Inventariante judicial e o procurador nomeado no inventário extrajudicial
Distinção entre atuação processual e mandato cartorial evidencia limites, obrigações e efeitos de cada agente, garantindo clareza e segurança no procedimento sucessório.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
Atualizado em 11 de dezembro de 2025 10:52
A evolução dos mecanismos de extrajudicialização, especialmente após a edição da lei 11.441/07 e da resolução 35/07 do CNJ, conferiu ao inventário extrajudicial um papel central na racionalização da sucessão causa mortis no Brasil. Essa transformação, contudo, fez emergir importantes distinções conceituais e funcionais entre a figura tradicional do inventariante judicial e o representante do espólio no âmbito notarial, com base no art. 11, da supracitada Resolução, que disciplina a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, divórcio e dissolução de união estável.
Conquanto o inventariante judicial seja um sujeito processual dotado de deveres legalmente tipificados, investido mediante observância de ordem legal de nomeação e submetido a um regime rigoroso de responsabilidades, o inventário extrajudicial segue lógica diversa. Nesse cenário, não há investidura de um "inventariante" em sentido técnico-processual, mas sim a constituição de um mandatário escolhido consensualmente pelas partes, com poderes específicos e delimitados no mandato previsto no art. 11, da já mencionada resolução CNJ 35/07.
Compreender essa distinção é fundamental para evitar equívocos interpretativos que comprometem a segurança jurídica do procedimento extrajudicial e a sua finalidade de simplificação. O presente artigo, portanto, examina comparativamente a natureza jurídica, os limites de atuação e o regime de responsabilidades do inventariante judicial e do mandatário nomeado no inventário extrajudicial, evidenciando os fundamentos normativos que afastam a transposição das regras processuais e tributárias para o âmbito notarial.
A atuação do inventariante, na condição de longa manus do magistrado, concentra poderes-deveres delineados no art. 618 do CPC, compreendendo a administração dos bens, a representação do espólio, o cumprimento de determinações judiciais, entre outras obrigações.
Assim, a função desempenhada pelo inventariante judicial possui natureza jurídica de índole eminentemente processual, decorrente de nomeação legal e sujeita à estrita fiscalização do juízo sucessório. Não se trata de poderes outorgados pelos herdeiros, como no contrato de mandato, tampouco de representação negocial, mas de um dever imposto pela lei, exercido no interesse do acervo hereditário e voltado à correta condução do inventário.
Fora essas características, o art. 617 da lei adjetiva prevê a ordem de nomeação do inventariante, que revela uma lógica de eficiência e proteção da herança, fundada na presunção de que determinadas pessoas - como o cônjuge, o companheiro e os herdeiros - possuem melhores condições materiais, conhecimento dos bens e legitimidade afetiva e jurídica para exercer a inventariança.
Consiste em critério de racionalidade que visa garantir a administração diligente do espólio e a cooperação processual, assegurando previsibilidade e segurança jurídica ao processo sucessório. A ordem, embora preferencial e não absoluta, funciona como mecanismo de proteção do patrimônio hereditário, somente sendo afastada quando presentes motivos que desaconselhem a nomeação do preferido, sempre em benefício da integridade patrimonial e da boa condução do inventário.
Assente-se, ainda, que o critério legal em relação à nomeação do inventariante poderá ser flexibilizado quando houver consenso entre os herdeiros e o meeiro, hipótese em que a autonomia privada e a harmonia familiar justificam a nomeação consensual de inventariante diverso, desde que inexistente prejuízo ao acervo hereditário. Trata-se de orientação que prestigia o princípio da razoabilidade e a finalidade pública do encargo exercido pelo inventariante.
Cuida-se, portanto, de gestão processual funcionalizada, em que prevalece o dever de atuação diligente, imparcial e transparente, em benefício do acervo hereditário e da coletividade dos sucessores.
No tocante à responsabilidade tributária do inventariante, esta possui natureza eminentemente representativa e funcional, recaindo, como regra, sobre o espólio, que permanece sujeito passivo dos tributos devidos pelo falecido até a abertura da sucessão, nos termos do inciso III, do art. 131, do Código Tributário Nacional.
Além disso, ao inventariante judicial compete cumprir as obrigações acessórias, administrar o acervo hereditário e zelar pela integridade do patrimônio do espólio, atuando como um prolongamento da atuação do juízo sucessório. No entanto, sua responsabilidade pessoal e solidária somente se configura, de forma excepcional, quando demonstrado que agiu com dolo, culpa ou excesso de poderes que tenha impedido ou dificultado a satisfação do crédito tributário, nos termos do inciso IV, do art. 134 e do art. 135, ambos do Código Tributário Nacional.
Delineadas as principais características do inventariante judicial, segue-se ao exame da figura do procurador com poderes "semelhantes" aos do inventariante, prevista no art. 11 da citada resolução CNJ 35/07.
O supramencionado dispositivo estabelece:
"Art. 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 617 do CPC. (Redação dada pela resolução 326, de 26/6/2020)
§ 1º O meeiro e os herdeiros poderão, em escritura pública anterior à partilha ou à adjudicação, nomear inventariante. (incluído pela resolução 452, de 22/4/2022)".
Embora a literalidade do texto normativo possa sugerir a correspondência entre as duas figuras - o inventariante judicial e o representante do espólio no inventário extrajudicial - trata-se de institutos distintos, com natureza jurídica e finalidades próprias.
No contexto do inventário extrajudicial não há a figura do inventariante, assim como aquela concebida no processo judicial. O que se estabelece, em verdade, é um mandato - que deverá constar obrigatoriamente na escritura de inventário e partilha ou adjudicação de bens ou facultativamente, em eventual escritura pública prévia de nomeação de mandatário para representar o espólio -, conferido para fins específicos e delimitados no próprio instrumento, mediante a nomeação de pessoa indicada pelos interessados para, a princípio, representar o espólio no cumprimento de obrigações pendentes, caso não haja no aludido mandato a previsão de outras obrigações.
Adite-se que esse mandatário poderá ser livremente escolhido pelas partes, inclusive pessoa que não faça parte do inventário, na qualidade de herdeiro, legatário ou meeiro.
Por essa razão, ao mandatário nomeado na escritura de inventário extrajudicial não se aplicam as regras do CPC atinentes ao inventariante judicial, regendo-se sua atuação principalmente pelas disposições dos arts. 653 a 692 do CC, complementadas pelas normas administrativas específicas da resolução CNJ 35/07 e pelas normas estaduais de cada estado.
Do mesmo modo, não lhe são extensíveis as normas de responsabilidade tributária previstas no Código Tributário Nacional, as quais pressupõem a existência de inventariante regularmente nomeado e investido na forma da legislação processual civil. A responsabilidade do mandatário é de natureza contratual e civil, vinculando-se aos limites objetivos e subjetivos em seus estritos termos.
Com efeito, a responsabilidade prevista no inciso II do art. 135 do Código Tributário Nacional consubstancia norma de caráter geral, aplicável aos mandatários em sentido amplo, desde que comprovada a prática de atos com excesso de poderes ou em infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.
Entretanto, o referido dispositivo não estabelece qualquer norma específica ou diferenciada para o mandato exercido pelo procurador com poderes semelhantes aos do inventariante.
Dessa forma, inexistindo previsão legal expressa nesse sentido, que equipare esse mandatário ao inventariante judicial, seria juridicamente vedado recorrer à interpretação analógica ou extensiva para criar obrigações não constantes em lei.
Por conseguinte, ausente à investidura formal do inventariante judicial, não se pode cogitar da aplicação automática do regime de responsabilidade tributária que lhe é próprio, permanecendo eventual responsabilização do procurador nomeado no inventário extrajudicial restrita ao campo do Direito Civil, nos limites do mandato e conforme as regras gerais de direito contratual e obrigacional.
Ressalte-se, por fim, que o art. 32 da resolução CNJ 35/07 impõe tão somente ao denominado "inventariante" - em verdade, simples mandatário - o dever de declarar o valor dos bens do espólio. Essa disposição, todavia, não lhe atribui o regime jurídico próprio do inventariante judicial, o que, certamente, não poderia ser concebido por meio de norma administrativa.
Fernanda de Freitas Leitão
Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.


