, o legislador teve o cuidado ao vedar a perda total das prestações pagas pelo consumidor em benefício do credor, conforme preconiza o art. 53, do CDC. Ora, se a lei já antevê proibindo a perda das prestações pagas em caso de inadimplemento do consumidor, maior razão ainda deverá ser vedada a perda do próprio bem dado em garantia da dívida, uma vez que representa um patrimônio muito mais significativo, ainda mais imóvel.

A aplicação do CDC impõe uma releitura de todo o procedimento de execução da lei 9.514/97, de modo a reequilibrar a relação contratual e proteger o consumidor-devedor contra práticas abusivas. A quitação da dívida pela adjudicação do imóvel, sem a devida restituição do valor que excede o débito, é uma prática que viola frontalmente os pilares do sistema de proteção ao consumidor. Pior, acaba oficializando uma abusividade e desvantagem ilícita contra o devedor fiduciante, razão pela qual a nulidade do ato encontro escopo protetivo direto na lei consumerista.

3. O diálogo das fontes e a interpretação sistemática do ordenamento

Como cediço, a interpretação de qualquer regra normatiza, ainda mais oriunda de uma legislação especifica como é a expropriação de bem imóvel financiado, é inaceitável a possibilidade de ser analisada de forma isolada. As relações jurídicas contemporâneas e a sua complexidade hodierna literalmente deve ser acordo com o ordenamento jurídico pleno, a partir da CF/88, os princípios gerais e da jurisprudência pátria - tal como a razoabilidade, a proporcionalidade, a boa fé e a dignidade humana por exemplo são fatores que devem ser sempre considerados diante do contexto, a fim de salvaguardar direitos básicos consolidados e garantir um sistema coeso que não pode ser suplantado por legislações dúbias e abusivas, como é a questão vertente "sub examine".

Portanto, o processo interpretativo hodierno visa garantir a coerência e a harmonia do sistema como um todo, de modo que a complexidade das relações jurídicas contemporâneas exige uma hermenêutica que garanta a coerência e a harmonia do sistema jurídico, superando a visão tradicional e isolada das normas. A teoria do diálogo das fontes, introduzida no Brasil pela insigne professora Cláudia Lima Marques - a partir das lições do jurista alemão Erik Jayme, oferece a ferramenta adequada à solução de fatos jurídicos relevantes e destoantes do ordenamento jurídico, como entre a lei 9.514/97 e os CC, a CF/88 e de Defesa do Consumidor. 

Essa teoria propõe uma aplicação simultânea, coerente e coordenada das diversas fontes legislativas, afastando a ideia de uma simples revogação da lei geral pela especial. No caso em tela, a lei de alienação fiduciária, embora especial, não pode ser interpretada como uma ilha normativa, imune aos princípios e regras fundamentais que estruturam o Direito Privado e as relações de consumo. Pelo contrário, ela deve dialogar com o CC, que veda o enriquecimento sem causa (art. 884) e o pacto comissório (art. 1.428), e com o CDC, que protege a parte vulnerável contra cláusulas abusivas e desvantagem exagerada (arts. 51 e 53). 

A importância do diálogo das fontes em nosso contexto social, econômico e político é de extrema relevância, especialmente na interpretação de legislações suspeitas e abusivas defendendo interesses vis, suplantando e confrontando princípios basilares de nosso ordenamento jurídico, que não pode ser afrontado por normas dúbias e escusas, como é o caso do malsinado par. 5, do art. 27, da lei 9.514/97.

3.1. A visão da doutrina

Notoriamente há muito tempo que civilistas brasileiros já vem alertando quanto as incursões e os perigos de legislações e cláusulas objetivando a apropriação do bem imóvel pelo credor, bastando um mero inadimplemento. Neste sentido, o insigne mestre Caio Mário da Silva Pereira já classificava o pacto comissório como uma "técnica opressiva do economicamente mais fraco", cuja vedação visa proteger o devedor contra a usura e das condições abusivas, garantindo que a satisfação do crédito ocorra por meio da venda do bem, com a devolução de eventual valor excedente ao devedor.5

No plano do civil constitucional, o insigne prof. Flavio Tartuce categoricamente defende que a interpretação dos contratos deve ser pautada pela boa-fé objetiva e pela função social. Neste sentido. Denota-se que tais princípios nesta ótica do festejado civilista são frontalmente violados pela expropriação patrimonial plena em analise. 

Sob a ótica do Direito do Consumidor, a abusividade é ainda mais flagrante. Cláudia Lima Marques sustenta que o CDC, como norma de ordem pública e interesse social, impõe um novo patamar de equilíbrio contratual, considerando nulas de pleno direito as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada e mais onerosa6

O diálogo das fontes, portanto, impõe que o par. 5º do art. 27, da lei 9.514/97 seja lido através das lentes protetivas da CF, do CC e do CDC, resultando na conclusão inafastável de sua ilegalidade e inconstitucionalidade quando aplicado de forma a gerar o enriquecimento sem causa do credor. 

4. A evolução jurisprudencial do STJ: Um caminho à Justiça e equidade nas relações das alienações fiduciárias de imóveis 

A controvérsia sobre a aplicação do par. 5º do art. 27 chegou aos nossos Tribunais, revelando uma profunda cisão jurisprudencial, inclusive no âmbito do STJ. De um lado, a 4ª turma do STJ, em decisões como o AgInt no AREsp 2.039.395/SP, tem se posicionado em defesa do devedor, afirmando a necessidade de restituição do valor que excede a dívida para evitar o enriquecimento sem causa do credor.7 Esse entendimento, que prestigia os princípios da boa-fé e da equidade, tem encontrado eco em diversos Tribunais de Justiça estaduais, que, sensíveis à realidade social, buscam mitigar os efeitos perversos da lei.

De outro lado, a 3ª turma do STJ, em julgados como o REsp 1.654.112/SP, adota uma interpretação literal e restritiva da norma, entendendo que, frustrados os leilões, a dívida se extingue e o credor fica com o imóvel, sem qualquer dever de restituição.8 Essa posição, embora apegada à letra da lei, ignora seu espírito e sua inserção em um sistema jurídico que repudia o enriquecimento ilícito e a onerosidade excessiva. 

4.1. A decisão paradigmática no AgInt no AREsp 2.165.101/PR: Um novo marco 

Em uma decisão recentíssima e de extrema relevância, a 4ª turma do STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 2.165.101/PR, de relatoria do ministro Marco Buzzi, deu um passo fundamental na proteção do devedor fiduciante. O tribunal firmou o entendimento de que a arrematação em segundo leilão extrajudicial não pode ocorrer por preço vil, assim considerado aquele inferior a 50% do valor de avaliação do imóvel, mesmo que o lance seja suficiente para quitar a dívida.9

Neste caso, o STJ reformou decisão do TJ/PR que havia validado a arrematação de um imóvel por 39,8% de seu valor, aplicando os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884 do CC) e do dever de mitigação do prejuízo (art. 422 do CC) à execução extrajudicial. A decisão é um marco, pois consolida a aplicação de normas de direito comum e princípios constitucionais para limitar os abusos permitidos pela literalidade da lei 9.514/97. 

5. A contradição insanável do preço vil versus expropriação total

A evolução jurisprudencial do STJ, ao estabelecer um patamar mínimo de 50% do valor de avaliação à arrematação em segundo leilão, cria uma contradição lógica e jurídica insanável com o par. 5º, do art. 27 da lei 9.514/97. Ora, se a venda do bem a um terceiro por valor inferior a 50% da avaliação é considerada "preço vil", configurando "prejuízo exagerado ao devedor" e "enriquecimento sem causa", como pode ser lícita a adjudicação do mesmo bem pelo próprio credor, por valor ainda menor - da dívida, que pode representar 10%, 5% ou até menos de 1% do valor de mercado do imóvel?

Se a arrematação por 49% é ilegal, a adjudicação pelo valor da dívida, que pode ser ínfimo, é uma ilegalidade e inconstitucionalidade ainda maior. A proteção contra o preço vil no leilão é um reconhecimento de que o devedor tem direito a um saldo remanescente. O par. 5º, do art. 27, da alienação fiduciária ao negar esse direito de forma absoluta, revela-se como a mais drástica e desproporcional das sanções de nosso ordenamento, uma verdadeira pena de confisco privado, incompatível com o Estado Democrático de Direito. 

Ora, em nenhum outro sistema de financiamento imobiliário mundial tal desfaçatez patrimonial é permitida, somente no sistema brasileiro é aceita e com tamanho avanço, Estamos diante de uma significativa desproporcionalidade e desarrazoabilidade por um oficializado confisco de imóveis, configurando um verdadeiro locupletamento. 

Do enriquecimento ilícito fiduciário. Pela declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade do art. 5º do art. 27 da lei 9.514/97 

Diante do exposto, resta inequívoco que o par. 5º, do art. 27 da lei 9.514/97 é uma anomalia no ordenamento jurídico brasileiro. Sua aplicação literal resulta na violação direta e afronta de princípios constitucionais consagrados, como a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, a vedação ao enriquecimento sem causa e a função social da propriedade, destoando até mesmo da legislação americana que serviu como base à instituição da alienação fiduciária no Brasil, sendo hoje o sistema de financiamento imobiliário mais agressivo do mundo. Além disso, a norma contraria disposições expressas do CC, ao configurar um pacto comissório velado e do CDC em detrimento do devedor já em estado de vulnerabilidade, imputando uma desvantagem exagerada e ilícita ao consumidor.

Outrossim, a decisão do STF no Tema 982 declarando a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial pela lei 9.514/97, não serve de escudo protetivo à permanência desta iniquidade do malsinado par. 5º, do art. 27 em voga. Ora, a análise do STF neste caso foi meramente procedimental e não adentrou o mérito da questão material aqui debatida.2

Pelo contrário, o Tema 982 sequer aprofundou discussões acerca da alienação fiduciária de imóveis que permeiam o judiciário, tal como o descumprimento sistêmico da notificação pessoal do devedor fiduciante, da falta de prestação de contas pelo credor fiduciário e da ausência de avaliação atualizada dos imóveis - por exemplo. Sem olvidar, a expropriação do patrimônio do devedor fiduciante sem a devida contrapartida trata-se de uma patente divergência existente no STJ e no STF demonstra que o tema em objeto deste artigo está muito longe de ser pacífico e clama por uma solução definitiva que prestigie a CF e o ordenamento jurídico. 

O problema é que enquanto isso muitos consumidores e devedores fiduciantes estão sendo prejudicados de forma irreparável e lesiva por esse procedimento absurdo do confisco de imóveis alienados dos consumidores como se não existisse lei à delimitação da malsinada norma quanto a expropriação abusiva e desproporcional, razão pela qual urge a necessidade para que os Tribunais Superiores pátrios estanquem os efeitos do par. 5º, do art. 27 da lei 9.514/97.

É imperativo que o Poder Judiciário, com base na CF/88, no CC e no CDC, de forma horizontal e hermenêutica, provocado a se manifestar, suspenda os efeitos e declare a inconstitucionalidade ou, no mínimo, promova interpretação e aplicação da lei em face da afronta do disposto no par. 5º, do art. 27 da lei 9.514/97, para assim determinar que, mesmo após a frustração do 1º e 2º leilões, o credor fiduciário seja obrigado a pagar ao devedor o valor que remanescer da expropriação, com base em avaliação atualizada do imóvel, afastando assim quaisquer indícios de enriquecimento de causa, com a quitação da dívida e das despesas da alienação. Somente assim será possível restabelecer o equilíbrio contratual e fazer valer a justiça, impedindo que a busca pela eficiência do crédito se transforme num instrumento de opressão e confisco privado a interesses escusos.

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1 Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC). "A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS: MUITO ALÉM DA 'EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL'". Disponível em: https://iasc.org.br/2020/12/a-inconstituicionalidade-da-lei-da-alienacao-fiduciaria-de-bens-imoveis-muito-alem-da-execucao-extrajudicial 

2 Supremo Tribunal Federal. "STF valida lei que autoriza retomada de imóveis financiados sem decisão judicial em caso de não pagamento". Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=517240&ori=1 

3 Jusbrasil. "Art. 1428 do Código Civil - Lei 10406/02". Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10638571/artigo-1428-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 

4 Jusbrasil. "Art. 51 do Código de Defesa do Consumidor - Lei 8078/90". Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10601785/artigo-51-da-lei-n-8078-de-11-de-setembro-de-1990 

5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. nstituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

6 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.654.112/SP. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Terceira Turma. Julgado em 23/10/2018. 

8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.468. Relator: Ministro Marco Aurélio. Julgado em 29/06/2016. 

9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 2.165.101/PR. Relator: Ministro Marco Buzzi. Quarta Turma. Julgado em 30/09/2025. 

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